quinta-feira, 3 de setembro de 2015

A Relassa Fraqueza dos Portugueses


                  
                 “Tudo deve ser discutido. Sobre isso não há discussão”.
                  Pitigrilli

                     Este meu post, para uma conveniente metodização, divide-se em duas partes: a primeira parte é a transcrição integral do comentário, feito por N.Fortes, ao meu post “Reflexõe sobre o “Processo de Bolonha” (02/09/2015); a segunda parte refere-se à minha reposta.

                Desta forma, o leitor melhor poderá fazer a desejável síntese porque, como escreveu Fernando Pádua, presidente do instituto Nacional de Cardiologia Preventiva, “há sempre um modo diferente de ver os problemas – depende ‘del cristal com que se mira’”. Assim:

                   Primeira parte:

                    “Referir que o grau de licenciado deveria ter sido extinto, dando-lhe equivalência imediata ao grau de mestre, "apenas para suavizar a injustiça por ela sofrida relativamente aos actuais mestrados politécnicos" é uma visão enviesada do problema. Na verdade, ao utilizar como termo de comparação os mestrados politécnicos, ignorando que os mestrados universitários, incluindo os mestrados integrados, correspondem igualmente a um conjunto de 5 anos de formação que nada acrescentaram face às antigas licenciaturas, deu ao seu texto um alcance profundamente sectário. Tem razão quanto à injustiça, mas ela coloca-se na comparação da antiga licenciatura com todo e qualquer mestrado actual, seja ele politécnico ou universitário.”

                     Segunda parte:

“Agradeço e registo o seu comentário. Só não tem razão (e a razão é algo de susceptível de discussão, inclusivamente de natureza filosófica) quando iguala, aliás este o cerne da questão, os mestrados politécnicos aos mestrados universitários.

Falo, por exemplo, e apenas, dos mestrados politécnicos, via ensino, em que os respectivos candidatos entraram com classificações menores para virem a leccionar, por exemplo francês no 2.º ciclo, sendo preparados para esse efeito, em dois anos específicos  (nos 3 anos anteriores tiveram  uma preparação  para docentes generalistas do 1.º ciclo do básico, antigo ensino  primário). Ou seja, dois anos de aprendizado politécnico para ensinar a disciplina de francês (e, simultaneamente, português) podem dar o mesmo background que  5 anos de formação universitária?

Situo-me no campo do racionalismo em que o critério da verdade não deve ser sensório  (e como tal deturpado pelos sentidos que, muitas vezes, nos enganam) mas de natureza intelectual ou dedutiva. Isto para já não falar da injustiça, quando ambos concorrentes para a docência da língua da pátria de Racine, de o mestre politécnico passar à frente do mestre universitário se  possuidor de um simples valor a mais de carta de curso.

É comummente aceite (seria interessante dar a conhecer publicamente dados estatísticos  sobre este assunto) que as notas de formatura das escolas superiores de educação estão inflacionadas relativamente às das faculdades. Seja como for, concorde-se ou não com ele, o seu comentário trouxe para a luzes da ribalta uma discussão em que, como escreveu, Goethe, “qualquer ideia proferida, desperta outra ideia contrária”. Esta discussão não deve ser perspectivada em  simples opiniões pessoais. A ser assim, o festejado poeta António Gedeão, pseudónimo literário de um grande professor do antigo ensino liceal, de seu nome Rómulo de Carvalho teria encontrado uma conciliação entre juízos em confronto: “Onde Sancho vê moinhos / D. Quixote vê gigantes. / Vê moinhos? São moinhos / Vê gigantes? São gigantes”.

Mestrados universitários e politécnicos, por se não tratar de uma divergência de índole pessoal, em defesa de possíveis capelinhas, cabe ao leitor ser árbitro de uma contenda que não deve ser tida como discussão do sexo dos anjos. É um assunto demasiado sério que diz respeito à formação da nossa Juventude entregando-a nas mãos dos docentes melhor preparados. Aliás, foi essa a doutrina que presidiu à formação das escolas superiores de educação: atribuição de estudos superiores politécnicos para a docência do 1.º ciclo do básico, até então a cargo de competentes e esforçados diplomados, é justo reconhecê-lo, pelas escolas do magistério primário. Ou seja, pretendeu-se, com isso, uma evolução formativa. Hoje, em contramão, há uma involução com mestres formados pelo ensino politécnico que logo procuraram forma de leccionar no 2.º ciclo do básico em paridade (concorrencialmente mesmo em vantagem) com mestres saídos da Universidade.

Como me esclarecia, dias atrás, pessoa amiga o criticável chico-espertismo encontrou o “manto diáfano” de um neologismo aparecido na década 90 do século passado: empreendedorismo proactivo. Situação só possível perante a passividade de quem se devia pronunciar sobre este assunto e o não faz por uma razão tida por, passe o plebeísmo, “nacional porreirismo!”

Não seria útil para a res publica o testemunho de mestres com diplomas universitários? Seria, até, um dever de cidadania que reportaria para um passado distante a crítica de quem, segundo ele próprio, farpeou a Ignorância que tem cabeça de touro, o imortal Eça: “Portugal é vítima da bonacheirice, a relassa fraqueza que nos enlaça a todos nós Portugueses, nos enche de culpada indulgência uns para os outros e, irremediavelmente, estraga entre nós toda a disciplina e toda a ordem.”

Post scriptum: As situações ocorridas, e aqui relatadas, têm a sua génese  posteriormente ao “Processo de Bolonha” por iniciativa do comentador “N. Fortes”. Se, porventura, for pretendido fazer um flashback a tempos anteriores deverá substituir-se o grau de mestre por licenciado com ligeiras nuances para o tema em discussão.

8 comentários:

Rui Baptista disse...




Escassas horas atrás, li no “Público” um comentário, ao meu artigo titulado “Reflexões sobre o Processo de Bolonha”, da leitora Vera Monica Teixeira que, pela achega pertinente que trouxe para a discussão em curso, transcrevo na íntegra com o agradecimento devido. Lê-se nesse comentário:

“Não refere [ou seja eu, o seu autor] um ponto importante do objectivo do processo de Bolonha, talvez "o objectivo". Somos paises soberanos, é verdades, mas fazemos parte de um espaço comum, no qual temos mobilidade profissional. Temos..... se as minhas habilitações forem facilmente reconhecidas nos outros países. E a meu ver esse é um ganho essencial de todo o processo de Bolonha, que permitirá mais facilmente deslocar-me e encontrar novas oportunidades. Acho a ideia necessária e positiva, a forma como as autoridades a aplicaram , pelos vistos não terá sido a melhor. Teria sido importante no texto explicar este ponto...... o objectivo principal do processo”.

Depois de o ter lido, respondi da forma seguinte:

“Agradeço o seu pertinente comentário. Mas (há sempre um mas!), como usa dizer-se, uma andorinha não faz a Primavera. Ou seja, um benefício do Processo de Bolonha não cobre os erros cometidos, e por mim enunciados no meu artigo do “Público”, na sua adopção em território nacional.

Rui Baptista disse...

Rectificação: Por não constar do meu comentário original, retiro da última linha do último parágrafo do meu comentário anterior a expressão "no meu artigo do 'Publico'".

Ildefonso Dias disse...

Professor Rui Baptista;


Parece certo que hoje se vive constantemente com o medo da existência de uma autoridade. Abdica-se assim da autoridade que vem da genialidade inerente à pessoa. Essa não vale, esquece-se é a dimensão que o país têm, e não se percebe que o país não se pode dar a esses luxos, ao contrário de outros países, há muito portadores de boas e fortes elites.
As elites em Portugal não exercem a sua influencia porque, também, ao povo logo se lhes acena com o fantasma da autoridade. Disto lhe dei conta numa citação que aqui deixei a-propósito da entrevista de António Costa na TVI, são estas as palavras " (…) resolveu, [Nuno Crato] transformar escolas num laboratório de aplicação das suas teorias pessoais. Foi assim na matemática e no português".

Ora, e tudo isto se passa como se Nuno Crato não pertence-se à elite no ensino da matemática em Portugal!! Que pertence sem dúvida. António Costa assusta o povo de imediato com o papão da autoridade (aqui espelhada na pessoa de Nuno Crato), para grande êxtase da rapaziada do partido socialista... essa rapaziada partidária que mesmo estando mal preparada, e está muito -, serve bem para evitar os estragos do bicho-papão da autoridade, e tem sido essa a estratégia seguida pelo partido socialista ao longo dos anos.

Depois, como ficamos, o que nos oferece António Costa?! Ficamos assim, a sra. Ana Benavente e restante rapaziada do partido socialista, de tudo o resto tomarão conta, e logo se encarregarão de dar os seus palpites. Trata-se de gente que está sempre a postos e disponíveis para dar o seu contributo ao país, e tudo isto diga-se, com grandes sacrifícios pessoais pelo meio evidentemente... um tal trabalho e contributo, que outro não pode ser que aquele que está em consonância com os respectivos currículos, é por isso mesmo um enorme sacrifício pessoal, enorme já se vê porquê, pela impreparacao para o cargo desta gente.

Hoje, poucos são aqueles que se rendem aos conhecimentos de outrem. Era só o que lhes faltava! Por maior que seja a genialidade da pessoa, o desrespeito é manifesto e está na ordem do dia, principalmente vindo dos políticos e da rapaziada anexa ao respectivo movimento.
Contudo, fica a certeza de que enquanto o país não se livrar deste socialismo bacoco e largamente ultrapassado imposto pelo partido socialista,- que afasta permanentemente os melhores, sempre o ódio aos melhores - o país estará irremediavelmente no lugar que ocupa, que é o dos últimos.



Cumprimentos cordiais,

Anónimo disse...

A silly season não tem fim à vista.... E qual cereja em bolo fora de prazo o articulista dá-se ao trabalho de comentar o seu próprio texto.

Rui Baptista disse...

Engenheiro Ildefonso Dias: Quanto à actuação do ministro Nuno Crato, no que respeita às escolas superiores de educação, busco arrimo num meu artigo (Público, 7.Jan.2014) Na sua parte final escrevi:

"Desta forma, só porque "veritas odium parit "se pode pretender sentar o ministro Nuno Crato no banco dos réus por ter dito que “o sistema de formação de professores tem critérios de exigência muito diferentes”. Ou seja, apenas num sistema educativo em desrespeito por chancelas académicas, por proteger diplomas politécnicos e penalizar diplomas universitários, se pode tolerar a existência de “ratos em cima do telhado e pássaros na cave”, em metáfora colhida de um poeta da pátria de Racine!"

Quanto à sua preocupação em não deixar cair na lama do descrédito diplomas universitários (de universidades privadas), destaco a sua coragem no que tange ao diploma de Miguel Relvas, figura de proa do actual Governo do PSD de que Nuno Crato detém a pasta da Educação.

Aliás, as críticas que lhe são, mais vezes, imputadas referem-se à sua actuação no âmbito da investigação científica. Duas linhas de acção demasiado vastas e pesadas para estarem debaixo da tutela de un único ministério.

No que se refere, à acção do PS no sector da Educação (mormente de Ana Benavente) julgo ter lugar cativo nos seus críticos mais actuantes: jornais e DRN.

Agradeço o seu comentário. Cumprimentos cordiais,

Rui Baptista disse...

Saúdo o seu reaparecimento, ou seja a leitura que faz dos meus posts ou comentários pelo interesse que lhe despertam.

Mas já agora, que o vento vai de feição para lhe enfunar as velas do seu azedume, só um pedido de esclarecimento: responder aos comentários de N.Fortes e do engenheiro Ildefonso Dias no DRN e de Vera Monica Teixeira no "Público" será uma forma comentar o meu próprio texto? Ou, pelo contrário, será não deixar sem resposta quem se me dirige de boa-fé?

Ildefonso Dias disse...

“As políticas educativas cruzam-se com as políticas económicas e sociais.”
“Não há políticas económicas e sociais com orientações distintas das políticas educativas.”
“o PS de José Sócrates assumiu políticas neo-liberais.” [Ana Benavente - http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?pid=S1645-72502010000200011&script=sci_arttext&tlng=pt ]

Professor Rui Baptista;

Eu penso que no âmbito da investigação científica a actuação de Nuno Crato está e esteve sempre sujeita a uma política neo-liberal, - que ele não comanda - e não pode contrariar por ser algo mais profundo e que extravasar as suas possibilidades de ministro. Ou não saberá Nuno Crato qual é o valor da ciência?

Mas no ensino é diferente, existe a possibilidade de actuar de forma diversa.
Se para Ana Benavente, “Não há políticas económicas e sociais com orientações distintas das políticas educativas.” e dessa premissa a senhora não consegue sair! Nuno Crato, muito mais inteligente, percebe que a reciproca não é verdadeira, e actua precisamente naquelas partes importantes do ensino que lhe são permitidas, relegando para segundo plano as políticas económicas e sociais, sob pena de não ficar refém da demagogia.

No ensino Nuno Crato actua sem dúvida, eu diria até que ele tem sempre presente aquela preocupação que assistia ao professor Sebastião e Silva e que lhe transcrevo: “Que vitalidade se deve esperar dum ensino, cujo nível seja regulado pelo que possa existir de comum às aptidões de todos os alunos? Não será esse o modo mais eficaz e directo de contribuir para o triunfo da mediocridade? Sim, as escolas não têm por missão fabricar génios: mas também não se fizeram para matar vocações! Que não seja igual o aproveitamento de todos os alunos em relação a uma dada disciplina, isso é apenas um facto minuciosamente previsto: na escala das classificações há lugar para vinte hipóteses... O que será então preciso, é estabelecer, com nitidez e justiça, o mínimo a exigir de cada aluno para a sua aprovação.
Ensino idêntico para todos, é um principio talvez muito cómodo para o professor; mas, para bem de todos, há que substitui-lo por este outro: ensino que favoreça, tanto quanto possível, as aptidões de cada um.”[textos didácticos – III pág. 260-261]

Nuno Crato, libertando-se em parte das questões económicas e sociais, - que não comanda - actua estritamente sobre o ensino, e é sobre aquela necessidade nunca ultrapassada, devidamente identificada pelo professor Sebastião e Silva que actua, e torna-se desta forma o melhor ministro da educação que tivemos. Sim, é verdade que não salva todos, mas salva alguns.

“A ex-secretária de Estado da Educação, Ana Benavente, considerou, esta terça-feira, que a revisão curricular apresentada pelo ministro da educação, Nuno Crato, é um retrocesso no ensino.” [ http://www.jn.pt/PaginaInicial/Nacional/Educacao/interior.aspx?content_id=2387895 ]. Bem, na verdade mais vale “um pássaro na mão que dois a voar”, Nuno Crato sabe isso e actua em conformidade, e não envereda no socialismo bacoco e estéril de Ana Benavente. Foi isso que lhe permitiu afirmar que “o sistema de formação de professores tem critérios de exigência muito diferentes”.

Também, diga-se a verdade que ninguém assistiu ainda a Ana Benavente a defender a “concepção da abolição de privilégios perante a cultura – privilégios de sexo, privilégios de dinheiro, privilégios de crenças” – numa só palavra, ninguém assistiu a Ana Benavente a defender a Escola Única.


Cumprimentos cordiais,


P.S: Desculpe-me se estas ideias que estão certamente confusas e por isso difíceis de perceber.

Rui Baptista disse...

Engenheiro Ildefonso Dias: Ao contrário do que escreve as suas ideias são bem esclarecedoras da orientação que Ana Benavente deu ao ensino, diminuindo a preparação científica dos professores do 2.º ciclo do básico, até então, exclusivamente, a cargo de docentes de formação universitária. Em retortas de alquimia estabeleceu ela o seguinte princípio: quanto menor a preparação dos professores melhor o ensino por eles ministrado. Ou seja, até então o Estado perdulário gastava mais podendo fazer o "mesmo" por menos. E já que estamos a falar do "mesmo" por menos relembro as Novas Oportunidades que parecem (bem sei que parecer não é o mesmo que ser) estar subentendidas (gato escondido com o rabo de fora?) no respectivo programa eleitoral. Seria da máxima conveniência esclarecer atempadamente os que, como se costuma dizer, suam as estopinhas para terem o 12.º ano enquanto a seu lado surgem indivíduos que, em poucos meses, obtêm essa benesse de mão beijada! E o que dizer das provas de acesso ao ensino superior para maiores de 23 anos que mercantilizam o ensino superior de universidades privadas de fachada ou mesmo estatais com dificuldade em angariarem alunos? Quanto aos colégios com contrato de associação, PS e PSD repartem (quase diria em partes iguais) essa responsabilidade. Mas isto é outra conversa...a merecer melhor atenção.

Cumprimentos cordiais.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...