sábado, 16 de maio de 2015

Para quê manter a Escola se há empresas que oferecem modelos admiráveis?

 Filme que pode ser encontrado aqui
"A partir do próximo ano lectivo, os alunos do ensino básico poderão avaliar, nas escolas, se conseguem aplicar o que ali estão a aprender a situações da vida real." (aqui)
"Projeto da [empresa X] quer promover a literacia de leitura, a literacia matemática e literacia científica no 2.º e 3.º ciclos do Ensino Básico. É um programa-concurso em que os alunos têm oportunidade de testar conhecimentos em situações concretas." (aqui)
Estas transcrições de notícias publicadas em jornais, na passada semana, parecerão pacíficas, construtivas, até. Não é assim que as considero: vejo-as como uma manifestação muitíssimo preocupante do recuo da Escola no cumprimento da sua missão de educar e do consequente avanço das mais diversas empresas nessa matéria. As causas deste movimento são várias e profundas; não cabe neste apontamento analisá-las, apenas notar alguns equívocos patentes nas referidas notícias.

O primeiro equívoco é que a escolaridade básica (e a avaliação) deve centrar-se em "situações da vida real", em "situações concretas", na "aplicação dos conhecimentos a casos práticos", na "aplicação de conhecimentos em casos concretos"... Essa é, na verdade, a orientação do Programa Internacional de Avaliação dos Alunos (PISA), concebido pela Organização para o Comércio e Desenvolvimento Económico (OCDE), a que as notícias aludem, mas é uma orientação que pode e deve ser contestada pela consequências nefastas que inevitavelmente têm no desenvolvimento de capacidades cognitivas e afectivas que requerem um elevado grau de abstração e pelo conhecimento relevante que afasta dos currículos escolares.

Ora, o caso noticiado é que certa empresa de recursos pedagógicos, partindo de "uma nova filosofia" de que "o nosso futuro coletivo constrói-se todos os dias", e propondo-se "contribuir para o desenvolvimento educativo, pessoal e social dos jovens, concebeu um "novo programa" avaliativo onde "não cabem apenas os melhores alunos. Cabem todos". Grandes declarações que contrastam com a focagem elementar, antes referida.

E, como convém, é invocado o seu altruísmo: não haverá "quaisquer custos para os alunos ou escolas", porque, nas palavras de um responsável pela empresa, "acreditarmos que esta iniciativa beneficiará os nossos alunos, ajudando-os a consolidar as aprendizagens e elevar os níveis de conhecimentos num contexto similar ao das avaliações internacionais."

Avanço para a operacionalização do tal programa destinado a testar, a partir do próximo ano letivo, a "literacia" em Matemática, Português e Ciências dos alunos dos 2.º e 3.º ciclos. A sua abrangência é nacional e a porta de acesso é a das escolas públicas.

Estas, tanto quanto percebi, limitam-se a receber a informação "detalhada sobre os objetivos e estruturas das provas", bem como os modos de inscrição dos alunos. Depois, as coisas funcionam como um "campeonato nacional", o que muito contribui para a "popularidade" da iniciativa. Transcrevo:
"No primeiro período, em cada escola, apuram-se os alunos com melhores desempenhos nas provas. No segundo período, a competição acontece a nível distrital para escolher os estudantes com melhores resultados. No terceiro, a competição é nacional numa grande final que encontrará os vencedores..."
Isto no quadro da tal filosofia onde "não cabem apenas os melhores alunos. Cabem todos"!

É claro que este tipo de estratégia teria de ter a forma de "provas interativas", disponibilizadas numa sacrossanta "plataforma online", implicando, claro está, que as escolas e/ou os alunos adquiram, a esta ou a outras empresas, agora ou depois, os equipamentos necessários para a concretizar. Perante isto, a declaração de altruísmo poderia ter sido evitada.

Assegura-se, no documento de divulgação do modelo avaliativo, a sua qualidade científica e pedagógica e explica-se a testagem que sofreu ao longo deste ano lectivo, em mais de 1500 alunos de cinco escolas de três cidades: Coimbra, Porto e Lisboa. Não duvido que, sob esse duplo ponto de vista, pouco erros se lhe possam apontar. 

Neste como noutros casos, os grandes erros não são de técnica, são de princípio: de concepção da própria Escola (Oficial e Pública), da sua missão educativa e das funções que deve assumir em termos de aprendizagem, bem como da colaboração que pode ter com outras entidades, sendo ela a decidir quais e em que sentido, não o contrário.

"Escolas" concebidas e geridas por empresas há muito que entraram na Escola, não parando de se expandir; "escolas" que não estão mandatadas pela sociedade para o serem mas que crescem em dimensão e em força, à medida que a Oficial e Pública, que está mandatada pela sociedade para o ser, mirra... e recua e dobra-se...

E, tudo à nossa vista... que, por acaso, até achamos muito bem!

7 comentários:

Unknown disse...

O erro é de modelo!! Mas aí é que tem sido onde falha a "concepção" do que temos tido, com a realidade cruel dos maus resultados. A "nossa" visão é que está correcta - esta é a linguagem de quem tem "orientado" as escolas publicas; mesmo que os resultado mostrem o contrário. A arrogancia é muito má conselheira; e todos temos pago isso.

António Pedro Pereira disse...

Este senhor Cristóvão é a prova acabada da razão pela qual estas ideias perigosas (que a autora refere no post) vieram para ficar.
Estão disseminadas no tecido social, o aparelho ideológico que as difundiu foi bastante eficaz, demorará muito tempo até que a sua perversidade possa ser demonstrada e desmontada.
É evidente que este senhor nunca deve ter ouvido falar de TIMSS e PIRLS (do Programa PISA, da OCDE), muito menos a evolução dos nossos resultados desde que a eles temos sido submetidos comparando-nos com muitíssimos países da nossa área geográfica e cultura ocidental.
Continuamos ainda abaixa do desejado?
Sim, mas já alguma vez estivemos no topo?
Mesmo quando a Escola era boa e nela «se aprendia mais até à 4.ª classe do que hoje até ao 12.º ano», outra afirmação dos Cristóvãos deste Portugal
Mas que conta isso?
O ponto de partida nunca conta, a evolução é desprezível: as soluções milagrosas é que estão na moda.
Alguém é capaz de os convencer do contrário?
.

Anónimo disse...

Não meu caro Manuel!
A ignorância é muito arrogante mas, infelizmente, .é ela que comanda. Estamos entregues à mediocridade e, por isso, a maioria jamais entenderá a pertinência do post da Doutora Helena.

Unknown disse...

Não nego que seja mais ignorante que conhecedor sobre educação. Por isso leio os posts de quem sabe.Mas isso não me impede de fazer as minhas criticas explicando o que achava correcto. Talvez possa explicar os dados que aparecem no link http://www.oecd.org/forum/issues/oecd-forum-2015-in-figures-focus-on-education.htm
mas explique, porque atacar só até eu sei fazer.

António Pedro Pereira disse...

Caro Anónimo (17/05, 16:02):
Essa ignorância de que fala não se restringe à Educação.
É extensiva a outros campos.
Veja só o que dizem os Cristóvãos sobre a Economia e a Grécia.
Os gregos estão assim porque são preguiçosos, desorganizados, trafulhas, etc.
Como convém, só falam de PIB mas não de PNB (será que eles sabem o que é o PNB?)
Se analisarmos os dois indicadores as coisas mudam de figura.
Veja a evolução do PIB e do PNB.
«Até 2002, o PNB alemão era inferior ao PIB alemão, o que significava que uma parcela da riqueza criada na Alemanha ia beneficiar os habitantes de outros países. A partir da criação da Zona Euro, em 2002, a situação inverte-se rapidamente: o PNB alemão passa a ser superior ao PIB alemão, ou seja, superior ao valor da riqueza criada na Alemanha. Isto significa que uma parcela da riqueza criada em outros países é transferida para a Alemanha indo beneficiar os habitantes deste país. Só no período 2003-2015 estima-se que a riqueza criada em outros países que foi transferida para Alemanha, indo beneficiar os seus habitantes, atingiu 677.945 milhões de euros, ou seja, o correspondente a 3,8 vezes o PIB português.
Na Grécia e em Portugal aconteceu precisamente o contrário, como mostram os dados da Comissão Europeia. Na Grécia, até 2001, o PNB grego (a riqueza que o país dispunha anualmente) era superior ao PIB (o que era produzido no pais). No entanto, a partir de 2002, com a criação da Zona Euro, começa a verificar-se precisamente o contrário. Uma parcela da riqueza criada na Grécia é transferida para o exterior indo beneficiar os habitantes dos outros países. Em Portugal aconteceu o mesmo mas logo após a entrada para a União Europeia em 1996».
Como revelam os dados da Comissão Europeia constantes, se consideramos o período que vai desde a criação da Zona do Euro (2002-2015) a riqueza criada na Grécia que foi transferida para o exterior, indo beneficiar os habitantes de outros países, já atinge 48.760 milhões de euros.»
(Dados coligidos por Eugénio Rosa e citados no blogue Ladrões de Bicicletas)

António Pedro Pereira disse...

Senhor Cristóvão:
Não basta consultar informação, é preciso ter-se muito mais do que a simples capacidade de a ler, saber-se contextualizá-la e interpretá-la no seu pleno significado.
Se o país partiu de uma base bastante débil comparativamente com outros países (há 100 anos a Alemanha e os países do Norte quase não tinham analfabetismo, nós tínhamos à volta de 70%. Há 50 anos, os países do Sul, Espanha e Itália, por exemplo, já tinham resolvido este problema e nós ainda não. Apenas a partir do início da década de 1970, e daí em diante, começámos a investir deliberadamente mais. A escolaridade obrigatória até ao 9.º ano é da década de 198o). Se o nosso atraso era enorme, é evidente que, enquanto outros investiram na qualidade da Educação, nós ainda estávamos a investir uma boa parte nas infraestruturas e na expansão do sistema. Mas tudo isso consta nos gráficos indiscriminadamente.
Se um dado país gastou 5% do PIB e nós 8%, isso por si só não quer dizer que tivéssemos investido mais do que esse país: há que distinguir o que foi para a expansão das infraestruturas e do sistema do que foi investido para o seu funcionamento e para a melhoria da sua qualidade.
Isto é um pequeno exemplo.

Paula Gil disse...

A DISCRIMINAÇÃO e a HUMILHAÇÂO até à exaustão dos professores do ensino não superior público em Portugal - Avaliação do Desempenho Docente: professores de áreas curriculares do 3.º ciclo e ensino secundário são avaliados por Educadora de Infância com Bacharelato em Educação de Infância

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Educadora de Infância sem habilitações para o 3.º ciclo e ensino secundário exerce funções docentes em escola pública não agrupada com 3.º ciclo e ensino secundário

https://twitter.com/jfilipev/status/605727370478256128


https://twitter.com/jfilipev/status/605728436448071680

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