sexta-feira, 22 de maio de 2015

Mariano Gago e o Processo de Bolonha




"As leis mal feitas constituem a pior forma de tirania" (Edmund Burke, político britânico do século XVIII):

 O meu post ”A Universidade e o Valor Mágico das Palavras” (DRN, 21/05/2015) mereceu, no dia seguinte, o comentário que se transcreve: “Professor Rui Baptista, concordo consigo. Devo dizer que todas as iniciativas nefastas tinham necessariamente a concordância de Mariano Gago (que foi ministro durante 12 anos). É bom não esquecer isso” (Ildefonso Dias).

Sem pretender beliscar, de forma alguma, a notabilíssima acção de Mariano Gago no âmbito da Política Científica Nacional durante a sua tutela na pasta ministerial socialista da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, assumo tranquilamente as críticas que lhe teci no domínio das medidas tomadas no que respeita ao Ensino Superior.

Assim, neste blogue em post intitulado “Carta aberta ao Ministro Mariano Gago” (25/05/2009), teci severas críticas às medidas por si tomadas na adopção do chamado “Processo de Bolonha”, cujos nefastos reflexos se projectam em nossos dias. Escrevi ao tempo:

“No seguimento do “Acordo de Bolonha”, as entidades oficiais portuguesas, ao contrário dos países anglo-saxónicos que atribuíram aos três primeiros anos de estudos superiores o grau académico de bachelor (em tradução para português, bacharel) resolveram “alcunhá-lo” de licenciado contra a opinião de sectores importantes da vida cultural nacional. E isto é tanto mais insólito por o grau de bacharel ter longa tradição em terra lusitana (Eça de Queirós era bacharel em Direito), tendo sido recuperado décadas atrás, ainda que em existência efémera de crisálida, em algumas faculdades para os três anos iniciais de estudos.

 Com a intenção, reconhecida por Adriano Moreira, de “estar nas decisões para não vir a ser apenas objecto delas”, levou a efeito o Conselho Nacional das Profissões Liberais, nos dias 12 e 13 de Novembro de 2004, em Coimbra, um seminário intitulado Reflexos da Declaração de Bolonha. Neste evento, a que assisti como convidado, todos os presentes, em parte representados por docentes universitários de todo o país, manifestaram-se contra a atribuição do grau de licenciado para o ciclo inicial de estudos superiores defendendo o de bacharel. A este clima, não deve ter sido estranho ter pairado no espírito dos presentes uma licenciatura, como disse, também, Adriano Moreira, “com o prestígio da Universidade que lhe deu a primeira credencial de título académico nobilitante”.

No ano seguinte, em crítica ao poderes públicos por não terem tido em conta este importante seminário, escrevi em artigo de opinião: “Começo a convencer-me que em Portugal, à sombra de princípios tidos como democráticos, há um prazer sádico dos seus governantes em auscultar os parceiros sociais, mesmo que possuidores de um estatuto de ‘interesse público’, para decidir precisamente o contrário” (Público, 13/06/2005).

 Em disparates sucessivos, numa altura em que era pedido pelas instâncias europeias “a adopção de um sistema de graus comparável e legível”, viria a ser adoptado, em território nacional, a terminologia de licenciado colocando, com isso, em dificuldade qualquer indivíduo que pretenda estabelecer a comparação e legibilidade entre este nosso grau e o grau de bacharel extra-fronteiras. Deste statu quo dei conta, quando escrevi:

“Assim ,julgo – e penitencio-me se estiver errado! - que se desatendeu a uma possível solução a dar aos actuais mestrados outorgados pela universidade, após estudos complementares com a duração de dois anos e apresentação de uma tese. É compreensível o prejuízo que daqui poderá advir passando a haver mestrados com igual ou menor duração das actuais licenciaturas universitárias (Diário de Coimbra, 14/12/2004).

E porque, como escreveu George Canning, “para cada problema há uma solução que é fácil, clara e…errada”, não poucas vezes, o desejo de querer ser diferente ou original tem o seu quê de caricato!

 Corre actualmente na Net a recolha de assinaturas para uma petição a apresentar na Assembleia da República para que aos mestrados universitários antes de Bolonha - quatro ou cinco anos de licenciatura e mais dois anos de estudo com apresentação de tese - seja dada equivalência aos actuais mestrados, em verdadeiro escândalo alguns deles obtidos no ensino politécnico em quatro anos apenas!...

 Trata-se de uma atitude em que aparece a pedir quem se encontra, como escreveu Jorge de Sena, “privado em extremo de justiça justa”. Assim, a petição deveria incidir, no mínimo, sobre a equivalência das antigas licenciaturas universitárias aos actuais mestrados e a atribuição de uma espécie de pós-graduação aos antigos mestrados universitários que os superiorizasse relativamente aos mestrados actuais. Se outros motivos de qualidade e exigência curricular não houvesse, uma simples conta de somar justificaria uma petição destas e a sua mais que justa aprovação na Assembleia da República. Mas menos do que isto deixará um travo amargo na boca por transportar para os dias de hoje o desalento de Manuel Laranjeira : “Num povo onde essa minoria intelectual, que constitui o capital de orgulho de cada nação se vê condenada a cruzar os braços com inércia desdenhosa, ou a deixá-los cair desoladamente sob pena de ser esterilmente derrotada” (in Jornal “O Norte”, 1908).

 Mas a proposta desta praxis (ou seja, aquilo que os filósofos gregos tinham como “a acção comum tendo em vista os melhores objectivos para a cidade” ) devia ser assumida pelo próprio ministro Mariano Gago para libertar o Portugal democrático da má sina em procrastinar um problema nacional que deveria já ter merecido uma solução justa, rápida e eficaz por parte dos homens com assento na Assembleia da República com o voto do povo. A dignidade dos antigos diplomas da universidade portuguesa assim o deve exigir como um princípio ético e um direito inalienáveis!”

Se de alguma coisa posso ser acusado nunca, por nunca, de faltar ao meu dever de cidadania em assumir posição pública sobre problemas da Educação , mesmo quando os seus lesados, com diplomas universitários, se calam em atitude cómoda, altamente estranha ou mesmo reprovável. Aliás, para o cumprimento daquilo que tenho para mim como dever de cidadania, encontro respaldo em René Char: "Quem vem ao mundo para nada perturbar não merece nem consideração nem paciência"!

7 comentários:

António Pedro Pereira disse...

Senhor Rui Baptista:
Será que em relação à política científica do actual governo tem exercido o seu dever de cidadania?
Ou o que tem sido feito, a destruição de uma obra de verdadeiro desenvolvimento da Ciência, que nos fez saltar para um patamar de nível internacional, boa parte dela da responsabilidade ou inspirada por Mariano Gago, com o seu Manifesto para a Ciência em Portugal, de 1990, não justifica a sua intervenção cívica?

Rui Baptista disse...

Senhor Manuel Silva: Figuras ilustres do meio universitário e científico têm feito, neste blogue, a defesa do importantíssimo papel de Mariano Gago no desenvolvimento da Ciência em Portugal. Nada, ou pouco, adiantaria, portanto, o meu modestíssimo dever de cidadania neste particular.

Todavia, se reparou (e reparou decerto!) no meu texto ter-se-á deparado com a transcrição que ora dele faço:

"Sem pretender beliscar, de forma alguma, a notabilíssima acção de Mariano Gago no âmbito da Política Científica Nacional durante a sua tutela na pasta ministerial socialista da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior"(...)

Agradeço o seu reparo que me permitiu este esclarecimento a leituras apressadas, ou mesmo descuidadas, do meu texto. Bem haja!

António Pedro Pereira disse...

Senhor Rui Baptista:
Percebi o seu ponto de vista.
Como «Figuras ilustres do meio universitário e científico têm feito, neste blogue, a defesa do importantíssimo papel de Mariano Gago no desenvolvimento da Ciência em Portugal. Nada, ou pouco, adiantaria, portanto, o meu modestíssimo dever de cidadania neste particular.pessoas mais», o senhor achou por bem dar o outro lado - o lado negro de Mariano Gago - não ficasse a pairar no ar a ideia de que tinha sido um santo.
Justiça reposta, portanto.

Ildefonso Dias disse...

Professor Rui Baptista, se a Nuno Crato lhe faltou os milhões (€€€€) a Mariano Gago não, sempre teve bons orçamentos para distribuir. Ora como é costume dizer, "assim também eu".
Depois, o povo, esse ignorante, na sua maioria em matéria de ciência, o que vê? Vê o resultado material de muitos milhões de euros aplicados, que outras realidades não lhe são permitidas. Muitas e oponentes inaugurações, gente vinda em bons carros, tudo muito bem vestido com bons fatos etc... que os milhões chegam para tudo.
O que fica? Sobra nisto a generosidade Socialista, na defesa da obra politica, e Mariano Gago sempre foi um Socialista de respeito entre os amigalhaços ,,,

Desconheço se Mariano Gago deixou alguma obra com valor no mundo cientifico, como ninguém a identificou aqui, não terá, tratou-se portanto de uma personalidade cuja intervenção principal foi na politica. Destacou-se na politica, foi um politico. De um partido obscuro.


Cumprimentos,

Rui Baptista disse...

Senhor Manuel Silva: Ninguém é perfeito, citando-o,todos nós temos "o nosso lado negro ." Fernando Pessoa disso nos dá conta:

"Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos se a tivéssemos. O perfeito é o desumano porque o humano é imperfeito".

Fernando Pessoa

Rui Baptista disse...

Engenheiro Ildefonso Dias:

Como diriam os francess: “touché!”Touché" no que se reporta a esta pequena transcrição do seu comentário: "Desconheço se Mariano Gago deixou alguma obra com valor no mundo científico, como ninguém a identificou aqui, não terá, tratou-se portanto de uma personalidade cuja intervenção principal foi na política. Destacou-se na política, foi um político".

Aliás, isso mesmo reconheci quando, no meu post , escrevi: “Sem pretender beliscar, de forma alguma, a notabilíssima acção de Mariano Gago no âmbito da Política Científica Nacional durante a sua tutela na pasta ministerial socialista da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, assumo tranquilamente as críticas que lhe teci no domínio das medidas tomadas no que respeita ao Ensino Superior”.

E essa “notabilíssima acção” teve, recentemente, o reconhecimento público no “Jornal I” por parte dos académicos Carlos Fiolhais, Rui Vieira Nery, Rosália Vargas e Gaspar Barreira. A propósito, uma consulta ao post de Carlos Fiolhais, no DRN, intitulado “Sobre a Política Científica de Mariano Gago (21 do corrente) terá o condão de nos elucidar sobre o valor da respectiva obra e o consenso que provocou.

"Ipso facto" é sobre a sua acção ministerial, neste particular, que eu me curvo respeitosamente e, por outro lado - sem utilizar as lágrimas de crocodilo de viúvas que em vida dos maridos diabolizam os maridos e no seu funeral os santificam! - recrimino a respectiva política sobre o sistema educativo do ensino superior que deu azo à suprema injustiça de igualar desiguais atribuindo diplomas de ensino superior qual padaria que distribui aos respectivos clientes pão de má qualidade cozido em fornos de facilidades, ou de puro oportunismo, para satisfação de oportunistas/políticos que enxameiam a ignorância nacional amparados, por vezes, por acções sindicalistas que as promoveram.

Cumprimentos,

António Pedro Pereira disse...

Senhor Rui Baptista:
Referia-me ao lado negro de Mariano Gago, não ao seu, lado negro que o senhor, e muito bem, no exercício do seu dever cívico de cidadania, em boa hora nos lembrou.
Não fora tão oportuna chamada de atenção e a esmagadora maioria de nós, distraídos, ainda iríamos rezar uns padres-nossos e umas aves-marias pela santificação de Mariano Gago: o santo da ciência portuguesa.
Apenas os iluminados, poucos, entre nós, mas que ainda assim desconhecem se «Mariano Gago deixou alguma obra com valor no mundo científico», pensei que tivessem a certeza de que nada mais fizera do que inaugurações (de tascas científicas?), compras de carros de luxo (para levar os aprendizes de cientistas para os laboratórios, melhor, para as tascas científicas, e depois ir às compras com as respectivas mulheres) e compras de fatos Garbani (ou Prada), pois nunca ninguém aqui no De Rerum Natura identificou essa «maravilhosa» política científica, Carlos Fiolhais e outros esqueceram-se de o fazer, como o senhor muito bem deverá saber.
Se não for com ironia (às vezes cáustica) não vale a pena viver, não é?

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