Na abertura de Ano Internacional da Luz, no passado dia 19, na sede da UNESCO em Paris, o arquitecto mexicano Gustavo Avilès afirmou: “A luz é o acto sexual entre o Céu e a Terra.” A luz, fenómeno físico ao qual se deve a vida na Terra (sem a energia que as plantas recebem do Sol, não haveria a biologia tal como a conhecemos), possui uma carga metafórica notável. Vem no Génesis: “Disse Deus: haja luz. E houve luz. Viu Deus que a luz era boa; e fez separação entre a luz e as trevas.” Não é apenas na cultura cristã, mas também em muitas outras que à luz é atribuído o tremendo poder do início.
Sem luz, seja a luz que os nossos olhos vêem porque evoluíram para aproveitar ao máximo a luz que o Sol emite em maior abundância, seja a luz invisível como as microondas que usamos para comunicar por telemóvel, pouco saberíamos do mundo. Graças ao progresso no nosso conhecimento da luz, hoje afastamos facilmente as trevas. Paris chama-se “cidade luz” por, no século XIX, ter sido a capital dos candeeiros a gás. Hoje, merece ainda o nome porque a torre Eiffel, muito próxima do edifício da UNESCO, brilha à noite. Para além da sua iluminação por projectores internos de sódio, oferece um feérico espectáculo de hora a hora graças a vinte mil lâmpadas que piscam ao acaso. E o cimo da torre emite constantemente luz invisível, ao suportar antenas de rádio e televisão que irradiam sinais.
Paris fica no continente com mais luminosidade nocturna, como podemos verificar observando fotografias de satélite. Em grande contraste, a África mostra-se escuro. Aí, tal como noutras regiões menos desenvolvidas, a luz artificial é, para muitos habitantes do planeta, um verdadeiro luxo. Em sítios sem rede eléctrica, ainda se usam candeeiros de querosene, que são poluentes e perigosos, para além de caros. Uma solução já apareceu, mais uma vez vinda da ciência. As lâmpadas LED, que estão a generalizar-se (a invenção dos LED azuis deu o último Nobel da Física), consomem tão pouco que podem usar a energia solar que é recolhida por um pequeno painel fotovoltaico e guardada numa bateria. Existem ideias engenhosas: o projecto “Um litro de luz”, exibido na abertura do Ano Internacional da Luz, aproveita garrafas de plástico contendo água para, de dia, canalizar a luz do Sol para o interior de uma casa e, de noite, difundir a luz de um LED à custa de energia armazenada. Com o ano dedicado à luz, as Nações Unidas, que tutelam a UNESCO, pretendem aumentar a consciência sobre o modo como as tecnologias ópticas promovem o desenvolvimento sustentável e oferecer soluções aos desafios mundiais nas áreas da energia, educação, agricultura, comunicações e saúde. Não se trata apenas de fazer da noite dia, permitindo a muitos jovens estudar mais horas, trata-se também, por exemplo, de fornecer boa visão a quem a não tem: um projecto de uma ONG intitulado “Óculos a um dólar” desenvolveu uma armação leve e robusta, que é feita dobrando simplesmente um fio metálico, numa máquina que nem precisa de ligação à corrente. E trata-se, outro exemplo, de curar doenças: uma dermatologista vietnamita que trabalha num hospital de Boston viaja à sua terra natal, equipada com um laser, cuja luz usa para apagar manchas congénitas da pele em crianças.
A luz está omnipresente no dia-a-dia. O espectro electromagnético, cuja descoberta faz agora 150 anos, é hoje quase todo aproveitado, das ondas de rádio, que nos permitem ouvir no carro a nossa estação preferida, aos raios gama, que servem para tratar tumores cancerosos, passando pelos raios infravermelhos, tão úteis para mudar de canal televisivo, e pelos raios X, que descobrem doenças escondidas. Para já não falar da luz visível, que confundimos com a energia eléctrica quando falamos em “pagar a conta da luz”. Os lasers estão hoje por todo o lado, num vulgar leitor de CD ou na caixa de um supermercado. E as fibras ópticas, inventadas há 50 anos, trazem os sinais de TV por cabo, Internet ou telefone a nossas casas quase à estonteante velocidade da luz (num segundo, a luz pode dar oito voltas à Terra). A luz, para além de fenómeno físico, é fonte de arte, seja esta pintura, fotografia ou cinema. A luz tem também, como foi dito, uma forte carga simbólica: O século XVIII foi, em França, o século das Luzes, pois a luz significa razão, entendimento, verdade. Na religião cristã, a luz significa transcendência: “a luz não é Deus, mas Deus é luz”, afirmou em Paris o cardeal Gianfranco Ravasi, que preside ao Conselho da Cultura do Vaticano.
Celebremos a luz no ano dela. Portugal junta-se aos outros países para melhor conhecer e aproveitar a luz. É uma oportunidade única para educar, inspirar e ligar à escala global. Múltiplas iniciativas a propósito da luz vão aparecer no sítio português www.ail2015.org . Quem tiver alguma ideia luminosa é convidado a juntar-se à grande festa da luz.
2 comentários:
Estórias onde se fala de (pouca) luz:
http://tempoderecordar-edmartinho.blogspot.pt/2015/01/uma-estoria-onde-se-fala-de-pouca-luz.html
http://tempoderecordar-edmartinho.blogspot.pt/2015/01/duas-estorias-onde-se-fala-de-luz.html
Uma vez mais, muito interessante.
Enviar um comentário