terça-feira, 27 de janeiro de 2015

CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM PORTUGAL: MÉTRICAS E IMPACTO (1995-2011)


Extracto do meu livro, escrito a meias com Armando Vieira, com o título de cima, que acaba de sair, com acesso livre na versão digital, do prelo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (na imagem, o Biocant, em Cantanhede):

"De 1995 a 2011, desde que em Portugal foi criado o Ministério da Ciência e Tecnologia (hoje, com a Ciência ligada à Educação, designado por Ministério da Educação e Ciência) até ao último ano sobre o qual há estatísticas consolidadas, as actividades relacionadas com a ciência e a investigação conheceram em Portugal um extraordinário incremento tanto do ponto de vista qualitativo como quantitativo. Por exemplo, o investimento nessa área passou de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), um valor muito inferior ao da média da União Europeia (UE), a 17 países, que era de 1,8% em 1995, para 1,5%, um valor bem mais próximo da média da UE, que era em 2011 de 2,0%. Num fenómeno acelerado de convergência com a UE, que dificilmente encontra paralelo noutras áreas, este indicador-chave passou de cerca de um terço para três quartos da média europeia. 
Levando em conta um conjunto de inputs e de outputs, o presente trabalho pretende, explicitar essa transformação por meio de vários indicadores que medem a actividade científico-tecnológica e apurar o impacto que essa transformação teve na sociedade portuguesa, em particular na actividade económica. Apresentaremos, para alguns indicadores, um benchmarking com alguns países europeus a fim de se compreender melhor o nosso lugar no contexto europeu em que nos inserimos. Entre esses países incluímos três que, como Portugal, se situam no Sul da Europa e têm padecido, como o nosso, de sérios problemas financeiros e económicos (Espanha, Itália e Grécia), dois outros de dimensão inferior à nossa e também com costa atlântica, mas situados no Norte da Europa e claramente mais desenvolvidos (Irlanda e Holanda), e um outro ainda situado no Centro da Europa que tem não só um nível de desenvolvimento mas também um perfil científico semelhante ao nosso (República Checa). No final, procuraremos caracterizar o estado actual do sistema de ciência e tecnologia em Portugal, ensaiando uma percepção global dos seus principais pontos fortes e fracos. 
De facto, nos referidos 16 anos, Portugal aumentou consideravelmente o seu investimento em investigação e desenvolvimento (I&D): contribuiu para essa “explosão” o crescimento do financiamento público nesta área entre 1995 e 2011, que passou de 0,3% para 0,7% do PIB.. Mas contribuiu ainda mais o crescimento do financiamento privado, embora este tenha sido em parte ajudado pelo Estado, que passou de 0,2% para 0,8% do PIB, isto é, estava abaixo do sector público e ultrapassou-o, imitando o que aconteceu há algum tempo em países mais desenvolvidos. O crescimento do investimento privado em I&D nesse sector foi maior do que o crescimento do investimento público: com a ajuda de uma valorização por via fiscal de alguns indicadores relativos a I&D das empresas, esse investimento mais do que quadruplicou entre 1995 e 2011. Em 2011, num panorama de crise financeira e económica, o investimento em I&D apenas tinha baixado ligeiramente em relação ao máximo atingido no período considerado, que foi de 1,6% em 2009 (note-se que o PIB desceu na primeira década do século XX, de modo que os dinheiros aplicados em I&D têm vindo a diminuir em valor absoluto). O crescimento do investimento em I&D foi interrompido nos últimos anos, mas a diminuição foi relativamente pequena, não modificando a imagem global de um enorme crescimento.
Sendo certo que o valor português do investimento em I&D, considerando tanto o investimento público como o privado, ainda está distante dos países europeus mais desenvolvidos, não é menos verdadeiro que ele representa, ainda assim, um grande esforço nacional para um país sem grande tradição científico-tecnológica. Em resultado desse esforço, e também porque partia de uma situação de grave deficiência no cotejo internacional, Portugal exibiu progressos notáveis no número e qualificação da sua mão-de-obra científica: o número de novos doutorados por cem mil habitantes aumentou de 5,7 para 17,5 (cerca de três vezes) entre 1995 e 2011, tendo o número de investigadores, em Equivalente de Tempo Integral - ETI, também aumentado de 2,4 para 9,0 por cem mil habitantes, no mesmo período (também mais de três vezes). Os recursos humanos em I&D são normalmente medidos em ETI, ou seja, a percentagem de tempo dedicado por uma pessoa à investigação: por exemplo, se um professor universitário dedicar 33% do tempo à investigação, conta como 0,33 ETI. Note-se, porém, que a definição portuguesa de investigador, usada para fins estatísticos, tem mudado ao longo do tempo, sendo ainda hoje alvo de controvérsia: ela difere decerto da definição adoptada noutros países. Todo este investimento traduziu-se, como era de esperar, num aumento significativo da produção científica, medida pelo número de publicações científicas: este passou de 0,25 por mil habitantes em 1995 para 1,62 em 2011 (mais de seis vezes!). Isto é, os investigadores portugueses não só aumentaram em número como passaram a produzir bastante mais.
São decerto razões para abonar a auto-estima nacional. Contudo, estes números não nos devem iludir. Portugal continua abaixo da média da União Europeia não só no investimento em I&D mas também em aspectos fundamentais da sua actividade científica, tais como a quantidade e qualidade da sua produção científica e tecnológica. Por exemplo, o número médio de novos doutorados em toda a União Europeia em 2011 por cem mil habitantes foi de 22,9, claramente superior ao nosso. E, em parte por termos nominalmente um número de investigadores per capita superior à média europeia, em resultado da definição portuguesa de “investigador” usada para fins estatísticos, a sua produtividade, medida em número de publicações, é bastante inferior à média europeia. Por outro lado, uma das pechas nacionais tem sido a ainda deficiente transmissão dos conhecimentos e capacidades científicos-técnicas ao tecido económico. Este último aspecto é bem visível por exemplo, não apenas no reduzido número de patentes portugueses (este número é praticamente insignificante no contexto europeu), mas também no insatisfatório crescimento dos negócios das empresas portuguesas que se baseiam em conhecimento científico-tecnológico. Houve, decerto, alguns bons exemplos de criação e desenvolvimento de empresas baseadas nesse tipo de conhecimento, mas não se pode dizer que eles tenham sido uma regra generalizada, de modo a constituírem-se em motor da economia nacional. A economia portuguesa ainda parece ser dominada por sectores mais tradicionais, que só nalguns casos (o calçado ou os vinhos, por exemplo) conheceram um forte impulso de modernização. 

Neste trabalho vamos apresentar o sistema científico e tecnológico nacional apresentando os principais números relativos, por um lado, ao investimento, aos recursos humanos e às infra-estruturas (inputs) e, por outro lado, à formação de pessoas, à produção científica e à transferência de tecnologia (outputs), de modo a proporcionar uma visão de conjunto desse sistema e dos efeitos que ele tem tido no país."

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