sábado, 10 de janeiro de 2015

Isso serve para quê?

Entrevistei Afonso Reis Cabral (aqui e aqui) quando era aluno da Escola Rodrigues de Freitas, no Porto, a propósito do excelente prémio que ganhou numa competição internacional de línguas clássicas. Depois de se ter licenciado e de ter ganho um prémio literário, escreveu o texto abaixo sobre essa escola e os professores que teve (tomei a liberdade de mudar o título do post, mantendo o título do texto). 

Li-o duas vezes e em ambas as leituras tive a impressão de estar perante um depoimento antigo, reportado a uma realidade estranha que já não é possível encontrar... A "avaliação de tudo e mais alguma coisa, imposta e aceite, para se mostrar que as coisas correm às mil maravilhas" e mais aquilo que ela polariza, há-de acabar por estilhaçar o que resta do ensino.
Seja qual for o ranking, para mim o Rodrigues de Freitas está no topo 
por Afonso Reis Cabral (antigo aluno da EBSRF) 
Chegar ao Rodrigues de Freitas foi um esforço. Em 2005, o Porto parecia rejeitar os poucos alunos cuja vocação era Línguas e Literaturas. Quase todos os pais, e até as direcções das escolas, dissuadiam-nos de formar uma turma. Dizendo de maneira muito simples, combatia-se as humanidades: «Isso serve para quê?». Perante a pressão social, muitos desistiram e fugiram para outros agrupamentos, tornando ainda mais difícil juntar o número suficiente de alunos. Nesse ano, quase não houve turma de Línguas e Literaturas. Restaram pouco mais de vinte pessoas, e ainda sem local. 
Batemos à porta de várias escolas. A Secundária Rodrigues de Freitas foi a única que nos acolheu. Vivia-se ali o ambiente dos antigos liceus: as tábuas rangiam à passagem, os estrados dos professores vergavam, as salas, grandes e nada aquecidas, obrigavam-nos a levar aquecedor no Inverno.  
No entanto, o desconforto, agora alterado pelas obras da Parque Escolar, passava-nos ao lado. A dedicação dos professores compensava. Diria melhor «das professoras», já que estas eram a grande maioria. Acolheram o nosso grupo de refugiados e demonstraram durante três anos o que é a entrega ao ensino e aos alunos. Muitas perto da reforma, mantinham um gosto por ensinar, pela matéria, e até por nós, que saltava à vista. Cativava-nos. Fomos ao século XIX nas páginas de vários escritores, percorremos poemas de autores contemporâneos, visitámos a Roma Imperial e a Grécia Antiga (eu até viajei à Grécia actual), tudo por causa delas.  
Seja qual for o ranking, para mim o Rodrigues de Freitas está no topo.

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