sexta-feira, 2 de agosto de 2013
O DIABO NO MUNDO QUÂNTICO
Trancrevo o Prólogo do livro O DIABO NO MUNDO QUÂNTICO, de Luís Alcácer, muitop recente n.º 202 da Colecção Ciência Aberta da Gradiva, que agora dirijo:
Não venho aqui apresentar-vos mistérios esotéricos. Proponho-vos uma história séria onde se fala de factos e de verdades. Verdades científicas, ainda que misteriosas.
Os que procuram ficção, com mistérios do além e do oculto, ficarão desiludidos. Os curiosos e os ávidos de conhecimento podem, se eu for bem-sucedido, maravilhar-se de admiração. O tema merece-o. É um texto ambicioso e porventura pretensioso, pois faz algumas incursões fora da área, nomeadamente na filosofia, e, como disse Schrödinger no seu livro O Que é a Vida?, «ninguém espera que o cientista escreva sobre um tema que não é da sua especialidade. É uma questão de noblesse oblige. Relativamente a esta pequena história, permitam-me que renuncie à noblesse e me liberte das obrigações que ela implica. A questão é que poucos ousam arriscar, mas penso que vale a pena. Eis a minha desculpa.
Pretendo, com esta história, chamar a atenção para algumas das mais estranhas ideias da ciência contemporânea e falar de vários paradoxos da que é conhecida por mecânica quântica ou teoria quântica, a qual, mesmo ao nível mais elementar, tem muito que se lhe diga. Muitos ouviram falar dos paradoxos do gato de Schrödinger e de EPR (Einstein-Podolsky-Rosen), de teletransporte, e de muitos outros mistérios do âmbito dessa teoria. Para quase todos os não-especialistas, a mecânica quântica é um bicho de sete cabeças. Os alunos, mesmo aqueles que já deveriam ter conhecimentos nessa matéria, consideram esta teoria inacessível, mesmo antes de fazer qualquer tentativa para a compreender. Os especialistas também não ajudam. Alguns exploram o aparente esoterismo da teoria para fazer crer aos outros que só eles, os iniciados, têm acesso à verdade. Muitos não compreenderão bem os seus conceitos fundamentais, ou porque nunca reflectiram sobre eles, ou porque genuinamente não os entendem, embora façam com ela cálculos sofisticados. São bem conhecidas frases do tipo «faz as contas e cala-te». No entanto, a mecânica quântica é, como a mecânica clássica, um conjunto de princípios que, através de um formalismo matemático, pretende descrever a realidade física, seja lá o que for que se entenda por realidade física.
A teoria quântica é, na história da ciência, a teoria que permite fazer as previsões mais exactas sobre os valores de muitas grandezas físicas. Mas, apesar disso e do facto de a hipótese dos quanta já ter mais de um século, a teoria quântica continua a ser uma teoria tabu, considerada muito estranha por quase toda a gente e, em particular, pelos alunos que pela primeira vez têm contacto com ela. No entanto, sendo uma teoria do microcosmos, ela é o suporte de um vasto conjunto de tecnologias que vão dos semicondutores à criptografia quântica, sendo também o fundamento teórico de toda a química moderna e, mais recentemente, da cosmologia quântica — uma descrição fundamental do Universo. A teoria quântica explica a tabela periódica dos elementos químicos e a razão pela qual as reacções químicas acontecem. Dá previsões exactas sobre a operação dos lasers e dos microchips, e explica a estabilidade do ADN. Muitos cientistas, em particular químicos e bioquímicos, usam software baseado nela para prever a forma, as propriedades e a reactividade de moléculas, muitas vezes sem ter a noção clara da teoria subjacente. Usam programas computacionais sofisticados como quem usa uma aplicação informática comum. No fundo, como algo mágico.
Para o cidadão comum, a teoria quântica é profundamente misteriosa. Os seus conceitos têm sido relacionados com filosofias orientais e usados para explicar a consciência, o livre-arbítrio e o paranormal. Cita-se o princípio de incerteza de Heisenberg como o arauto do fim do determinismo. Os pós-modernos rejubilam com a subjectividade da realidade física. O adjectivo «quântico» torna-se sinónimo de um poder mágico e milagroso, como, por exemplo, na chamada «medicina quântica». A mecânica quântica é, de facto, uma teoria não- -intuitiva, difícil de explicar e de entender sem recorrer ao formalismo matemático, prestando-se a várias interpretações. A interpretação mais comum é a da escola de Copenhaga, devida a Bohr1 e seus seguidores. Desde início posta em causa por Einstein e pelo próprio Schrödinger, acabou por prevalecer, na sua essência, embora careça de aperfeiçoamentos, ou possa mesmo vir a ser substituída por uma nova perspectiva.
Que problemas tem ainda a mecânica quântica? Esta é uma das perguntas feitas, mesmo por mestres como Richard Feynman, quando afirma «ainda não é óbvio, para mim, que não há um problema real [com a mecânica quântica]. Não posso definir o problema, portanto suspeito que não há problema, mas não estou seguro de que não haja problema.
Com esta história, pretendo, de um modo ligeiro, desmistificar preconceitos e desmoronar barreiras, recorrendo por vezes a considerações de natureza filosófica. Tentei evitar o uso de fórmulas matemáticas, a não ser algumas muito simples e inevitáveis. Para que os iniciados não se sintam muito frustrados, tento dar alguns esclarecimentos e equações simples em notas finais, bem como num apêndice filosófico. Uma introdução mais formal à teoria quântica constitui o capítulo 3 do meu livro Introdução à Química Quântica Computacional da ISTPress.
Se esta obra não é primorosa, como desejaria, não será por falta de contribuições, críticas e sugestões de amigos, que conto entre físicos, químicos e filósofos, de entre os quais não posso deixar de mencionar, por ordem alfabética, o Alfredo Barbosa Henriques, o Jorge Dias de Deus, o Jorge Morgado, o José Trindade Santos e o Rui Teives Henriques. Agradecimentos são também devidos aos meus companheiros do grupo de Electrónica Orgânica do Instituto de Telecomunicações que, paciente e criticamente, participaram nas minhas divagações sobre o tema, e, last but not least, ao Carlos Fiolhais pela cuidadosa leitura do manuscrito e pelas suas sugestões. Espero que gostem.
Luís Alcácer
Lisboa, Primavera de 2013
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4 comentários:
Se isto é a introdução, então claramente não se trata de uma obra primorosa. Diria mesmo, vulgar. E como as obras vulgares sobre mecânica quântica repete os erros vulgares - naturalmente: O EPR não é um paradoxo; não existe nenhuma interpretação da escola de Copenhaga; os problema da mecânica quântica são, hoje, bem conhecidos; a mecânica quântica não é uma teoria sobre o microcosmos; mecânica quântica não é o mesmo que teoria quântica; a gravitação quântica não é um subdomínio da mecânica quântica, é outra teoria bem diferente em alguns aspectos fundamentais; as teorias não são conjuntos de princípios matematizados (esta é de palmatória); o indeterminismo na mecânica quântica não resulta das relações de incerteza; a questão dos "esoterismos" resulta muitas vezes das interpretações holistas da mecânica quântica, hoje cada dia mais em voga entre especialistas (os "muitos mundos" também não ajudam); a frase de feynman não é bem "faz as contas e cala-te", mas aqui trata-se de um erro de excesso de liberdade de tradução...entre outros, que não quero aqui ser exaustivo. Mais uma obra de divulgação vulgar para a pilha. Mas confesso que até tremo quando penso no "apêndice filosófico". Só este termo assusta e ilustra a vulgaridade da obra.
faz as contas e cala-te
A ignorância é a maior enfermidade do género humano.
Tu quoque, Marcus?
oh my god , que já sei então quem é a Jezabel do Apocalipse... a mecânica quântica !
" Aos demais que estão em Tiatira, a vocês que não seguem a doutrina dela e não aprenderam, como eles dizem, os profundos segredos de Satanás, digo: Não porei outra carga sobre vocês "
cuidadinho :) :)
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