sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Hans e os talentos pedagógicos do seu dono

Imagem retirada daqui
Eis a história deliciosa de uma fraude científica que, afinal, não o é verdadeiramente. Não fosse um estranho e quase inocente engano, convencimento, estariam, provavelmente, resolvidos alguns problemas pedagógicos relacionados com a aprendizagem. 
Mas a dúvida, a perspicácia e a persistência de um jovem assistente, a quem pouco crédito foi dado, permitiram demonstrar que a verdade, o objectivo que a ciência persegue, não tinha sido ali conseguida. Só que as crenças mais profundas são difíceis de confrontar com a verdade objectiva, pelo que as suas palavras não foram, à altura, tidas em conta.
Paul Watzlawick conta essa história num livro com o sugestivo título: A realidade é real? (Relógio d´Água, páginas 35-37).

“Em 1904, a comunidade científica europeia foi varrida por uma vaga de excitação; um dos mais antigos e acarinhados sonhos da humanidade tinha-se tirnado realidade - tinha-se estabelecido comunicação humana com um animal.

O animal era Hans, um ganharão de oito anos que pertencia a um professor reformado de Berlim, Wilhelm von Osten. A julgar pelos, relatos da época (...) a excitação espalhou-se por entre os cientistas mais sóbrios e respeitados e alcançou o público em geral. Zoólogos, psicólogos, médicos, neuropsicólogos, fisiológos, veterinários, equipas inteiras de peritos e comités académicos formados expressamente para o efeito, fizeram peregrinações ao pátio da pedra prosaico num subúrbio a norte da cidade onde Hans, o Cavalo Inteligente, como se tornou conhecido, tinha o seu estábulo e dava os seus espantosos espectáculos.

Muitos desses visitantes chegavam cheios de cepticismo mas, aparentemente, partiam totalmente convencidos e literalmente rendidos ao que tinham visto. Aquilo que Von Osten tinha conseguido, acreditando obviamente sem limites na sua profissão tinha sido aplicar os seus talentos pedagógicos não aos rapazes mas sim ao seu belo cavalo, e ensina-lhe, não só aritmética, mas também habilidades adicionais como dizer as horas, reconhecer fotografias de pessoas que tinham conhecido e muitas outras coisas incríveís.

Hans (...) comunicava as suas respostas batendo com a pata no chão. As respostas alfabéticas batia-me em alemão, letra a letra; tinha aprendido o alfabeto e a bater uma vez para o "a", duas para o "b" e assim por diante. Foi submetido a testes científicos extremamente cuidadosos para eliminar mesmo a mais remota possibilidade de qualquer espécie de sinalização secreta feita pelo dono. Mas passou em todos com distinção, especialmente porque se portava quase tão bem na ausência de Von Osten como na sua presença.

A 12 de Setembro de 1904, um grupo composto por treze cientistas e peritos, alguns membros da Academia de Ciências da Prússia, e outros professores da Universidade de Berlim publicou um relatório que afastava a possibilidade de truque ou sinalização intencional e que conferia a maior importância científica e respeitabilidade a este cavalo admirável. Menos de três meses depois foi publicado outro relatório. O seu autor foi o professor Carl Stumpf, um dos membros da comissão de Setembro, que tinha continuado a estudar o estranho cavalo. Parece que foi um dos seus assistentes, Oskar Pfungst (que mais tarde escreveu um livro acerca do assunto) que não se conseguiu convencer dessa ideia emocionante de um cavalo génio e que fez a descoberta decisiva. Mas Pfungst era apenas (...) licenciado em Filosofia e Medicina, e segundo a boa tradição académica, o autor oficial do relatório foi Stumpf.

A descoberta de Pfungst foi que, citando o relatório: O cavalo falhava sempre que a solução do problema que lhe era posto não era conhecida por nenhum dos presentes. Por exemplo, quando lhe apresentavam um número escrito ou os objectos que deveria contar, de forma a que ninguém, e principalmnte a pessoa que lhe mostrava, soubesse o que lá estava escrito, ele não acertava na resposta. Por isso o cavalo não era capaz nem de contar, nem de ler, nem de resolver problemas aritméticos. O cavalo também falhava quando lhe punham palas suficientemente grandes para o impedir de ver as pessoas, especialmente o interrogador, para quem a solução era conhecida. Por isso necessitava sempre de qualquer espécie de auxílio visual. Mas, no entanto, essa ajuda - e esta é a característica interessante deste caso - não era dada intencionalmente. O relatório continua e explica: Por isso, no que me diz respeito, a explicação seguinte é a única que se coaduna com estse factos. O cavalo deve ter aprendido, ao longo de um vasto período de resolução de problemas, a estar ainda mais atento, enquanto batia com a pata no chão, às mínimas alterações de postura corporal com a qual o dono, inconscientemente, acompanhava os passos do seu próprio processo de pensamento, para usar como sinais de término. A razão desta motivação e aguçar da atenção era a recompensa que habitualmente o esperava na forma de cenouras e pão. Esta espécie inesperada de actividade independente e a certeza e precisão da percepção de movimentos mínimos assim conseguida são extremamente surpreendentes. Os movimentos que provocavam a reacção do cavalo eram de tal forma mínimos no caso do Sr. Von Osten que é facil compreender que tenham passado despercebidos mesmo ao controle dos observadores mais experientes.

O Sr. Pfungst, no entanto, cuja prévia experiência laboratorial o tinha tornado perito na percepção de estímulos visuais de duração e extensão mínima, conseguiu reconhecer no Sr. Von Osten os diferentes tipos de movimentos que formavam a base dos vários feitos do cavalo. Para além disso conseguiu controlar os seus próprios movimentos intencionais. Agora consegue provocar quase todas as reacções do cavalo, fazendo qualquer tipo de comando. Mas o Sr. Pfungst é igualmente bem sucedido quando não respeita os movimentos que devem ser feitos e, em vez disso, foca a sua atenção, tão intensivamente quanto possível, no número desejado, uma vez que, nesse caso, o movimento ocorre quer ele deseje quer não.

Como poderemos imaginar, Von Osten (cuja honestidade nunca foi posta em causa) ficou profundamente perturbado com esta descoberta. A princípio a sua raiva virou-se contra Hans de uma forma que Pfungst descreve como trágico-cómico, mas pouco tempo depois voltou a acreditar novamente no cavalo e não permitiu mais investigações. De uma forma tipicamente humana optou por uma perspectiva da realidade que confirmava aquilo em que acreditava e não pelos factos inegáveis".

1 comentário:

Anónimo disse...

Tenho grande admiração pelo cavalo

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