No seu comentário ao texto O direito de não ler, Fernando Caldeira levanta o problema do afastamento da leitura de "obras-que-vale-a-pena-ler", para o qual especialistas e leigos não se têm coibido de dar múltiplas respostas... pouco convincentes umas, demasiado didácticas outras, culpabilizantes algumas, simplistas a maior parte, não faltando as disparatadas...
Problema erradamente centrado nas crianças e nos jovens; esquecem-se os adultos ou não se convocam para a conversa. Como se houvesse uma altura da vida em que é obrigatório lerem-se essas obras e, uma vez lidas, fica-se descansado e... desobrigado de ler durante o resta da vida. A leitura cumpre, muito pragmaticamente, um papel e tem um fim à vista.
Não sou entendida no assunto, mas encontro sentido em Daniel Pennac e em George Steiner, entre vários outros que, exactamente por amarem as incontáveis "obras-que-vale-a-pena-ler", que já viram ou hão-de ver a luz do dia, recusam o tal pragmatismo a que se alia um moralismo estreito: aqueles que lêem ou leram - e, sobretudo, que apregoam que lêem ou leram - são duma espécie diferente, superior, da dos que não lêem.
Ora, o que acontece é que essas tais obras só podem ser lidas "de cor, de coração" (Steiner), "por razões que dizem respeito a nós próprios e ao livro" (Pennac). Posto isto, pouco mais há a dizer: como em tantas outras questões que se insinuam na nossa existência também nesta se solicita a liberdade.
Assim sendo, o educador, o que pode ele fazer para que aqueles que educa escolham, em liberdade, a entrada no livro e daí possam aceder a uma forma possivelmente única de "intimidade" (Pennac e Steiner)? Pouco ou muito, dependendo da perspectiva em que nos colocarmos... Pouco, porque não pode exercer a liberdade que cabe ou há-de caber ao educando, ele decidirá no momento ou depois; muito, porque pode proporcionar-lhe o caminho. "No fundo", escreve Pennac, "o dever de educar consiste em ensinar às crianças a ler, iniciando-as na Literatura, em dar-lhes os meios de julgarem correctamente se sentem ou não a «necessidade do livro»".
Fernando Pessoa, chamado ao assunto por um outro leitor do De Rerum Natura, sabia bem de que liberdade se trata.
"Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...
domingo, 18 de agosto de 2013
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2 comentários:
uma boa maneira de por miúdos a ler é dar-lhes os livros de monsieur le professeur Pennac : Benjamin Malaussène e a sua família sui generis são muito muito divertidos.
Quem lê não será superior ou de espécie diferente, mas - se lê com e por gosto - usufrui de um bem de que outros não gozam. Cabe-nos mostrar. A liberdade e a necessidade de cada um fará o resto.
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