Parte final do meu artigo, com Isilda Rodrigues que acaba de ser publicado na revista Manguinhos. O resto e as referências podem ser lidos aqui. English version in pdf here:
http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v20n2/en_0104-5970-hcsm-20-02-00435.pdf
"Em resumo, com as sucessivas reformas da universidade, para as quais foi essencial a
excelência dos professores trazidos principalmente de Espanha, e com a criação do
Hospital de Todos os Santos criaram-se condições favoráveis ao desenvolvimento da
instrução médica em Portugal. Em contrapartida, a expulsão dos judeus, em 1496, e o
estabelecimento da Inquisição, em 1536, foram os dois fatores que mais contribuíram para
o seu declínio, em finais do século XV (Brandão, 1969, p.931-961). Esse declínio
acentuou-se em 1555, quando dom João III, por suspeita de heresia e pressionado pela
rainha e pelos infantes, retirou a direção do Colégio das Artes aos mestres que, vindos
de Bordéus, tinham instalado durante alguns anos um ensino marcado pelo humanismo. O
passo seguinte seria a entrega do colégio aos jesuítas (Brandão, 1933), que, além de
ocuparem o Colégio das Artes, tinham criado o Colégio de Jesus em 1542. Tendo em conta o
vigor da Companhia de Jesus, ordem criada por santo Inácio de Loiola, em Paris, em 1534
e que conheceu logo de início uma forte expansão na Europa e no mundo; o trabalho
intenso de investigação, por exemplo, em matéria médica sul-americana que inúmeros
membros da companhia desenvolveram, nessa época; e ainda a expansão da sua atividade
missionária até paragens tão remotas como a China, onde nenhuma ordem religiosa tivera
até então autorização para entrar - ainda mais sabendo-se que essa autorização dos
chineses teve em parte a ver com a fama dos jesuítas como mestres de alquimia; e
sabendo-se, ademais, que foram grandes naturalistas da Companhia de Jesus, como
Athanasius Kircher, que vieram a desenvolver, já no século XVII, técnicas tão inovadoras
como a microscopia e a câmara escura, não podemos deixar de questionar, de passagem que
seja, o papel que lhes é atribuído na estagnação do ensino da medicina em Portugal
(Spence, 1984; Findlen, 1990). Com efeito, é difícil justificar que um grupo intelectual
tão jovem, ativo e culto constituísse um entrave ao ensino. Os jesuítas dominaram
realmente o ensino em Portugal a partir de finais do século XVI, promovendo, nos seus
métodos e ensinamentos, a filosofia aristotélica. Esse movimento ficou consagrado com a
publicação, na passagem do século XVI ao XVII, em Coimbra, de "Os conimbricenses"
(Conimbricenses, 1592), um conjunto de comentários a Aristóteles. Nessa tarefa, os
jesuítas beneficiaram-se da proteção e do financiamento do rei. Com colégios bem
apetrechados e com bons professores, proporcionaram, nos primeiros anos da sua
hegemonia, um desenvolvimento significativo dos estudos universitários, devendo esse
progresso ser creditado a seu favor. No entanto, o seu ensino era orientado praticamente
só para as artes. Essa orientação terá tido o efeito perverso de, em um tempo de grandes
mudanças e inovações, tornar as universidades portuguesas impermeáveis às novas teses
físico-matemáticas que estavam na Europa a revolucionar o mundo da ciência (Fonseca,
1997; Barreto, 1983; 1986).
Se a crescente predominância dos jesuítas e do aristotelismo neoescolástico que eles
pro-fessavam contribuiu para o adormecimento da universidade portuguesa, os
acontecimentos políticos subsequentes concorreram decerto para piorar o cenário. O abalo
da monarquia portuguesa, com o desastre de Alcácer-Quibir, no norte de África, e o
começo da dominação castelhana, acentuaram o abatimento em que as ciências se
encontravam, em Portugal, nos fins do século XVI. Como província de Espanha, Portugal
deixou de merecer qualquer investimento especial de Madri. Dessa forma, a qualidade
acadêmica do país foi-se distanciando, cada vez mais, da que caracterizava os melhores
centros europeus. Em 1592, Francisco Tomás, médico do Hospital de Todos os Santos e
cirurgião-mor, em carta para um bispo em Madri, afirmava que "a ciência da medicina está
de todo perdida em Portugal, e quase irrecuperável: porque nem na universidade há lentes
nem pode haver bons discípulos" (Compêndio..., 1772, p.311). Na Europa, a medicina
seguia o seu caminho de progresso, enquanto em Portugal melhores dias só chegariam com a
reforma da Universidade de Coimbra em 1772, pelo marquês de Pombal, que daria lugar a
mudanças na Faculdade de Medicina, com a construção de um teatro anatômico no Colégio de
Jesus, de um hospital também aí situado e para onde passaram os serviços do Hospital da
Conceição, e um dispensário farmacêutico, além da modernização dos estudos preparatórios
em matemática e filosofia natural, com a instalação de duas novas faculdades."
3 comentários:
Publiquei:
http://www.historiamaximus.blogspot.pt/2013/08/o-ensino-da-medicina-na-universidade-de.html
Só é pena o artigo ter sido escrito de acordo com o acordo ortográfico (AO90).
Espero que não levem a mal o facto de eu o ter adaptado à ortografia correcta.
Enviar um comentário