segunda-feira, 29 de julho de 2013

Ernst Jünger

Ernst Junger nasceu em 1895, em Heildeberg; depois de passar pela primeira guerra mundial e pela segunda guerra mundial (agora em campo oposto), dedicou-se à escrita. Escreveu entre muitos livros, os romances Eumeswil e Heliopolis, e a novela Um Encontro Perigoso, acabando por falecer já senil em1998.

O Coração Aventuroso é um dos seus livros de viagens, crónicas e contos. Ele termina com este episódio passado na ilha dos Açores, durante os anos de fascismo, que retrata fidedignamente a personalidade do Português (e dos homens em geral) - a sua tendência para revezar a euforia com a melancolia, tendência que as agruras da vida e as crises acentuam. O escritor evidencia, neste texto, o seu conhecimento no domínio da botânica.

«O vendedor de Peixe:

Os Açores - uma cadeia de vulcões que se eleva no bordo extremo da Europa. Desde manhã cedo que ando – pelos jardins, nos quais o olhar descobre flores de um mundo novo, pelos campos que são circundados por muros de lava escura, e pela floresta alta de loureiros. Só quando o sol se encontrava a pique, é que regressei ao porto.

As ruas encontravam-se silenciosas à luz do meio-dia; só ao longe ouvi um chamamento repetido, e senti vontade e o seguir. Em breve vi um homem andrajoso, que trazia uma carga de peixes já completamente inertes pelos altos e baixos das ruelas estreitas e adormecidas, que mal tinham uma sombra apesar de um dragoeiro e de uma araucária. Aproximei-me por detrás, sem que ele me visse e senti prazer em escutar o seu apelo magnífico e musical. Ele gritava uma palavra portuguesa que me era desconhecida, talvez se tratasse do nome dos peixes que transportava. Mas pareceu-me que ele acrescentava a esta palavra qualquer coisa em voz baixa; e assim aproximei-me tanto dele, que era como a sua sombra.

Na realidade, depois e ele ter acabado de lançar o seu apelo sonoro, ouvi-o murmurar ainda num sussurro qualquer coisa que era talvez uma ejaculatória ou praga de cansaço. Pois ninguém saía das casas, nem nenhuma janela se abria.

Andámos assim pelas ruelas escaldantes durante bastante tempo, para oferecer peixes que ninguém queria. E durante muito tempo, escutei as suas duas vozes, aquela que ressoava ao longe, exuberante e apregoadora, e a outra, o monólogo baixo e desesperado. Segui-o deste modo com uma curiosidade ávida, pois sentia bem que aqui já não se tratava de peixes, mas sim que ouvia sobre esta ilha perdida o canto do homem – a sua canção simultaneamente em voz alta vangloriando-se e em voz baixa suplicando.»

E na crónica O Eco Das Imagens encontramos, em sintonia, a poesia, a acústica, não ignorando que este eco das imagens é um “eco lírico” na medida em regressa atrás, ao familiar.

 «O Eco Das Imagens:

….Pareceu-me que existe um eco não apenas para o ouvido, mas também para os olhos – também as imagens que nós contemplamos evocam poesia. E como existem para cada eco relações especialmente favoráveis, também é aqui que a beleza ressoa mais fortemente.»

No livro também há lugar para a relação entre as cores e a sensação e imagem que temos delas:

«A Cor Vermelha:

….Entre as outras cores, o amarelo é aquela que aumenta a inquietação causada pelo vermelho; a tonalidade vermelha e amarela despertam uma sensação desagradável e fulgurante. Mas o efeito do vermelho juntamente com o preto ainda resulta mais terrível, enquanto é suavizado através da cor verde na maioria dos casos. Um fundo verde é mesmo capaz de lhe conferir algo de alegre, como um relvado verde em relação ao tecido vermelho das vestes de caça, embora esteja aqui presente a alusão ao sangue. O dia cinzento tem igualmente o efeito atenuante, mas a cor do sangue acentua-se através do contraste com o branco, tal como na relação entre o rouge e o pó de arroz. Se lhe juntar ainda o branco, o aspecto é gracioso; o preto por seu lado dá-lhe um tom de orgulho e melancolia. Os tons puros de escarlate evocam o vazio sanguíneo; como o espectáculo dos fogos-de-artifício e das quedas d`água, torna o espírito cativo do movimento. Notável é o esforço para cultivar flores pretas, das quais através da selecção, deverá ser retirado o último indício de vermelho. É a pedra filosofal da jardinagem, e de facto, a arte o saber deve ter aversão ao vermelho….»
E, para terminar no começo do livro, a sobreposição de ondas mecânicas e não periódicas em acústica, originando o ruído (que me trouxe à memória o menino do O Tambor de Günter Grass ):

«O Terror:

Existe um tipo de placas de lata fina e grande de superfície, por meio das quais nos teatros pequenos se tenta simular o trovão. Imagino muitas de tais placas, ainda mais finas e ressonantes colocadas umas sobre as outras com intervalos regulares, iguais às folhas de um livro, que embora não se encontrem comprimidas, são mantidas à distância umas das outras através de um dispositivo bloqueador.

Elevo-te para te colocar sobre a folha superior desta pilha poderosa, e assim que o peso do teu corpo lhe toca, rasga-se com ruído em duas; cais e continuas a cair sobre a segunda folha, que rebenta igualmente com um grande estampido. A queda atinge também a terceira, quarta e quinta folha e por aí adiante, e a aceleração da velocidade faz com que a cadência das percussões se suceda cada vez mais rapidamente, igualando em ritmo e violência o rufar de um tambor…»

Em resumo, eis um bom autor, para quem tem afecto pela ciência, pela prosa e pela poesia.

1 comentário:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Longevidade e profundidade agradável.

A respeito do crédito um bom autor tem seu mérito senhor Angelo Miguel.

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