quinta-feira, 16 de maio de 2013

"Do meu lavrar na areia..."

(Em continuação: aqui)

S. Bababoião, Anacoreta e Mártir, romance de Aquilino Ribeiro, dado à estampa em 1937, foi dedicado ao amigo advogado, que declara muito estimar, José Gomes Mota. É a ele que se dirige para explicar que, nesta obra, decorrente de "imaginária pura", quis dar, muito modestamente, sem intelectualismos filosóficos, metafísicos ou outros, voz a uma preocupação que, por ser tão simples deve ser tratada de modo simples. "A minha preocupação foi dar o conflito do espiritual e do humano de modo concreto, qual deles por baixo, qual deles por cima". E assim, no seu "lavrar na areia", o fez...

"Leva que leva por atalhos e caminhos esgarrados, daqueles em que os santos soltavam palavrões e as cabras rompiam o casco, veio-lhes vontade de comer. Beltrasanas, instruído nas produções da pródiga natureza, pôs-se à busca de pútegas, que se estava na sazão. esta planta é a parasita dos sargaços , consistindo a sua frutescência em gomos leitosos, ordenados em pinha, dum vermelho, de ananás maduro, emergindo da terra o que basta para se dar a perceber a sua coroa radiosa. Os pastores espremem-nos entre as polpas dos dedos e com regalo lhe chupam a massa tenra, levemente acidulada. Com o fruto desta planta e de panaqueijas que, em despeito da haste fina, delicada como alfinetes, deitam tubérculos brancos, maiores que ovos de tanjasno, restauraram as forças e puseram-se novamente a caminho, mais além."

6 comentários:

José Batista disse...

A melhor, a mais curta e a mais realista definição de pútega que já li. Quer da planta, que também parasita o sistema radicular da esteva, quer do modo comum (e popular, que não há outro, suponho) de a utilizar na alimentação. Quem já a viu, a colheu e lhe sugou a "massa leitosa" sabe que é (exactamente) assim.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Neste apreciado tema, recordo com carinho que ao passar em frente a uma escolinha primária, destas de pequenina classe, diga-se sem muros, fruto de patrono, apenas no atender a necessidade da pequena localidade, e assim na história de meu país.
Pois bem, neste dia em minha infância, estava na companhia da mulata, quando em frente a escolinha surgira a professora. Parou-me. Era hora do recreio e, com outras tantas crianças feito enxame, ao encontro, aproximaram. A professora admirada ao reconhecer-me, do Jardim, convidou a ter na conversa. Então, quisera compreender àquele modo de vida, da soltura e, por ser menor do que as outros em volta, onde estaria minha mãe, que nem soubera da travessura com a mulata. Aliás, o que a professora observara naqueles modos, também a entusiasmou. Atenciosa perguntara, se sabia escrever, pois buscara explicação para o que vira. Então, abaixei e, com o dedo na areia a palavra papai!

Esta prosa que recordo a infância, passa-me em doce episódio. Eis, de quando leio bons exemplos, bons textos, (significativo) desperta o sabor de saudade. Ora, ao simples governa o que posso ter de comum; o gosto, o livro e ao autor Aquilino Ribeiro, especial acolhida a memória.

Banda in barbar disse...
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perhaps disse...

Desconhecia o S. Banaboião anacoreta e mártir de Aquilino. Do que li dele pareceu-me dominar os regionalismos e a vida do povo na perfeição. Certa vez folheei um livro seu sobre pássaros - não recordo o nome - e fiquei com impressão idêntica, conhecia-os bem. Entendo que lhe chamassem Mestre Aquilino. Há-de ter sido um homem inquieto e muito sabedor.E pelejou sempre pelos seus ideais. Que tenha havido, é sorte nossa.

Banda in barbar disse...
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Celestino Pinheiro disse...

Quanto às pútegas, Aquilino fez-me recordar tempos de infância. Quando descobríamos um ninho delas, não dizíamos a ninguém, que era para elas crescerem e ficarem com os gomos (borrechos) bem cheios. Creio que na minha zona (Mação), devido aos incêndios, essa planta tenha desaparecido.

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