quarta-feira, 1 de maio de 2013

AS APREDIZAGENS ESCOLARES E O CONTROVERSO PAPEL DA MEMÓRIA


O oportuno  post da Professora Helena Damião, “Saber do Coração” (30/04/2013), em transcrição de uma carta à directora do Público, da autoria da professora de piano Céu Mota, e a medida do Ministério da Educação em substituir as máquinas de calcular pela aprendizagem da tabuada, julgo justificar a transcrição de dois posts por mim publicados neste blogue: “O papel da memória nas aprendizagens escolares” (08/02/2010) e “A memória e as aprendizagens” (07/03/2008).  Sei, todavia, ser uma temática que desperta controvérsia, mas sei, por outro lado, em transcrição de Ortega Y Gasset que “cultura é frente ao dogma discussão permanente”. 
  
O papel da memória nas aprendizagens escolares.
«Sem memória esvai-se o presente que simultaneamente já é passado morto» (José Cardoso Pires, 1925-1998).

Mais adiante se saberá porque transcrevo este brevíssimo excerto de uma entrevista concedida por Vitorino Magalhães Godinho, antigo Ministro da Educação e da Cultura durante escassos meses do ano de 1974.

Segundo ele, “dispensou-se a memorização da tabuada ou das regras da gramática, como das datas mais importantes da história de Portugal. E de modo geral receia-se que recorrer à memória afecte os frágeis cérebros infantis ou juvenis” ("Problemas da Institucionalização das Ciências Sociais e Humanas em Portugal", Revista da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, Lisboa, 1989).

E por se tratar da complexa “maquinaria da memória”, refiro o acontecido com José Cardoso Pires,“escritor que veio do branco, da angústia, de um isolamento sem nome, sem assinatura e sem memória”(João Lobo Antunes, “Memórias de Nova Iorque e Outros Ensaios", Gradiva, Janeiro 2003, p. 212), na altura de um Acidente Vascular Cerebral (AVC) de que foi vítima.
Relata-o António Guerreiro, da forma seguinte: “Todos os acontecimentos têm uma data e um local precisos. Este deu-se em ‘Janeiro de 1995, quinta-feira’ , quando o José Cardoso Pires, ele mesmo, à mesa do pequeno-almoço, se começa a sentir mal e faz uma pergunta estranha à mulher –‘Como é que tu te chamas?’, que lhe responde devolvendo-lhe a pergunta: 'Eu Edite. E tu?’. Resposta: ‘Parece que é Cardoso Pires’" (Expresso, 24/05/1997).

A recuperação de José Cardoso Pires, na opinião do neurocirurgião João Lobo Antunes, ficou-se a dever ao facto de “a área que temporariamente ‘deixou à sede e à fome, e pela qual falava, lia e escrevia, tudo funções em que é exímio’, era mais musculada que a do comum dos mortais”. Um ano antes da sua morte, escreveu o livro autobiográfico “De Profundis, Valsa Lenta”, em que relata a sua “memória de uma desmemória” sobre o sofrimento atroz que a perda de memória lhe trouxe”.

A memória e as aprendizagens

O cérebro e a memória são matérias para mim particularmente gratas. Existe uma má memória dos alunos (na gíria académica, os chamados marrões) que, sem perceberem patavina da matéria estudada, papagueavam nos exames orais, ou escarrapachavam ipsis verbis no papel das provas, os livros e sebentas. Quiçá por esse facto generalizou-se o princípio de que a memória pode andar arredada da inteligência, um conceito abstracto que abarca uma panóplia imensa de formas de aptidão para as ciências, para as humanidades, para as belas-letras e artes, para a prática desportiva, etc. E isto sem falar na inteligência emocional, estudada por António Damásio, neurocientista português de prestígio internacional e autor do bestseller de 1994: “O erro de Descartes”.

Quinze anos antes, David Krech, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, escreveu em “Cérebro e Comportamento” (Salvat do Brasil, Rio de Janeiro, 1979, p. 84): 
“Acreditava-se que havia uma distinção radical entre o comportamento racional e o comportamento emocional. No entanto, os modernos estudos sobre o cérebro demonstram que esta dicotomia carece completamente de significado. Quando falamos de cérebro temos de especificar se se trata de todo o cérebro ou apenas do córtex cerebral, pois há toda outra parte do cérebro, a parte mais antiga (sob o ponto de vista de desenvolvimento das espécies) que é a parte mais intimamente ligada com as emoções".

À pergunta “em que situação se encontram actualmente as pesquisas no campo da neurofisiologia?”, respondeu de forma sugestiva: “A neurofisiologia encontra-se num sótão escuro procurando um gato escuro, sem ter a certeza que ele ali está. Seu único indício são leves ruídos que parecem miados” (ibid., pp. 87 e 88).

Apesar das surpreendentes descobertas sobre o cérebro que a tomografia por emissão de positrões (TEP) tem proporcionado, receio que as indagações do filósofo, matemático e físico Blaise Pascal tardem em encontrar uma resposta científica: “Que quimera é o homem? Que novidade, que monstro, que caos, que prodígio? Juiz de todas as coisas, verme imbecil, cloaca de incerteza e de erro, glória enojo do Universo. Quem deslindará esta embrulhada?”

Todas as formas de inteligência, ou aptidões atrás elencadas, fazem parte do nosso código genético, em localizações corticais com funções específicas e respectivas associações na dependência da acção das substâncias químicas (os neurotransmissores), enfim de todo o corpo, numa condição sintetizada pelo psiquiatra alemão Ernest Krestchemer: “O homem pensa com o corpo todo”.

Devido à sua plasticidade, o cérebro, interagindo com o meio ambiente e se exercitado através de uma “ginástica” apropriada, pode melhorar, até um determinado limiar, o seu desempenho. Em condições patológicas, como, por exemplo, nos acidentes vasculares cerebrais (AVC), fica-se a dever à acção vicariante das zonas corticais não atingidas, e à força de vontade do paciente, o maior ou menor êxito da reabilitação funcional.

Para melhor se compreender a complexidade anatómica e funcional do cérebro, nada melhor do que ouvir o neurocientista Richard Thompson, da Universidade de Carolina do Sul: “O cérebro humano consta aproximadamente de 12 biliões de neurónios e o número de interconexões entre eles é superior ao das partículas atómicas que constituem o universo inteiro”. São números impressionantes que escapam ao entendimento comum. Para a fisiologia, “o fundamento da memória reside nas mudanças eléctricas que se produzem no cérebro quando se recorda alguma coisa".

Nos fenómenos cerebrais entra em jogo a memória, que é indispensável à aprendizagem. Para compreender o papel da memória na aprendizagem os neurofisiologistas prevêm ser necessária a colaboração de professores, psicólogos, neurologistas e bioquímicos. A memória vai sendo perdida com a idade (daí o interesse em exercitá-la em idades avançadas), assumindo-se como uma verdadeira patologia na doença de Alzheimer.

A memória, no nosso dia-a-dia, é uma verdadeira biblioteca para a inteligência e para as suas funcionalidades: o pensamento e o raciocínio. A inteligência depende de uma associação de ideias, pois como nos diz M. L. Abercrombie, que se dedicou ao estudo dos processos de percepção e raciocínio,“nunca nos encontramos perante um acto de percepção com a mente inteiramente em branco, pois estamos sempre em estado de preparação ou de expectativa, devido a experiências passadas.” Ficamos a dever aos “sulcos” que a memória vai deixando no cérebro (os chamados engramas) a capacidade de nos lembrarmos dos acontecimentos da nossa vida e, obviamente, das aprendizagens que durante ela foram sendo feitas.

Lamentavelmente, o nosso ensino tem subalternizado o papel importantíssimo da memória na aprendizagem do aluno, como ocorria na recitação de poesias, na aquisição e preservação de conhecimentos de história, de geografia, da tabuada, etc. Esta última actividade tem sido substituída por maquinetas de calcular operadas pelos flexores e extensores dos dedos da mão promovendo a respectiva motricidade fina.

Estas pequenas migalhas de um apaixonante e complexo estudo mais não pretendem do que chamar a atenção dos educadores para o importante papel da memória, tão maltratada actualmente no nosso ensino, como se fosse um anátema ou uma praga. Menosprezar o papel da memória é um erro. Ora, os erros no ensino pagam-se bem caro e com altos juros de mora!”

15 comentários:

perhaps disse...

Julgo que a memória estará sempre relacionada com a inteligência excepto no decoranço do que se incompreende e é de compreender. E que a capacidade de muscular essa zona cerebral depende de cada um, sendo que, como no caso de Cardoso Pires - O De Profundis é um livro muito assertivo -,podem ser condição de sobrevivência do espírito.
E talvez a memória comece por ser bem tratada pelas educadoras de infância que usam lengalengas e mnemónicas para a treinar, pequenas poesias, contos, etc; e até pelas séries infantis que as crianças seguem e memorizam. Lembro-me de uma em que entre outras personagens aparecia o Poupas, o senhor Almiro e uma jovem que julgo hoje ser a Alexandra Lencastre, mas não sei se, e onde muitas crianças aprenderam a ler e a contar, para grande surpresa dos seus progenitores.
Desconhecia que a tabuada tivesse deixado de se decorar :) todas as crianças que conheço a sabem....mas é verdade que a onda de "agora já não se decora nada (no sentido de memorizar)" existe. Se bem que me parece uma fuga à realidade não saber situar historicamente um assunto. A cronologia importa substancialmente à compreensão.

Cada cérebro conta a história da pessoa; os seus gostos mais retintos, as inépcias, o que mais e menos treina, as ligações mais fortes e mais fracas, caminhos mais e menos percorridos por neurónios e sinapses, doenças.... Tem que exercitar-se. Na era dos ginásios e do exercício físico, quase se esquece a importância da mente. E, contudo, ela comanda tudo o resto, o que faz parecer incongruente que as pessoas tanto se preocupem com excesso de peso físico e não pensem no sedentarismo mental que as impede de pensar. Quase tudo de nós existe no cérebro para poder existir nos sentidos internos ou externos; mas, estou plenamente convencida que há quem o desconheça e quem "não quer saber", por não ser este inestético imediatamente visível.

E é triste que tanto nos liguemos ao que aparece.

João Boavida disse...

Excelente contributo para a necessidade, e utilidade, de valorizar a memorização, sem os exageros que chegou a ter noutros tempos.

Muito bom também o comentário de Perhaps.

Anónimo disse...

É um dos fenómenos mais estranhos com que me tenho deparado nos últimos dois anos: alunos que nada aprendem.
Assunto pouco sujeito a debate, parece-me que toca, nem que seja apenas ligeiramente, aquilo que, como professores, consideramos ser, em parte, culpa nossa; pouco jeito, técnica deficiente, pouca ou nenhuma motivação.
A procura de respostas não pára, no entanto.
É um dado adquirido que a memorização é imparável, quase uma caraterística dos seres vivos. Mas, na escola, o que queremos que seja memorizado é o "não" natural, é o cultural, que, instintivamente, pode ser recusado, mesmo que essa recusa não seja formulada e seja apenas esboçada pelo ato de não aprender.
Teoricamente, um professor deveria ser capaz de induzir o aluno que não aprende a aprender de outra forma, sem forçar a memorização, pela ação, revestida numa outra forma. Será que é possível fazê-lo?
É difícil saber se essa forma de aprender tem resultados, pois ela, se existir, provará que existiu aprendizagem usando uma linguagem diferente da verbal, digamos que "enviesada", vista como que com a ajuda de um espelho que inverte todo o sistema que, para aquela pessoa aprender, foi construído.
A impossibilidade de "ver" o resultado de um processo educativo conduz-nos, naturalmente, à continuação da procura de respostas.
Foi precisamente António Damásio que me levou a pensar no sentimento de si e da aprendizagem que será facilitada ou dificultada por essa consciência. Sabemos já que, sem interação do sujeito que aprende, ele aprende, como sugerem os últimos casos divulgados de pessoas que estiveram por longos períodos de tempo em estado vegetativo. É um campo de estudo a acompanhar.

Pedro disse...

Como é possível escrever amontoando citações sem nunca dar-lhes conteúdo, ordem, comentário. Apenas farrapos de pensamentos de outros colocados a cuspo. Apenas argumentos de autoridade tomados de empréstimo e sem lhes prestar atenção devida. É insuportável tentar ler este senhor. Não tem uma única ideia, não tem sequer uma única tentativa de pensar. Nada. Pode ser que um dia, na sua voragem, tropece na recente frase do Pacheco Pereira:

"Quanto mais se cita, menos se diz"


Duvido é que a pense ou sequer que a compreenda.

Rui Baptista disse...

Prezado Professor João Boavida: Sinto-me honrado pelo comentário de uma pessoa que estimo bastante e um académico prestigiado que muito admiro.

Plenamente de acordo consigo: assim como há exercitação física que faz mal à saúde também há exercitação da memória que a pode cansar sem qualquer benefício. Aliás, com conta peso e medida, os próprios neurofisiologistas aconselham a exercitação da memória, em idades avançadas, através da leitura diária de breves trechos recitados posteriormente.

Eu tenho a memória como uma biblioteca pessoal a que se recorre sempre que necessário. Tal como ela, recheada de bons livros. Isto porque para haver uma associação de ideias, num exemplo lapalassiano, há que ter informação memorizada. Bem sei que nesta época informática há sempre o recurso ao “Google”, mas, por isso mesmo, eu temo que venha o dia em que se pergunte a um aluno (mesmo universitário) quem foi o 1º.Rei de Portugal, e ele nos responda: “Um momento”. E esse momento poderá residir numa consulta apressada à Net. E aqui temos o caso da tabuada em que o aluno, para "saber" quantos são 9 vezes 7, tenha que recorrer a uma simples máquina de calcular que se vende por pataco e meio em qualquer loja chinesa.

O conhecimento colado com cuspe (para utilizar a gíria acadèmica) numa apressada consulta informática não substitui o conhecimento duradouro pelo estudo aplicado e a consulta a livros de boas bibliotecas. Tenho evocado, por vezes, o conceito de Mao-Tzé-Tung:"Um caminho demasiado plano não desenvolve os músculos das pernas".

Aliás, Steve Ballmer, presidente da Microsoft, não hesita em apresentar, em exemplo pitoresco, certos perigos do uso indiscriminado ou mesmo servidão aos computadores: "Eu testo, mas não uso no dia-a-dia. Mais importante, meus filhos não usam. Eles são bons garotos"!

Um abraço grato e a boa lembrança de ensinamentos que colho em encontros e conversas ocasionais consigo, meu caro e estimado Professor.

Rui Baptista disse...

Pedro: Começo por lhe agradecer a leitura do meu texto (embora tenha escrito: “É insuportável tentar ler este senhor”) e, principalmente, a sua análise que a posso considerar como exaustiva numa perspectiva pessoal sua.

Depois, sinto-me à vontade para continuar a fazer citações, o seu exemplo em citar Pacheco Pereira assim o justifica, ademais no meu caso, por se tratar de António Sérgio, personalidade de grande destaque no panorama cultural português. Escreveu ele:

“Contestar a ideia de um certo homem, ou defendida por um certo homem, não é insultar esse mesmo homem. Sabe-se isto no mundo inteiro e só se desconhece neste país. E porquê? Porque muitos dos que escrevem, berram, ou declamam na nossa terra, andam a fingir de pessoas cultas. Nunca se elevaram verdadeiramente à autêntica vida do pensamento, e ficaram ao nível do fanatismo e dos simples interesses e relações pessoais. As ideias em Portugal são meros instrumentos das paixões sectárias e nem cá se percebe que se defendam ideias que não sejam instrumentos de quaisquer paixões” (António Sérgio, Prefácio a o “Seiscentismo”, p.p. 11-13, Lisboa 1926).

Rui Baptista disse...

Prezada "Perhaps": Subscrevo a análise elogiosa que o Professor João Boaventura faz ao seu comentário ao meu texto. Resta-me, portanto, agradecer o cuidado que pôs na respectiva leitura e as reflexões que ela lhe mereceu. Aliás, como tenho escritos várias vezes, os comentários são uma peça fundamental para a valorização dos "posts". É este o caso do seu. Muito obrigado.

Pedro disse...

A citação que faz de António Sérgio é a melhor prova do que afirmei anteriormente. Pois quem conhece, mesmo que marginalmente, a obra sergiana bem sabe, em primeiro lugar, que este detestava o uso de citações amontoadas e bem mais lhe dava asco os "citadores", e, em segundo lugar, era nele frequente o entrar polémica violentas, onde cuidava sempre de insultar os seus oponentes. No entanto, embora isto seja sabido por qualquer pessoa que saiba o mínimo de António Sérgio, mesmo sabendo-se facilmente que António Sérgio está nas antípodas da sua posição, deu-se ao trabalho de o citar. Conclusão: cita sem conhecer. Deve ser por isso que nem ousa comentar ou estruturar o que cita. Apenas corta, cola, exibe e nada. Nada de nada. Estou como o Sérgio (pode juntar ao seu manual):
"Sinto que é antipático falar como falo: mas não topo outra maneira de exprimir os factos. Ai de mim que me vejo obrigado pela casmurrice alheia a fazer destas coisas que me custam tanto!".

Rui Baptista disse...


Por esse facto, estas qualidades de sobriedade nem sempre se verificam. Ainda segundo Nogueira Pinto, ‘na ‘Questão Sebástica’, por exemplo, alguns adjectivos apostos ao neto do Piedoso melhor fora que os deixasse no tinteiro…”
Deste modo, quando acicatado indignava-se contra “a maldade desrazoável e a teimosia na estupidez!” Eu, pelo contrário, renovo a minha satisfação pelo acrisolado interesse e não menor atenção que demonstrou pela leitura do meu post e dos meus comentários. Na tentativa de compreender a motivação das suas análises, no mínimo repetitivas, que o seu anonimato não consente, cá estou eu a citar novamente António Sérgio, embora correndo o risco de o estar a plagiar pela referência que lhe foi feita por si anteriormente: "Sinto que é antipático falar como falo: mas não topo outra maneira de exprimir os factos. Ai de mim que me vejo obrigado pela casmurrice alheia a fazer destas coisas que me custam tanto!" Mas nada está perdido! Sempre me resta o benefício da exercitação da memória... para memória futura…

Pedro disse...

Anónimo Rui (Rui será tão anónimo como Pedro, decerto que o meu amigo concordará): teria todo interesse em ler os seus "posts", comentários, crónicas e o que demais houvesse, pelo próprio apelo da curiosidade. Contudo, nunca tive a fortuna de ler nada escrito por si.

Até esse dia me despeço.

Rui Baptista disse...

Apenas por consideração para com os leitores (entre os quais o incluo, obviamente), penitencio-me do facto, "mea culpa", do meu comentário anterior ter saído truncado. Obrigo-me, portanto, transcrevê-lo na íntegra:

“Pedro: Atenho-me a um dos estudiosos das polémicas sergianas, Jaime Nogueira Pinto. Escreveu ele: “O modo é sóbrio, próprio do ensaísta, temperado de ironia e de certo academismo, sem a inflação de pilhérias e lugares-comuns em que são useiros muitos dos que se dizem seus émulos…”

Mas como diz o povo, “quem não se sente não é filho de boa gente”, o próprio António Sérgio reconhece: “Não sei escrever senão provocado, mas custa-me a não escrever quando me incitam”.

Por esse facto, estas qualidades de sobriedade nem sempre se verificam. Ainda segundo Nogueira Pinto, ‘na ‘Questão Sebástica’, por exemplo, alguns adjectivos apostos ao neto do Piedoso melhor fora que os deixasse no tinteiro…”

Deste modo, quando acicatado indignava-se contra “a maldade desrazoável e a teimosia na estupidez!” Eu, pelo contrário, renovo a minha satisfação pelo acrisolado interesse e não menor atenção que demonstrou pela leitura do meu post e dos meus comentários. Na tentativa de compreender a motivação das suas análises, no mínimo repetitivas, que o seu anonimato não consente, cá estou eu a citar novamente António Sérgio, embora correndo o risco de o estar a plagiar pela referência que lhe foi feita por si anteriormente: "Sinto que é antipático falar como falo: mas não topo outra maneira de exprimir os factos. Ai de mim que me vejo obrigado pela casmurrice alheia a fazer destas coisas que me custam tanto!" Mas nada está perdido1 Sempre me fica o benefício da exercitação da memória para memória futura…"

Rui Baptista disse...

Prezada Helena Tomé: Obrigado pelo seu valioso contributo.

As questões sobre o actual sistema educativo, julgo, poderem ser, em parte, encaradas sob o ponto de vista da aquisição de uma ferramenta em que, décadas atrás, o “canudo” era visto como uma forma de singrar na vida profissional e em que o seu usufrutuário ganhava bem e tinha o emprego garantido. Não poucas vezes, se ouvia os pais a incitarem os filhos a tirarem um curso superior numa perspectiva materialista, embora “nem só do pão viva o homem”, como sói dizer-se: “Estuda meu filho para singrares na vida!”

Hoje licenciados há que procuram emprego com a apresentação de habilitações inferiores para serem caixas de supermercados, por exemplo. A “doutorice” que levou neste país indivíduos com elevados cargos de governação a tudo fazerem para terem uma licenciatura é um questão atávica que levará vários anos a desaparecer. O próprio sistema educativo actual se encarregou de criar diplomas de 12.º (obrigatórios) que não preparam para a vida de trabalho cerceando a possibilidade de um curso técnico sério ministrado pelas escolas técnicas de antigamente.

Obrigar um aluno cuja vocação seja ser um competente mecânico de automóveis, transformando-o num mau engenheiro mecânico, com reprovações no seu percurso académico, é, quanto a mim, uma verdadeira servidão como negativo é impedir por carência económica que um brilhante aluno do ensino secundário fique pelo caminho no percurso pela obtenção dos mais elevados graus académicos.

Perdoe-me a forma aligeirada como encarei estes problemas, convidando os leitores a debruçarem-se sobre o seu comentário, as inquietações pedagógicas que encerra e a referência a António Damásio. Aliás, o próprio Freud ao ser indagado por uma mãe preocupada com a melhor forma de educar o filho, respondeu-lhe (cito de memória): “Minha senhora faça o que fizer, fará sempre mal”. Por último, sobre a teorização de questões de natureza pedagógica um autor houve que teve a humildade de reconhecer : “Dantes tinha seis teorias sobre Educação, hoje tenho seis filhos e nenhuma teoria!”

Rui Baptista disse...

Perhaps: Porque, como nos ensina a voz do povo, “é de pequenino que se torce o pepino”, referencio, com justiça e gosto, a sua chamada de atenção para o importante papel das educadoras de infância. Nesta educação, a criança é encarada numa perspectiva holística a que é difícil aceder, mesmo hoje, pela influência cartesiana do “res cogitans” e do “res extensa” que leva a falar do cérebro isoladamente como se não fosse um órgão do corpo (ainda que hoje parcialmente insondável no seu complexo “funcionamento”) como o coração ou os pulmões, por exemplo. Aliás, a esta visão de um corpo subalternizado é combatida pelo filósofo da nossa contemporaneidade, Jean-François Lyotard, quando critica: “Toda a energia pertence ao pensamento que diz o que diz, que quer o que quer; a matéria é o fracasso do pensamento, a sua massa inerte, a estupidez”.

É portanto, nesta fase da vida que as aprendizagens escolares são feita sob a forma lúdica com os seus jogos infantis e, outrossim, com exercícios sob a forma de desenhos e manipulação de plasticina tão necessários à aquisição futura de mais elaborados sistemas de motricidade fina. È nesta fase da vida que através de exercícios psicomotores que a criança passa do pensamento concreto ao pensamento abstracto distinguindo, por exemplo, a diferença entre saltar para cima de um banco e saltar por cima de um banco. É nesta fase da vida em que os exercícios de lateralidade, de percepção espácio-temporal adquirem uma valiosa importância, etc.

Portanto, comungo em absoluto da sua opinião sobre a importância de um ensino pré-escolar como pórtico da entrada na escola”dita séria” por o sorriso da criança deixar de ter a espontaneidade da criança que salta, que corre, que ri…que é ela própria! Bem sei que a Escola Primária de outrora que se dizia ser “risonha e franca” com a sua “menina dos 5 olhos”, as orelhas de burro e outros “mimos” do género nada tem a ver com a escola do 1.ª ciclo do ensino básico dos nossos dias…

Anónimo disse...

"O cérebro humano consta aproximadamente de 12 biliões de neurónios e o número de interconexões entre eles é superior ao das partículas atómicas que constituem o universo inteiro”."

Isto é disparatado. Cada interconexão entre neurónios é constituído por partículas atómicas. Assim, mesmo que a cada interconexão neuronal correspondesse a uma partícula atómica apenas, mesmo nesse caso absurdo haveria tantas partículas atómicas no universo inteiro quanto ao conjunto de todas interconexões neuronais. E comparando com total das partículas atómicas poucas serão as que compõem os seres vivos e respectivas redes nervosas...

Rui Baptista disse...

Anónimo: Pelo interesse que tive na leitura deste seu, para mim, controverso comentário, acabo de publicar um post/resposta.

Cumprimentos cordiais

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