quarta-feira, 1 de maio de 2013

A MATEMÁTICA DO PLANETA TERRA

Meu primeiro artigo da nova secção "Longemira" (nome do telescópio em português arcaico) que assino no JL, Jornal de Letras:


Este ano celebra-se, por proposta da UNESCO, o Ano da Matemática do Planeta Terra, uma significa que pretende divulgar o papel da matemática em questões relativas ao nosso planeta. Se 2000 tinha sido o Ano Internacional da Matemática, este é o Ano Internacional das aplicações da  matemática aplicada. Em Portugal decorrem várias actividades (ver http://www.mat.uc.pt/mpt2013/)

Venho dar conta da publicação, no final do ano passado, de dois livros sobre matemática que podem ser lidos neste ano das aplicações da matemática. O primeiro intitula-se Isto não, é (só) Matemática. São seus autores o astrónomo Alexandre Aibéo, que ensina no Instituto Politécnico de Viseu e que venceu a primeira edição do Famelab Portugal, e Pedro Aibéo (primo do primeiro), que além de ser formado em Engenharia Civil e Arquitectura, está a  doutorar-se em arte e arquitectura na Universidade de Helsínquia, para além de ser um músico com carreira internacional (especialista em gaita de foles). O primeiro escreveu o texto e o segundo desenhou os bonecos, de página inteira entre páginas de texto, que fazem o livro parecer uma banda desenhada. O primeiro não se coibiu de usar expressões matemáticas, que  passam despercebidas porque o nosso olhar foge logo para os desenhos, enquanto o segundo traça uma narrativa que, inspirada no texto, corre ao arrepio deste, no sentido em que gosta de provocar o primo. A matemática do planeta Terra não passa sem referência nesta edição graficamente cuidada, designadamente quando relata como o grego Eratóstenes, sem tirar os pés da Terra, conseguiu medir o raio da Terra (usando a geometria – isto é, medida da Terra -  de outro grego, Euclides)  e quando descreve posições no nosso planeta através da latitude e da longitude, a primeira conhecida desde tempos antigos, graças à medida da altura da estrela polar, de noite, ou da altura máxima do Sol, de dia, e a segunda só possível com  construção de relógios resistentes à agitação maritima (o primeiro foi testado numa viagem de Southampton a Lisboa no século XVIII). O humor está presente tanto no texto como nos desenhos, tornando a matemática agradável, ou, se se quiser, sexy, o que levou o humorista Nuno Markl a escrever, no prefácio que “os Aibéos são o elo perdido entre os meus professores de matemática e a Samantha Fox”. Se o leitor sabe quem é a Samantha Fox este livro é mesmo para si. Se não sabe também, também. Não, não é a figura da capa.

O segundo livro, intitulado Números, Cirurgias e Nós de Gravata, saído na IST Press, a editora do Instituto Superior Técnico, com um design também muito cuidado e uma capa onde também aparece um corpo humano (desta vez não despido, mas vestido e engravatado) é uma colectânea de textos, que tentam explicar os mais variados assuntos da matemática. Tem mais equações que o primeiro, reflectindo o seu nível mais elevado. Tem a particularidade curiosa, e decerto invulgar, de ter sido escrito por alunos. Os autores foram estudantes do curso de Matemática ou de cursos de Engenharia, com queda para a matemática, que organizaram durante dez anos, a começar no Ano Internacional da Matemática,  um seminário – chamado Diagonal - para alunos interessados por ela no Técnico. Jorge Buescu, autor de alguns dos mais notáveis livros de popularização da Matemática entre nós louva o prefácio o programa da Fundação Gulbenkian Novos Talentos em Matemática de onde o seminário Diagonal surgiu.  Os textos  estão agrupados nos três grupos indicados  no título: o primeiro trata de álgebra e cálculo, o segundo de geometria e o terceiro de outros temas sortidos, como o problema dos nós de gravata  (se o leitor não recear as complexidades do tradicional adorno masculino pode começar por aqui). A matemática  do planeta Terra está presente, designadamente no grupo final, onde é descrito o movimento de satélites em volta da Terra graças às leis de Kepler (A volta ao mundo em 90 minutos é o título de um capítulo inspirado em Júlio Verne) e o problema dos três corpos, que não trata  ménage  à trois mas tão só da descrição matemática dos movimentos do Sol, da Terra e da Lua, ou qualquer outro trio de corpos celestes, que, apesar de estar sob a alçada da mecânica de Nerwion, tem desafiado as mentes mais brilhantes desde o século XVIII, tendo a ver com a moderna teoria do caos. Descobriu-se que há mais coisas no céu e na Terra do que sonha a filosofia de Horácio..

Neste ano da matemática no planeta Terra, o leitor pode descobrir, com estes dois livros, mais coisas sob a luz da matemática, a matemática que está por todo o lado à sua volta.

- Alexandre Aibéo e Pedro Aibéo, “Isto não, é (só) matemática”, Vila do Conde: Quidnovi, 2012.
- João Pedro Boavida e outros (editores), “Números, cirurgias e nós de gravata”, Lisboa: IST Press 2012.

4 comentários:

José Batista disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Fiolhais disse...

Caro José Baptista
Muito obrigado, já emendei.
Um abraço
Carlos Fiolhais

Anónimo disse...

..."Eratóstenes, sem tirar os pés da Terra, conseguiu medir o raio da Terra"

Julgo se uma pequena distração.
Não o raio da Terra mas sim o seu perímetro.

Cordiais saudações

Rui Gonçalves

Céu M. disse...

Um tema por demais interessante.
A matemática e a música então... irmãs, como dizia Sto Agostinho, já que filhas dos números!!
Daí poder-se relacionar a Arquitectura e a Música... Goethe: «A Arquitectura é Música congelada». E por aí adiante!
Partilho com os autores do blog e em especial com o autor deste post, o título da minha tese de mestrado: Arquitectura, Música e Acústica no portugal Contemporâneo editado pela FaupPublicações e que pode interessar a alguém. Um dos capítulos é, justamente, a analogia entre as proporções musicais e as proporções arquitectónicas/numéricas.
Abraço, Céu Mota

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