Este ano celebra-se, por proposta da
UNESCO, o Ano da Matemática do Planeta
Terra, uma significa que pretende divulgar o papel da matemática em questões
relativas ao nosso planeta. Se 2000 tinha sido o Ano Internacional da Matemática,
este é o Ano Internacional das aplicações da
matemática aplicada. Em Portugal decorrem várias actividades (ver http://www.mat.uc.pt/mpt2013/)
Venho dar conta da publicação, no final do
ano passado, de dois livros sobre matemática que podem ser lidos neste ano das
aplicações da matemática. O primeiro intitula-se Isto não, é (só) Matemática. São seus autores o astrónomo Alexandre
Aibéo, que ensina no Instituto Politécnico de Viseu e que venceu a primeira
edição do Famelab Portugal, e Pedro
Aibéo (primo do primeiro), que além de ser formado em Engenharia Civil e Arquitectura,
está a doutorar-se em arte e
arquitectura na Universidade de Helsínquia, para além de ser um músico com
carreira internacional (especialista em gaita de foles). O primeiro escreveu o
texto e o segundo desenhou os bonecos, de página inteira entre páginas de
texto, que fazem o livro parecer uma banda desenhada. O primeiro não se coibiu
de usar expressões matemáticas, que
passam despercebidas porque o nosso olhar foge logo para os desenhos,
enquanto o segundo traça uma narrativa que, inspirada no texto, corre ao
arrepio deste, no sentido em que gosta de provocar o primo. A matemática do
planeta Terra não passa sem referência nesta edição graficamente cuidada,
designadamente quando relata como o grego Eratóstenes, sem tirar os pés da
Terra, conseguiu medir o raio da Terra (usando a geometria – isto é, medida da
Terra - de outro grego, Euclides) e quando descreve posições no nosso planeta
através da latitude e da longitude, a primeira conhecida desde tempos antigos,
graças à medida da altura da estrela polar, de noite, ou da altura máxima do
Sol, de dia, e a segunda só possível com
construção de relógios resistentes à agitação maritima (o primeiro foi
testado numa viagem de Southampton a Lisboa no século XVIII). O humor está presente
tanto no texto como nos desenhos, tornando a matemática agradável, ou, se se
quiser, sexy, o que levou o humorista
Nuno Markl a escrever, no prefácio que “os
Aibéos são o elo perdido entre os meus professores de matemática e a Samantha
Fox”. Se o leitor sabe quem é a Samantha Fox este livro é mesmo para si. Se
não sabe também, também. Não, não é a figura da capa.
O segundo livro, intitulado Números, Cirurgias e Nós de Gravata, saído
na IST Press, a editora do Instituto Superior Técnico, com um design também
muito cuidado e uma capa onde também aparece um corpo humano (desta vez não
despido, mas vestido e engravatado) é uma colectânea de textos, que tentam
explicar os mais variados assuntos da matemática. Tem mais equações que o
primeiro, reflectindo o seu nível mais elevado. Tem a particularidade curiosa,
e decerto invulgar, de ter sido escrito por alunos. Os autores foram estudantes
do curso de Matemática ou de cursos de Engenharia, com queda para a matemática,
que organizaram durante dez anos, a começar no Ano Internacional da
Matemática, um seminário – chamado Diagonal - para alunos interessados por
ela no Técnico. Jorge Buescu, autor de alguns dos mais notáveis livros de
popularização da Matemática entre nós louva o prefácio o programa da Fundação
Gulbenkian Novos Talentos em Matemática de
onde o seminário Diagonal
surgiu. Os textos estão agrupados nos três grupos indicados no título: o primeiro trata de álgebra e cálculo,
o segundo de geometria e o terceiro de outros temas sortidos, como o problema
dos nós de gravata (se o leitor não
recear as complexidades do tradicional adorno masculino pode começar por aqui).
A matemática do planeta Terra está
presente, designadamente no grupo final, onde é descrito o movimento de
satélites em volta da Terra graças às leis de Kepler (A volta ao mundo em 90 minutos é o título de um capítulo inspirado
em Júlio Verne) e o problema dos três corpos, que não trata ménage à trois mas tão só da descrição
matemática dos movimentos do Sol, da Terra e da Lua, ou qualquer outro trio de
corpos celestes, que, apesar de estar sob a alçada da mecânica de Nerwion, tem
desafiado as mentes mais brilhantes desde o século XVIII, tendo a ver com a
moderna teoria do caos. Descobriu-se que há mais coisas no céu e na Terra do
que sonha a filosofia de Horácio..
Neste ano da matemática no planeta Terra,
o leitor pode descobrir, com estes dois livros, mais coisas sob a luz da matemática,
a matemática que está por todo o lado à sua volta.
- Alexandre Aibéo e Pedro Aibéo, “Isto não, é (só) matemática”, Vila do Conde: Quidnovi, 2012.
- João Pedro Boavida e outros (editores),
“Números, cirurgias e nós de gravata”,
Lisboa: IST Press 2012.
4 comentários:
Caro José Baptista
Muito obrigado, já emendei.
Um abraço
Carlos Fiolhais
..."Eratóstenes, sem tirar os pés da Terra, conseguiu medir o raio da Terra"
Julgo se uma pequena distração.
Não o raio da Terra mas sim o seu perímetro.
Cordiais saudações
Rui Gonçalves
Um tema por demais interessante.
A matemática e a música então... irmãs, como dizia Sto Agostinho, já que filhas dos números!!
Daí poder-se relacionar a Arquitectura e a Música... Goethe: «A Arquitectura é Música congelada». E por aí adiante!
Partilho com os autores do blog e em especial com o autor deste post, o título da minha tese de mestrado: Arquitectura, Música e Acústica no portugal Contemporâneo editado pela FaupPublicações e que pode interessar a alguém. Um dos capítulos é, justamente, a analogia entre as proporções musicais e as proporções arquitectónicas/numéricas.
Abraço, Céu Mota
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