quinta-feira, 11 de abril de 2013

UM NOVO MUNDO PARA O CÉREBRO

Crónica publicada na revista Papel


Vemos com o cérebro.

Sim. Vemos com o cérebro. Apesar de a integridade do sistema visual ser decisiva para a sua sensação visual da Papel, as imagens captadas pelos seus olhos, mais precisamente pelas células fotossensíveis existentes nas suas retinas, são traduzidas em milhões de impulsos nervosos canalizados pelos nervos ópticos até ao seu córtex visual. E é algures nesta zona do cérebro que essas imagens são primeiramente interpretadas e comparadas com memórias e experiências anteriormente guardadas em vias neuronais um pouco por todo o cérebro.

Resulta dessa integração neuroquímica a consciência do que vemos. E é por isso que é o nosso cérebro que vê. E sabemos isto porque é possível experienciarmos imagens com os olhos fechados. Os neurocientistas sabem disso também pelas inúmeras histórias clínicas de pacientes cuja visão ficou afectada após certos traumatismos cerebrais que não afectaram os componentes do sistema da visão.

Mas como é que vemos o nosso cérebro? Como é que sabemos como é que ele vê o que os nossos olhos captam?

Há mais de um século que o incontornável histologista espanhol Ramón y Cajal (Prémio Nobel da Medicina em 1906) identificou e desenhou meticulosamente as subtilezas da arquitectura celular que define o nosso cérebro. A pormenorizada cartografia celular do cérebro efectuada por ele e seus colaboradores, levou-o a afirmar, então, que já se conhecia tudo sobre o cérebro.

Hoje, mais de cem anos depois, e apesar dos avanços impressionantes registados nas últimas décadas nas ciências do cérebro (psicologia, psiquiatria, neurologia, entre outras) a sensação generalizada entre os principais investigadores é a de que começamos a ter uma ideia superficial de como o cérebro funciona. Sobre como conseguimos pensar, processar as sensações do mundo à nossa volta, imaginar para além dos sentidos, criar, sonhar, amar, ler a Papel apaixonadamente.

As tecnologias farmacêuticas, bioquímicas e de ressonância magnética nuclear funcional contribuíram decisivamente para a forma como hoje vemos, conhecemos e compreendemos o pulsar da nossa mente, mas também o que lhe subjaz nas profundezas daquilo a que chamamos inconsciente.

Essa terra de que não temos memória mas que guarda e cuida das nossas memórias. Esses territórios feitos de vias e circuitos de milhões de neurónios interligados com outros milhões de neurónios em redes que ridicularizam a World Wide Web. A nova biologia do cérebro é feita de moléculas que mudam o nosso estado de humor, que enraízam a nossa tristeza, que florescem a nossa alegria, que anunciam em sinfonias coloridas as nossas paixões.


As novas técnicas de imagiologia cerebral rasgaram a pesada cortina que ocultava o palco em que milhares de milhões de neurónios e células da glia (células de suportam e nutrem os neurónios) e permitiram que os neurocientistas tenham começado a identificar o papel de cada uma das vias neuronais, começado a traçar o caminho por onde passam os impulsos que regulam a actividade cerebral, desde o contolo neuromotor às actividades associadas ao pensamento abstracto, criativo, à consciência do desconhecimento.

As novas tecnologias computadorizadas têm-nos brindado com imagens espectaculares dessas vias que nos fazer sorrir de espanto, desses núcleos neuronais que nos regulam o bater coronário, que nos permitem entrelaçar o espaço com o corpo rodeado de música.

Depois de cem anos a olhar para as sombras da actividade cerebral projectadas numa caverna craniana, eis que nos voltámos para ver directamente o mundo dos nossos neurónios a acontecer em tempo real. Começamos a transformar a ideia do cérebro como um órgão feio e repulsivo, mas sede da nossa criatividade. Começamos a cartografar com cores vivas, não as células (como tinham feito Ramon y Cajal e tantos outros) mas a actividade e o papel de cada uma das vias que ficam activas quando executamos determinada tarefa, ou quando pensamos em algo como seja... o que quiser.

Para dar novos mundos e fundos ao estudo do cérebro, os EUA, pela pessoa do seu Presidente Barack Obama, acabam de anunciar o orçamento (100 milhões de dólares para o ano 2014) para um novo e ambicioso programa de investigação em neurociências. O projecto, apresentado pela designação “Brain Research Through Advancing Innovative Neurotechnologies”, ou simplesmente “BRAIN, visa “acelerar o desenvolvimento e a aplicação de novas tecnologias que permitam aos investigadores produzir imagens dinâmicas do cérebro, mostrando como as células individuais e os sistemas neurais complexos interagem à velocidade do pensamento”, segundo o que pode ler no comunicado então divulgado.


Em janeiro deste ano, também foi anunciado um projecto europeu designado por “Projecto Cérebro Humano”, da iniciativa Tecnologias Futuras e Emergentes da União Europeia, o qual visa simular o cérebro num supercomputador para perceber como funciona.

Refira-se, ainda a propósito, que o mapeamento das vias cerebrais tem vindo a ser efectuado pelo Projecto do Conectoma Humano. O objectivo é o de recolher a maior quantidade de informação sobre o cérebro de 1200 adultos saudáveis através de tecnologias de imagiologia cerebral de última geração. Sublinhe-se que este projecto tem fornecido imagens de uma rara beleza introspectiva sobre o nosso cérebro em plena actividade.


Abrem-se novos meios para descobrir o futuro do conhecimento. É o cérebro a decidir conhecer-se a si próprio. Mas há uma nuance abissal naquele projecto científico agora anunciado: é que não sabemos muito bem o que vamos encontrar e há uma componente tecnológica e de engenharia num esforço criativo para gerar novas ferramentas para potenciar novas descobertas. É assim que ciência e tecnologia cooperam para produzir conhecimento.

Estamos a mudar a imagem que temos do nosso cérebro. Ou, estamos a ver o cérebro com outros olhos.

António Piedade

1 comentário:

Cisfranco disse...

http://www.publico.pt/ciencia/noticia/cientistas-conseguiram-tornar-o-cerebro-transparente-para-melhor-o-perscrutar-1590836?fb_action_ids=4779991502441&fb_action_types=og.recommends&fb_source=aggregation&fb_aggregation_id=288381481237582

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