terça-feira, 16 de abril de 2013

PARA SEMPRE

- Vejamos, meu caro Anthime, está a divagar. 
Como se pudesse haver dois! 
Como se pudesse existir outro.


A. Gide “Os Subterrâneos do Vaticano

 Há algum tempo escrevi aqui um texto com o título Nunca Mais. No texto abordei sobretudo a ralação promíscua entre a ditadura de J. Videla e a Igreja Católica argentina. Para meu espanto algumas pessoas revoltaram-se contra o mesmo, inclusive questionaram a sua existência, e que, se houvesse censura, o texto não passaria. Como sou uma pessoa responsável e tudo o que escrevo é o resultado das minhas leituras e da minha reflexão, vou explicar o texto:

1 – Sobre a existência do texto:

Rodolfo Walsh e Haroldo Conti – desaparecidos –, e monsenhor Enrique Angelelli – assassinado por denunciar a morte de dois sacerdotes –, é que deveriam ter direito a uma existência mais longeva, se não denunciassem o terror da ditadura. Rodolfo Walsh tivera mesmo a coragem de escrever a famosa Carta aberta à junta militar, o que lhe valera a vida, onde denunciara as violações dos direitos humanos; coragem, essa, que faltara a muita boa gente, compreensivelmente. Quem leu A Bandeira Vermelha Da Coragem, de Stephen Crane, sabe que, face ao terror, todos nós temos medo, se não estivermos mentalmente preparados.

2- Relação dos religiosos com a ditadura

Entre os cerca de trinta mil mortos, os religiosos surgem com apenas 0,3%, depois dos operários, dos estudantes, dos empregados, dos docentes, dos liberais, das donas de casa, das forças de segurança, dos jornalistas e dos actores. Este número é elucidativo, quanto ao mutismo desta mesma classe. Os que foram perseguidos de acordo com o relatório de Sábato «estavam comprometidos com a causa dos mais carentes e com aqueles que sustentaram uma atitude de denúncia frente à violação sistemática dos Direitos Humanos». Felizmente, para os católicos, o Papa Bergoglio, conhecido pela sua simpatia com a pobreza e um acérrimo defensor destes Direitos, não fora perseguido. Porquê? Ou ficara em silêncio ou apoiara a ditadura. As escusas que ele apresentara, como o receio de os marxistas tomarem o poder, não abonam em nada a seu favor. Por outro lado, quem leu o jornal Público, no dia 14 de Março, leu isto:

Passado Polémico: ... Entre 1973 e 1979, Bergoglio foi o superior provincial dos jesuítas com a difícil missão de orientar a Companhia de Jesus no arranque conturbado da ditadura militar, responsável pela perseguição, tortura e morte de 30 mil pessoas. As ordens para os seus irmãos foram claras: as suas actividades seriam estritamente religiosas.

O seu relacionamento com as autoridades políticas dessa época é motivo de alguma polémica na Argentina, especialmente depois da publicação, em 2005, do livro O Silêncio, do jornalista Horácio Verbitsky. O autor alegou que Bergoglio contribuiu para a detenção pelas Forças Armadas, de dois sacerdotes, Francisco Jalics e Orlando Yorio, em 1976, ao transmitir as suas “ suspeitas de contactos com guerrilheiros e denunciar “conflitos de obediência”. Verbitsky citou documentos guardados no Ministério das Relações Exteriores e Culto da Argentina que apontam para esses “comentários orais”; Bergoglio negou ter colaborado com a ditadura e argumentou que falara dos dois sacerdotes ao Governo para tentar resgatá-los da Escola Mecânica da Armada, onde o regime mantinha os prisioneiros que depois desapareciam. O capítulo do livro que refere esse episódio tem por título As duas faces do cardeal.»

Eu acredito na palavra do senhor Bergoglio, mas mantenho que ele não denunciara nada, nem lamentara nada e, mais grave, não disse o que pensava do regime. Porque quem acusa a senhora Cristina Kirchner de “exibicionismo”, esquecendo-se de Evita Perón, quem diz ao Presidente Eduardo Duhalde, sobre a vinda do FMI em 2002, “Não vamos a lugar nenhum, só nos vamos endividar mais”, tem que ter uma palavra sobre a barbaridade do regime.

3- O Franciscanismo De Bergoglio

Agripino Grieco, escritor brasileiro, no seu livro S. Francisco de Assis e a Poesia Cristã, caracteriza deste modo o santo (com muitas semelhanças com Santo Agostinho, anote-se):

a) Contra a ciência inactiva, cultivava, acima de tudo, o coração.
b) …era pela doçura, e não pela violência.
c) …acharia que os ignorantes talvez amassem a Deus melhor.
d) Nunca abençoou punhais e espadas.
e) Gostava que os homens o desprezassem, e preferiria ser censurado a ser elogiado.
e) Depois das dissipações da adolescência, converteu-se, despojando a caixa paterna para dar esmolas pobres

Esta é a imagem que o Papa tem passado para os católicos. O problema está no último ponto; eu não creio que o Vaticano abra os cordões à bolsa para dar aos pobres, porque isto implicaria uma reforma profunda no Vaticano. As boas intenções não bastam.

4- O fascismo de F. Sá Carneiro

O fascismo terminara, de acordo com os historiadores, no dia 25 de Abril de 1974. Ora, em 1969 o senhor F. S. Carneiro fizera parte da lista de deputados da União Nacional, enquanto outros políticos estiveram no exílio ou na masmorra. Eu sei que os homens mudam de valores e estão sujeitos às vicissitudes do tempo, mas isto raramente acontece de um dia para o outro.

5- Sobre a existência de cronistas fascistas

Transcrevo aqui um excerto da entrevista que Manuel Alegre deu ao Público no dia 14 de Abril:

«- E é assim que se define, como um poeta que escreve prosa?

Hoje há pseudomarginais da literatura que são totalitários, com uma sede terrível do poder ou de assalto aos instrumentos de poder, aos jornais onde escrevem.

- Chamou-lhes hipócritas.

E são hipócritas. Nunca arriscaram nada. Nunca os vi arriscar. Nós escrevemos no tempo do fascismo, da censura. Um poema podia levar à prisão.

- Fala dos críticos?

Falo dos críticos e falo daqueles que se encostam aos críticos e que são protegidos pelos críticos, o que é uma forma de poder.

- Autores?

Sim, também autores, alguns nem sequer conheço. E falo de alguns críticos e não vou dizer nomes. Sofremos a censura do lápis azul, dos livros proibidos, de nos assaltarem as casas para apanharem livros. Agora há outra forma de censura que é a omissão e o compadrio.»

Não acrescento mais nada ao Manuel Alegre, porque sei a quem se refere. Só lamento que a literatura esteja nas mãos destes senhores, só lamento que qualquer opinião dos mesmos pese e catapulte amiúde a mediocridade para o topo das livrarias.

Isto de voltar ao passado não é como pensava Vergílio Ferreira, porque a consciência não se pode esvaziar como um balão.

Enterro este assunto, para sempre. Afinal, também sou “pecador” e falível.

3 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Lamentável. Frente a este exemplo da vizinha Argentina em que outrora, figuras menores aspiraram fazer-se válidas; através de acções ao despropósito em ousado, permear da história com resíduo de um atraso da esfera política deste continante. Esperamos que valha o significado maior em que labuta o ser humano, deixar-se florescer sob nuances do bem, colectivo.

Fernando Martins disse...

Duas correções:

2- Relação dos religiosos com a ditadura

Se "entre os cerca de trinta mil mortos, os religiosos surgem com apenas 0,3%", significa que este grupo foi dos mais atingidos: em 1975 havia cerca de 26 milhões de argentinos e cerca de 5.000 padres (cerca de 0,019% da população). Compare-se o valor 0,3 com 0,019 para perceber a enormidade do esforço de muitos membros da Igreja Católica (e, não estou a defender o Papa Francisco, nem os jesuítas, embora estes façam coisas que, quem não os conhece, não entende nem sequer sabe, porque eles não gostam de se gabar).

4- O fascismo de F. Sá Carneiro

Não sou do PSD nem nunca votei deste partido, mas parece-me que não entendeu o que FSC e o grupo que com ele entrou no Parlamento da altura fez - mostrou um esforço por parte de Marcelo Caetano para mostrar abertura política (chamar de fascismo à "primavera marcelista", na sua alvorada, é como chamar de democracia à Coreia do Norte - uma fábula...). Depois, FSC e os seu colegas da ala liberal tentaram mudar o regime por dentro e quando viram que não conseguiam, saéram do parlamento (nas eleições de 1973). Aliás houve mais políticos que tentaram ser eleitos, nas listas comunistas (CDE), republicanas/socialistas (CEUD) e monárquicas (CEM), nessas mesmas eleições, embora não fossem eleitos - estariam (- vide Mário Soares, Jorge Sampaio, Lindley Cintra, Mário Sottomayor Cardia, Francisco Sousa Tavares, Gonçalo Ribeiro Telles, Henrique Barrilaro Ruas...- a colaborar com o "fasssismo"?

Fernando Martins disse...

"Enterro este assunto, para sempre. Afinal, também sou “pecador” e falível. "

Isso somos todos - não enterre o assunto, informe-se e corrija os erros...

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