Novo texto de Ângelo Alves:
Dizem que um dia morrerei.
Custa-me ouvir isto e vem-me à memória os versos de Attilla József: «Dizem: um
dia morrerás. /Mas dizem tantas coisas a um homem/ que nem sequer respondo.»
Estou hoje tão conformado com
a minha morte, como uma estrela. É verdade, as estrelas também morrem, assim
como os escritores, os poetas… Há estrelas, como muitos poetas, que têm um fim
explosivo e violento - as supernovas -, enquanto as de menor dimensão têm
um fim mais suave, quase como uma paragem de coração. Também morrerei, mas
desconheço a data e o modo como morrerei. Estas são duas das diferenças entre a vida
de uma estrela e a vida de um homem. Todos sabem quando o Sol explodirá, mais
dia menos dia, mas ninguém previu que W. G. Sebald, Albert Camus e Luís Montalvor
morreriam num acidente de viação, que Manuel Scorza morreria, como Ritchie
Valens e Buddy Holly, ao atravessar o Atlântico, e que António Botto seria
atropelado no Brasil. Se alguém lê nas estrelas, é coisa que desconheço; o que
sei é que está tudo escrito nelas. Sinceramente, a mim preocupa-me mais a
origem e o presente do que o fim, mesmo se algum átomo que agora respire tenha andado
pelos pulmões de François Villon, do mesmo modo que as estrelas recentes contêm
vestígios de estrelas moribundas. O processo de nascimento de um embrião e o
seu seio são conhecidos e, quanto às estrelas, sabe-se que nascem nas nebulosas
(nuvens de gás e poeiras). É nestes «viveiros de estrelas», densos, onde grãos microscópicos se atraem mutuamente, absorvendo e difundindo a luz,
assemelhando-se a uma nuvem, que surgem pontinhos luminosos – os astros.
Ainda é objecto de estudo o processo que está na origem de uma estrela.
A origem do Universo e das
estrelas é domínio de estudo dos astrofísicos e, entre muitos, destaco George
Gamow (teoria do Big Bang), Fred Hoyle (teoria do estado estacionário),
V. M. Sliphe e Milton Humason (descoberta do deslocamento para o vermelho da luz
emitida por uma galáxia a uma velocidade elevada),
Arno Penzias e Robert Wilson (descoberta da radiação cósmica de fundo), e tantos
outros que por parcimónia omito. Entre os romancistas modernos, W. G. Sebald, tanto
no romance Os Emigrantes sobre o holocausto, como em Austerlitz, foi um dos
escritores que reflectiu sobre as suas raízes, o tempo e a história. Em Austerlitz,
o narrador narra o diálogo que teve com Jacques Austerlitz, um erudito,
professor de arte, que corre atrás do seu passado remoto. Neste romance li este
excerto sobre Gerald Fitzpatrick, astrofísico e amigo de Austerlitz:
«A sensação de liberdade que dele se apoderou quando pela primeira vez, num dos aparelhos da força aérea, se apercebeu da resistência do ar por baixo dele, dizia Gerald que é indescritível, e ele próprio recordava, ainda, acrescentou Austerlitz, como Gerald tinha ficado orgulhoso, positivamente radiante quando, no fim do Verão de 1962 ou 1963, descolaram os dois da pista do aeroporto de Cambridge para um voo nocturno. O Sol tinha-se posto pouco tempo antes de levantarmos, mas quando mergulhamos nas alturas, rodeou-nos de novo uma luminosidade cintilante que só se desvaneceu quando fomos para o sul seguindo a faixa branca da costa de Suffolk, quando as sombras cresceram do fundo do mar, envolvendo-nos progressivamente até que o último raio de luz se extinguiu no horizonte do mundo ocidental. Fantasmagóricas, em breve mal se distinguiam as formas na terra abaixo de nós, as florestas e os campos esbranquiçados por ceifar, e nunca esquecerei, disse Austerlitz, a curva da foz do Tamisa a surgir como do nada adiante de nós, uma cauda de dragão, negra como óleo de carro, encaracolada no desabrochar da noite, e ao seu lado apenas as luzes de Canvey Island, de Sheerness e Southend e Southend-on-Sea. Mais tarde, quando descrevemos uma curva sobre a Picardia e retomámos o rumo da Inglaterra, vimos no meio das trevas, levantando os olhos os mostradores e indicadores luminosos e olhando através do vidro do cockpit, a grande abóbada celeste como nunca antes víramos, imóvel na aparência mas na realidade em lento movimento de rotação, com os desenhos do Cisne, Cassiopeia, Plêiades, Auriga, Corona Borealis e todas as outras com nomes quase perdidas na poeira cintilante de miríades de estrelas sem nome disseminadas por toda a parte. Foi no Outono de 1965, continuou Austerlitz depois de passar uns momentos perdidos nas suas recordações, que Gerald começou a desenvolver o que hoje sabemos ser uma tese revolucionária sobre a chamada Nebulosa da Águia, na constelação da Serpente. Falava de enormes regiões de gás interstelar que, um pouco como as nuvens de trovoada, se concentram em volumosas formações projectadas vários anos-luz no universo, onde novas estrelas nasceram por um processo de compressão que se intensifica regularmente sob a influência da gravidade. Lembro-me de Gerald dizer que há verdadeiros infantários de estrelas nos espaços, afirmação que há não muito tempo vi confirmada num comentário de jornal a acompanhar os espectaculares levantamentos fotográficos que a sua viagem que o telescópio Hubble tem mandado para a terra. De qualquer maneira, disse Austerlitz, a seguir a Gerald abandonou Cambridge para prosseguir o seu trabalho num instituto de investigação em astrofísica situado em Genebra, onde o visitei diversas vezes, e quando saímos juntos da cidade, ao longo das margens do lago, observei o modo como as suas ideias tal como as próprias estrelas, iam emergindo gradualmente da nebulosa das suas fantasias numa rotação em torno da física. Nessas visitas, Gerald falou-me também dos voos que fez no seu Cssena sobre os montes cintilantes de neve, sobre os picos vulcânicos do Puy-de-Dôme ou descendo o belo Garona até Bordéus. Estava escrito que ele não voltaria de um desses voos, disse Austerlitz. Foi um dia horrível, aquele em que soube que se tinha despenhado nos Alpes…»
Sebald para além de ter um vasto
conhecimento geográfico, fruto de suas intermináveis viagens, também tem
conhecimento científico e humor. Avança no tempo, várias décadas, com a teoria
revolucionária do nascimento das estrelas (foi Bart Bok na década de 40 que sugeriu
que, nas “nuvens negras”, se formavam estrelas, e foi em 1995 que o telescópio Hubble
nos deu imagens da formação de estrelas na Nebulosa da Águia, a 7000 anos-luz),
e termina com o epílogo dramático – a morte acidental do astrofísico. Assim
como Imre Kertész, Sebald teve uma visão catastrófica e pessimista da natureza
humana.
Longe estava Sebald de
imaginar o seu fim, em Dezembro (último mês do ano) de 2001 (dealbar do
século), num acidente de automóvel; foi o fim de um dos mais promissores escritores
deste século.
Ângelo Alves
P.S: Dois senhores comentaram o texto que escrevi sobre a Sylvia Plath,
sobre a eventualidade de esta ser sobredotada aos oito anos, por tirar um “A” a
Física. Se não fui suficientemente esclarecedor, peço desculpa. Esse “A” fora
obtido, tendo em atenção o romance que li, por volta dos dezanove anos. Ninguém
tem aulas de física com apenas oito anos, como é óbvio. Alguns dias depois de
enviar o texto fui apanhado de surpresa pelo suplemento literário-artístico do jornal Público com uma crónica sobre Sylvia Plath e Ted Hughes. Ao que parece a arca
deste casal é como a de Fernando Pessoa. Vamos ter mais novidades, felizmente.
9 comentários:
O texto a que se refere em "post scriptum", que li, e que apreciei, como deixei dito, revelou-me Sylvia Plath, que, em rigor, desconheço. E foi pelo que li no texto que lhe chamei hiperdotata. Impressão com que fiquei e que mantenho. Por razões profissionais, não vou muito com o que por aí se apelida de "sobredotado". Aliás, havendo tantos como dizem, fica automaticamente provado que o não são...
Segui-se depois o comentário de outra pessoa ao meu próprio comentário, supostamente para me dar uma lição que não lhe pedi e em que é useiro e vezeiro. Sempre que me pronuncio sobre alguma coisa tem por hábito emitir a primeira inanidade que lhe acode ao toutiço e espraia-se então em girândolas de bacoradas:
Recrimina-me por não saber qual a minha posição (não sei se funcional se situacional) no cosmos..., coisa que ele julga saber de si próprio, horroriza-se porque discordo da ideia totalitária e aberrante de "escola única", não me perdoa que não acredite naquela ideia luminosa sobre o surgimento do "homem novo", dá definições muito particulares de bondade e cultura e tenta colar-se a tudo quanto escrevo, com o intuito de contrariar, como autêntica sarna. A outros, muito melhores do que eu, tenta fanaticamente ensinar o que quer que seja, especialmente o que não sabe nem imagina.
E o principal mal da criatura não será demência, mas antes a sua intrínseca maldade e falta de educação e de noção do ridículo, associada à estultícia de proceder como se impressionasse ou intimidasse alguém.
Há tipos assim.
Foi só por estas razões que houve naquele texto um comentário sobre o meu comentário. A intenção era "encolher-me" os ombros, a mim, que digo frequentemente aos meus alunos que o que mais me sobra é a ignorância, para além da falta de dinheiro.
Desculpe a maçada.
Por exemplo, este poeta traduz de escolaridade.
Ora bolas, sempre que escrevo sobre assuntos desagradáveis tendo a dar mais erros. E lá me ficou:
"hiperdotata" em vez de "hiperdotada", na 3ª linha;
"Segui-se depois"... em vez de "Seguiu-se depois"... no início do segundo parágrafo.
As minhas desculpas, esperando não ter dado outras calinadas na ortografia.
"The first principle is that you must not fool yourself and you are the easiest person to fool." R.P.Feynman
Professor José Batista;
Toda a gente aqui no DRN sabe que a sua vocação é mais lá para as bandas das ciências da educação... e todos sabem ainda que o senhor se julga com o cabedal necessário para publicar na colecção "Ciência Aberta" da Gradiva, um ou dois volumes, no máximo até três volumes sobre o tema...
E nós aqui no DRN somos até testemunhas do seu esforço ao tentar convencer o dr. Guilherme Valente de que não será bem assim, há algumas dúvidas sobre o assunto, enfim... raios!!! que AZAR!!! não é professor José Batista, não fora esta coisa absurda que se fora meter na cabeça do senhor dr. Guilherme Valente e o senhor estaria lado a lado a publicar com os melhores cientistas deste mundo!
P.S: Dizem as más línguas que o verdadeiro motivo do dr Guilherme Valente considerar as “ciências da educação” como não sendo ciências, tem precisamente a ver com o professor José Batista, é que lá diz o ditado “amigos amigos negócios aparte” receando naturalmente o fiasco editorial €€€€!!!.
Cordialmente,
Bem, o indivíduo além de doido varrido, burro, velhaco e venenoso, é também um execrável cobarde e mentiroso.
Agora até lhe deu para o inglês, que sempre pode copiar como forma de disfarçar a incapacidade de redigir em português.
Vai por bom caminho vai. Alguém aqui falou de "troll", enquanto técnica... Mas a criatura será mais um... trolho.
Merece bem uns maus versos:
Execrável aquele mentiroso
Que mente sempre sempre sempre
E que o faz por vício e maldade
Procedendo como um demente
O qual, mesmo que jurasse a verdade
Todos saberiam que mente.
Há provocações que resvalam como balas pela carapaça da nossa indiferença.
Retiro-me por questões de higiene.
Talvez o DRN precise voltar à moderação de comentários. E pode começar por este meu. É que a paciência tem limites...
Mas não tenciono deixar de vir a este sítio, a não ser que os autores mo solicitassem, circunstância que respeitaria.
Não sem dizer a todas as pessoas de bem, e que são quase todas as que aqui encontrei, que situações como esta me entristecem profundamente.
Professor José Batista;
Acredito que talvez valha mais a sua tentativa de fazer poesia que a minha de fazer humor, mesmo que ela, e no que me a mim me diz respeito, apenas tivesse só o objectivo de, desagravar!, de alguma forma uma situação muito infeliz e que o senhor criou!!!
Lamento profundamente que o senhor proceda desta forma.
Mas o que está em jogo é algo muito nobre, é o denunciar as suas tentativas de "brutalizar" o ensino; é o desprezo pelas ideologias igualitaristas como bem o ouvimos nas palavras do dr. Guilherme Valente, a que corresponde por outro lado a defesa e criação de uma Escola de Classe.
É para mim um dever cívico denunciar tudo isto! as suas ideias e as do dr. Guilherme Valente. É isso que eu vou continuar a fazer; e denunciar como sempre o tenho feito aqui no DRN, na forma certa, como deve ser, com fundamentos.
Mais versos maus, que melhor não merece o destinatário.
Cá vai, com a tristeza de sempre:
Ideias pobres e fixas
Labor traiçoeiro
Doutrinas prolixas
Estupor por inteiro
Faz impressão
Ominoso sermão
Nefasto parlapatão
Sobre homem novo e escola única
Onde? Quando? Em lugar algum: Nunca!
Ignoremos quem é fixo e continuamente se espoja no seu próprio lixo.
E quem (aparentemente) se baba obscenamente, por lhe dizerem que é mau e que mente.
Claramente traduz. Aspecto firme, decidido e certeiro.
E, que dúvida, nem o tirara da mira. Para o exemplo do esopo da aguardente.
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