quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

The Bell Jar



Novo texto do nosso colaborador Ângelo Alves:

Foi com o sorriso de Sylvia Plath, o sorriso de seus dentes ebúrneos, que abri “The Bell Jar”. Tinha o livro há algum tempo na estante e resolvi pegar nele como quem pega num jarro de flores, com minhas duas mãos azuis. Da menina Plath já tinha lido o livro de poesia “Ariel”, que gostei muito, como gosto de toda a poesia que rebenta do sangue. Nesse livro é evidente a sua visão sobre o mundo, governado por um Deus maquiavélico e sádico, pelo destino que a poetisa não aceita, apesar do mesmo a agarrar pelos cabelos. Ela não o aceita porque ele não tem coração, não encaminha a humanidade pelo amor, mas para a dor de não poder amar. A saída que a menina Plath encontrou para a sua dor foi o suicídio - a morte, a paz. Eu diria que é um Jack Kerouak com tendência para o suicídio brutal e com uma vida quase exemplar (apesar do sofrimento), cheia de desejos, em detrimento do álcool e da marijuana. A morte era para ambos a beatitude e ambos escreveram sobre o que viveram. Leiam-se os seguintes versos:

Poema “Sheep in Fog “, sobre a paz dos campos distantes – “They threaten/ To let me through to a heaven/ starless and fatherless, a dark water. “

Poema “Lady Lazarus” – “And I a smiling woman”

Poema “The Couriers” – “Love, love, my season”

Poema “Elm” – I am inhabited by a cry”

Poema “Contusion”, sobre o destino – “The size of a fly, / The doom mark / Crawls down the wall.” 

Poema “Poppies in July” – “Little poppies, little hell flames, / Do you do no harm?”

Poema “Years” – “O God, I am not like you…./ Eternity bores me, / I never wanted it.”

Poema “Words” – “Words dry and riderless, / The indefatigable hoof-taps. / While/ From the bottom of the pool, fixed stars/ Govern a life.

Alguns críticos classificam-na como niilista, porque odiou a moral da igreja católica, não acreditou na infalibilidade do papa, no progresso, etc. Isto tudo sob a influência de James Joyce. Todavia, se niilismo é sinónimo de transparência, de pôr a alma a nu, penso que não é um defeito, mas uma virtude.  

A sua poesia, cheia de metáforas, não é tão fácil como a de um Eugénio de Andrade. No entanto é de uma sinceridade sem paralelo. Para o confirmar basta confrontar “Ariel” com “The Bell Jar” – romance autobiográfico, onde S. Plath surge com o pseudónimo Esther. Neste último ficamos a saber que perdeu o pai muito nova, que foi uma estudante brilhante, que vivia com o anelo de perder sua virgindade, que queria casar e ter filhos, ser uma poetisa reconhecida, uma professora exemplar, enfim que queria um rumo vitorioso para a sua vida. Ora, no meio destes desejos, surgiram dores de cabeça, insónias, psiquiatras, choques eléctricos, tentativas de suicídio….
 
Depois de confrontar estas duas obras, para mim, é evidente que a sua depressão resultara, não da perca do pai, porque apenas tinha oito anos, mas de um esgotamento nervoso provocado pelo seu afinco nos estudos. Leia-se este excerto:
«Na escola era obrigada a frequentar cadeiras de física e química. Além disso tinha-me já saído bastante bem na cadeira de botânica. Nunca errei uma resposta num teste, e cheguei mesmo a alimentar a ideia de me formar nessa área para investigar gramíneas selvagens algures na África, ou as encarnadas na América do Sul porque é muito fácil conseguir bolsas de estudo para estudar coisas desse tipo em sítios estranhíssimos do que para estudar arte na Itália ou na Inglaterra. Não há tanta competição.Botânica era óptima porque eu gostava de cortar as folhas e de as observar ao microscópio, assim como de desenhar diagramas do bolor do pão. Havia ainda aquela folha em forma de coração no ciclo reprodutivo dos fetos que me parecia tão real.
No dia em que fui para a aula de física foi a morte do artista.
Um homem atarracado, com uma voz aguda e ciciosa, chamado Manzi, erguia-se no seu fato azul, em frente da turma, com uma pequena bola de madeira na mão. Colocou a bola num plano inclinado e deixou-a rolar até à outra extremidade. Em seguida começou a dissertar sobre uma aceleração igual a, e com um tempo igual t, e depois desatou a escrever letras, números e sinais de igualdade por todo o quadro. Foi então que desliguei por completo.
Levei o livro de física para o meu quarto. Era um livro enorme feito em stencil, com uma capa de cartolina vermelha, e quatrocentas páginas sem desenhos ou fotografias, apenas com diagramas e fórmulas. Este livro tinha sido escrito pelo próprio Manzi para ensinar física a alunos do nosso nível; se desse resultado connosco tentaria publicá-lo.
Bom, eu lá ia estudando aquelas folhas e assistindo às aulas onde bolas desciam pelos planos inclinados e a campainha tocava às horas predestinadas. No fim do semestre a maioria teve negativa e eu um A. Em determinada altura, um grupo de colegas queixou-se ao professor pelo facto de a matéria ser demasiado difícil. «Não, não pode ser demasiado difícil pois houve uma aluna que teve um A.» «Quem foi? Diga-nos quem foi», interrogaram eles, mas o senhor Manzi limitou-se a abanar a cabeça ao mesmo tempo que me transmitia um sorriso cúmplice.
Foi isso que me deu a ideia de desistir no semestre seguinte de química. Podia ter conseguido um A em física mas tinha ficado de rastos. Muita dor de cabeça me custou aquela nota. Não conseguia suportar aquela lógica reduzir tudo a letras e números.»
Depois de concluir os estudos teve uma passagem muito breve pela docência, o casamento com Ted Hughes, e a entrega total à poesia.

Sylvia Plath acabou por conseguir apanhar, pelo menos, um figo da sua figueira – a poesia. E foi, sem dúvida, uma das grandes poetisas do século vinte, penso que só superada por Marina Tsvetaieva, e ao nível de Anna Akhmatova. A Física, afinal, não foi o fim da artista, mas o começo da eternidade. Não há morcelas sem sangue, este é o ditado que melhor se aplica à sua vida. Apesar de uma vida turbulenta, para mim, continua a ser um exemplo de tenacidade. O mesmo não posso dizer de alguns senhores que apostrofam os outros com o “niilismo” e depois compram cartas de condução, tiram cursos de quatro cadeiras, empregam seus parentes por meio de cunhas, levam os bancos e o país à falência, erguem mansões sem dores de cabeça, passeiam pelas estradas com carros de luxo, etc. O “niilismo” não será o neo-liberalismo?

Agora, desculpai-me, a campainha está a tocar! Como dizia Sylvia Plath, já ouço os cascos dos cavalos...

Ângelo Alves

4 comentários:

José Batista disse...

Apreciei o texto. Concordo especialmente com as últimas seis linhas do penúltimo parágrafo.

Achei curiosa a referência àquela "folha em forma de coração no ciclo reprodutivo dos fetos", uma estrutura chamada "protalo" onde ocorre a reprodução sexuada: produção e encontro das células sexuais reprodutoras (chamadas anterozóide e osfera) nos fetos, tão real como comummente despercebida...

Onde tenho sérias dúvidas é nisto: "é evidente que a sua depressão resultara, não da perca do pai, porque apenas tinha oito anos, mas de um esgotamento nervoso provocado pelo seu afinco nos estudos"

Uma criança de oito anos, se bem que hiperdotada, entrar em depressão por excesso de estudo e não pela morte do pai e/ou outros factores?

Muitas dúvidas...

Ildefonso Dias disse...

Professor José Baptista;

O que é que o levou a concluir que se tratava de uma criança "hiperdotada"!?

Se a sobredotação, é precisamente aquilo que ela não revela!!!: "a superdotação intelectual é a aptidão inata para atividades intelectuais que não podem ser adquiridos através de esforço pessoal"(fonte: wikipédia);

O texto mostra-nos precisamente o contrário daquilo que o senhor concluir, não é assim? (saber isto também é importante em pedagogia, creio eu!!!)

Ildefonso Dias disse...

Aditamento ao comentário: Não era sobredotada na área especifica de Física, no relato na primeira pessoa, foi o drama da sua vida. Mas se atendermos ao que diz Ângelo Alves, que conhece a obra poética, podemos considerar que nesta área especifica ela seria realmente sobredotada, tal está de acordo com a definição de sobredotação, claramente.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Em respeito o label poesia a citação: No bronze do campanário soou o Angelus.

Creio que o autor conceder-me-á em desculpa o crédito.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...