sábado, 12 de janeiro de 2013

ENTREVISTA AO JORNAL I SOBRE FALSA CIÊNCIA

     Declarações de Carlos Fiolhais e David Marçal à jornalista Vanda Marques do jornal I. A entrevista, acrescida com um resumo dos pricnipais mitos abordados no livro, foi publicada no jornal de hoje.

  I-  Porque decidiram escrever este livro? Como surgiu a ideia?

DM- Já escrevemos há muito sobre este assunto no nosso blogue "De Rerum Natura". Além disso, o último capítulo do nosso  livro anterior "Darwin aos Tiros e Outras Histórias de Ciência", precisamente sobre falsa ciência, foi dos que mais interesse despertou. Pelos vistos, o assunto interessa não só a nós como a muita gente...

   I- Como têm sido as reacções?

CF- Em geral, boas. Muitas pessoas reconhecem como nós os perigos da falsa ciência e que é importante saber distinguir a ciência da falsa ciência. Claro que também temos reacções negativas, de autores e partidários de tretas e aldrabices científicas. Normalmente não leram bem o livro e atacam-nos a nós em vez de discutirem as ideias que defendemos.

  I- Como escolheram as falsas noções de ciência?

DM- Escolhemos casos significativos, de falsa ciência nos diversos contextos em que as pessoas a podem encontrar: na Internet, nos medias, nos supermercados, nas escolas, nos hospitais e farmácias e até mesmo nas revistas científicas. Há falsa ciência por todo o lado. A boa notícia é que, por muito bizarra ou que seja, é relativamente fácil distingui-la da ciência. Se soubermos o que é a ciência, facilmente identificaremos as aldrabices científicas, quaisquer que estas sejam.

  I-  Qual é o mito mais comum espalhado na internet?

CF- Há tantos a competir que não arriscamos um vencedor. O caso que dá o título ao livro, da possibilidade de fazer pipocas com a a radiação dos telemóveis, foi bastante badalado. Este é um caso de saúde, como tantos outros. Os mais mediáticos talvez sejam ameaças graves para os seres humanos ou promessas de curas milagrosas muito simples para doenças muito graves. Geralmente as mensagens sobre este assunto evocam figuras de autoridade - pessoas  com as mais mirabolantes formações ou sem formação nenhuma. E há modas. Agora, por exemplo, está na moda o mito dos "chemtrails", uma teoria da conspiração que alguém imaginativo inventou segundo a qual os rastos de condensação dos aviões são produtos químicos espalhados deliberadamente no ar para causar danos de saúde.

  I-  Que exemplos mais flagrantes poderiam dar da falsa ciência na saúde? E na educação?

DM- Na saúde, a homeopatia. Os remédios homeopáticos não contêm nenhuma substância activa, são apenas água e açúcar e o único efeito que têm são o efeito placebo. O caso da preservação de sangue do cordão umbilical para auto-transplantes, cujas potenciais aplicações estão mais próximas da ficção científica do que da ciência. Na educação, as teorias alternativas à evolução das espécies, como o Desenho Inteligente ou seja a ideia de que houve um grande arquitecto a projectar todos os seres vivos. É uma ideia de cariz religioso, que de ciência nada tem. Ou as escolas para crianças indigo, que segundo os seus defensores seriam crianças com uma aura de cor indigo e que por isso teriam características especiais e precisariam de uma educação especial. Nada disso tem alguma base racional..

   I- Qual é a falsa ciência que mais vos incomoda? Porquê?

CF- Incomodam-nos especialmente os casos de falsa ciência que podem colocar directamente em risco a vida das pessoas. É o caso das promessas de curas milagrosas para doenças graves por parte de charlatões que  induzem pessoas em situação de fragilidade emocional a abandonarem tratamentos com efeitos comprovados em favor de tratamentos sem qualquer efeito ou com efeitos prejudiciais. Por exemplo, na África do Sul, um desses indivíduos convenceu muita gente que os medicamentos anti-retrovirais causavam a SIDA, em vez de a atacar, de modo a vender suplementos vitamínicos para tratar a doença. Muita gente morreu prematuramente por causa disso. É também o caso dos movimentos anti-vacinas, uma teoria da conspiração que põe em risco a saúde de toda a comunidade e não apenas a das famílias que recusam vacinar os seus filhos.

   I - Durante a investigação para o livro, encontraram algum mito que desconheciam?

DM- Muitos, nem calcula! E mesmo depois de escrito o livro continuamos a descobrimos novos. O tema é inesgotável. A imaginação humana parece não ter limites. E, disse-o Einstein, a estupidez também não.

   I- Qual é a noção de falsa ciência que piores consequencias pode ter na  vida das pessoas?

CF- As pessoas acreditarem que há curas milagrosas, totais e instantâneas, para doenças graves. As pessoas desesperadas tentam tudo, incluindo o que vai agravar o seu estado de saúde.

   I- Acham que ainda existem pessoas que acreditam no gene gay?

DM- Muita gente acredita que a orientação sexual tem provavelmente uma componente hereditária. Contudo, a ideia de que há um único gene, que de um modo quase autónomo, define a orientação sexual de um indivíduo, não tem qualquer fundamento científico. Hoje em dia pensa-se que são vários factores a determinar a orientação sexual: quer genéticos (não de um único gene!) quer ambientais e culturais, mas não se sabe o peso de cada um deles.

   I -A publicidade brinca muito com a noção científica dos iogurtes e outros produtos. Como é que as pessoas podem tentar fugir dessas   armadilhas?

CF- Para reconhecer a falsa ciência devem usar o espírito crítico, estar atentas, procurar informação. No caso dos iogurtes ou outros produtos alimentares, podem ir ao sítio da Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) e fazer uma pesquisa com o nome do componente especial do produto alimentar. Ou perguntar a um nutricionista bem informado.

   I - Se vos pedíssemos para eleger as três noções de falsa ciência mais  preocupantes. Quais seriam?

DM- Resumem-se todas numa: O desconhecimento da ciência e do processo científico é o mais preocupante. Daí decorre a ideia de que a ciência assenta em figuras de autoridade e não em provas. A ideia que a ciência é  um conjunto de curiosidades avulsas e não um corpo de conhecimentos coerentes que vai sendo consolidado com a experiência.

   I - O mais difícil foi falar da física quântica? Continua a ser um mistério para as pessoas?

CF- A palavra quântica é uma marca da pseudociência, pois é aplicada a  práticas de desenvolvimento pessoal, auto-conhecimento, terapias alternativas, etc. A física quântica aplica-se, porém, ao mundo dos átomos e das partículas subatómicas, que não é nada parecido com o mundo humano. Mas, como a maior parte das pessoas não sabe muito bem o que é a física quântica, alguns gurus dizem o que  o que querem com grande impunidade. A física quântica - uma das maiores  descobertas do século XX - devia ser mais ensinada na escola.

I- O fim do mundo não aconteceu no dia 21, mas pode mesmo acontecer?

DM- Pois é, não aconteceu, tal como previmos. Fim do mundo não, mas fim do Sol pode e vai acontecer, mas só daqui a cinco mil milhões de anos. Razão teve o Presidente Putin na véspera do anunciado fim do mundo, que disse isto mesmo.

  I-  As notícias de ciência por vezes têm pouca ciência?

CF- Nas notícias de ciência muitas vezes o processo científico está completamente ausente. Numa investigação científica coloca-se uma hipótese, é usado em geral o método experimental para a testar e tiram-se conclusões dos resultados observados. Os cientistas interpretam os resultados, por vezes com uma margem de subjectividade. Depois há verificação por outros e discussão.  Mas, nos media, tudo isso é muitas vexes substituído por uma conclusão taxativa, uma verdade avulsa, na qual se perde a natureza da ciência e do processo científico. A ciência não é apenas uma conclusão, mas também o método de a obter.

I- Qual é na vossa opinião o problema do jornalismo sobre esta área? O que deve ser feito?

DM- O problema é o desconhecimento por parte de alguns jornalistas do processo científico. Um artigo científico não é uma verdade absoluta. E muitas conclusões que aí aparecem  não se vêm a confirmar. Em ciência, raramente uma grande descoberta é feita por um único grupo de investigação. Uma nova conclusão é construída tijolo a tijolo, por vários grupos independentes que trabalham em várias partes do mundo, que vão confirmando ou refutando os resultados uns dos outros. Pelo caminho há muitos becos sem saída e hipóteses promissoras que afinal não dão em nada. Os trabalhos científicos extremamente inovadores, em contra-corrente, são os que menos probabilidade têm de serem confirmados. A maior parte das vezes não por má fé de quem os conduziu, mas simplesmente porque uma primeira indicação é ténue e precisa de mais estudos. Muitas notícias de ciência baseiam-se num só artigo, que muitas vezes tem conclusões que não se confirmam. No caso da saúde isso é extremamente comum. As notícias de ciência deveriam ser escritas por jornalistas familiarizados com a ciência e com o processo científico. Felizmente ainda os há, embora cada vez menos. Não passa pela cabeça de ninguém que as notícias de economia ou de futebol sejam escritas por jornalistas que não conheçam minimamente esses assuntos. Com a ciência deveria passar-se o mesmo. A solução não é fácil, mas passa pela formação dos jornalistas em ciência e por uma maior aproximação entre jornalistas e cientistas. Os cientistas têm grandes responsabilidades pois alguns ainda pensam que podem viver isolados do mundo.

   I- A internet é uma boa ferramenta mas também um grande problema? Como é que as pessoas podem filtrar a informação?

CF- Com espírito crítico, com cultura científica, que a escola devia promover.

   I- As pessoas enviaram-vos dúvidas? Quais? Podiam dar exemplos?

DM- Sim, sim. Por exemplo sobre terapias alternativas que não abordámos no livro...

   I- Logo no início dizem que “estão cientes que algumas pessoas ou grupos se poderão sentir atacados por algumas coisas ditas no livro”. Isso aconteceu?

CF- Aconteceu. Mas a nossa intenção não foi atacar pessoas, mas sim ideias.

   I- Qual é o maior desafio na divulgação cientifica?

DM- Conseguir que a ciência faça parte da cultura das pessoas, que faça parte da vida das pessoas.

2 comentários:

Anónimo disse...

"Claro que também temos reacções negativas, de autores e partidários de tretas e aldrabices científicas. Normalmente não leram bem o livro e atacam-nos a nós em vez de discutirem as ideias que defendemos."

Brilhante. Só há reacções negativas por parte dos partidários de "tretas" e "aldrabices". E mesmo estes, ao que parece, que o argumento é confuso, só reagem assim porque não leram bem o livro. Meus senhores, eis o único livro da história da humanidade que, se bem e honestamente lido, não tem erro, é puro e belo! Abaixo os principia, temos as pipocas! Com esta pretensão será o livro menos científico de sempre. E por azar é um livro que, para além ser apenas um arrebanhado de coisas que se encontram pela net, contém imprecisões científicas e muitas confusões conceptuais. Por exemplo, isto da física quântica só ser aplicável a partículas atómicas e subatómicas é de palmatória. E esta coisa de entender que a ciência, em si mesma, não faz parte da cultura, que é preciso a divulgação científica, é revelador de um conceito de cultura tão pobrezinho....ao nível de vendedores de picocas.

ABS disse...

Muitos parabéns aos autores. Agora é preciso um livro sobre medicinas "alternativas", enquanto ninguém traduz o "Trick or Treatment".

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...