Em dia de espera de comboio e de país, Alexandre O´Neill salva-me do tédio. Numa loja de restos de edições, encontro Coração Acordeão, colectânea de crónicas que escreveu para um jornal e alguns dispersos (Independente e Assírio e Alvim, 2004). No idos de 76, O´Neill vê-nos desorientados entre o passado e o futuro, sem grande ideia do que fazer no presente. E lembra-se dum poema, Esperando os Bárbaros, dum grego, Constantino Cavafy (1863-1933) (páginas 153-155):
“Que esperamos agrupados nesta praça?
Hoje chegam os bárbaros.
Porque está inactivo o Senado e, imóveis,
os pais da pátria não legislam?
É porque hoje chegam os bárbaros.
Que leis irão votar os senadores?
Quando chegarem os Bárbaros serão eles a ditar a lei.
E o imperador, já a pé de madrugada,
que faz sentado no seu alto trono,
coroado e solene às portas da cidade?
É que hoje chegam os Bárbaros
o imperador vai acolher o chefe
dos Bárbaros, a quem fará entrega
de um extenso pergaminho repleto
das menções honoríficas, de títulos retumbantes.
Por que vestes os nossos dois cônsules e os pretore
suas togas vermelhas e brocado fino
e ostentam braceletes de ametista,
anéis de esmeraldas refulgentes?
Por que trazem bastões de ouro e prata cinzelados a capricho?
Por hoje chegam os Bárbaros
e todas essas coisas os bárbaros deslumbram.
Por que não acorrem como sempre nossos ilustres oradores
a oferecer-nos com o chorilho feliz de sua eloquência?
Porque hoje chegam os Bárbaros
que odeiam a retórica e os discursos compridos.
E a que vêm, agora, essa inquietação
e esse agitação?
(Como os nossos rostos se tornam graves!).
E por que esvazia a multidão ruas e praças
e cada um, com ar sombrio, volta a cada?
E que a noite caiu e Bárbaros não chegam.
Pessoas recém-vindas das fronteiras
garantem que já não há Bárbaros.
E agora que será de nós sem os Bárbaros?
Essa gente, apesar de tudo, sempre era uma solução."
Na nota sobre o poema, O´Neill não entra nos sentidos que a palavra "bárbaro" tem, que são muitos, deixa carta branca ao leitor para se socorrer do seu próprio entendimento. E escreve: "...as sociedades ensimesmadas desdobram passadeiras vermelhas para, trajadas a rigor, darem passagem e homenagem aos Bárbaros, que estão a chegar. Experimentam o terror? Nem isso! Incapazes de sentimentos fortes, a tudo puseram surdina para se esvaziarem voluptuosamente nas formas que quiseram perpetuar".
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4 comentários:
Estimada Helena Damião
A propósito deste jogo da linguagem relembra-se o caso do romance de Aquilino, "O Servo de Deus e a Casa Roubada".
Para Salazar, ele seria o Servo de Deus, e Portugal seria a Casa Roubada.
Resultado: retirado da circulação.
Cordialmente
'Está acabado o tempo de enganar os homens', Pedro I, Imperador do Brasil.
Estimado João Boaventura que história tão interessante para um post no "De Rerum Natura". Se a quiser partilhar, termos todo o gosto de a publicar.
Cumprimentos,
Helena Damião
Já, em algure pertença.
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