domingo, 23 de setembro de 2012

Esperando os Bárbaros

Em dia de espera de comboio e de país, Alexandre O´Neill salva-me do tédio. Numa loja de restos de edições, encontro Coração Acordeão, colectânea de crónicas que escreveu para um jornal e alguns dispersos (Independente e Assírio e Alvim, 2004). No idos de 76, O´Neill vê-nos desorientados entre o passado e o futuro, sem grande ideia do que fazer no presente. E lembra-se dum poema, Esperando os Bárbaros, dum grego, Constantino Cavafy (1863-1933) (páginas 153-155):

“Que esperamos agrupados nesta praça?
      Hoje chegam os bárbaros.  
Porque está inactivo o Senado e, imóveis, 
os pais da pátria não legislam?
      É porque hoje chegam os bárbaros. 
      Que leis irão votar os senadores? 
      Quando chegarem os Bárbaros serão eles a ditar a lei. 

E o imperador, já a pé de madrugada,
que faz sentado no seu alto trono,
coroado e solene às portas da cidade?
     É que hoje chegam os Bárbaros 
     o imperador vai acolher o chefe 
     dos Bárbaros, a quem fará entrega
     de um extenso pergaminho repleto das menções honoríficas, de títulos retumbantes.
Por que vestes os nossos dois cônsules e os pretore
suas togas vermelhas e brocado fino
e ostentam braceletes de ametista,
anéis de esmeraldas refulgentes?
Por que trazem bastões de ouro e prata cinzelados a capricho?
      Por hoje chegam os Bárbaros
      e todas essas coisas os bárbaros deslumbram. 

Por que não acorrem como sempre nossos ilustres oradores
a oferecer-nos com o chorilho feliz de sua eloquência?
       Porque hoje chegam os Bárbaros
       que odeiam a retórica e os discursos compridos.

E a que vêm, agora, essa inquietação 
e esse agitação?
(Como os nossos rostos se tornam graves!).
E por que esvazia a multidão ruas e praças
e cada um, com ar sombrio, volta a cada?
      E que a noite caiu e Bárbaros não chegam.
      Pessoas recém-vindas das fronteiras
      garantem que já não há Bárbaros.

E agora que será de nós sem os Bárbaros?
Essa gente, apesar de tudo, sempre era uma solução."

Na nota sobre o poema, O´Neill não entra nos sentidos que a palavra "bárbaro" tem, que são muitos, deixa carta branca ao leitor para se socorrer do seu próprio entendimento. E escreve: "...as sociedades ensimesmadas desdobram passadeiras vermelhas para, trajadas a rigor, darem passagem e homenagem aos Bárbaros, que estão a chegar. Experimentam o terror? Nem isso! Incapazes de sentimentos fortes, a tudo puseram surdina para se esvaziarem voluptuosamente nas formas que quiseram perpetuar".

4 comentários:

joão boaventura disse...

Estimada Helena Damião

A propósito deste jogo da linguagem relembra-se o caso do romance de Aquilino, "O Servo de Deus e a Casa Roubada".

Para Salazar, ele seria o Servo de Deus, e Portugal seria a Casa Roubada.

Resultado: retirado da circulação.

Cordialmente

Areia às Ondas disse...

'Está acabado o tempo de enganar os homens', Pedro I, Imperador do Brasil.

Helena Damião disse...

Estimado João Boaventura que história tão interessante para um post no "De Rerum Natura". Se a quiser partilhar, termos todo o gosto de a publicar.
Cumprimentos,
Helena Damião

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Já, em algure pertença.

PARA UMA HISTÓRIA DA MINERALOGIA, NUMA CONVERSA FICCIONADA DO AUTOR COM D. JOÃO III

Por A. Galopim de Carvalho (Do meu livro Conversas com os Reis de Portugal - Histórias da Terra e da Vida , Ancora Editora, 2013) - Soube q...