Texto recebido de Ângelo Alves (na foto Vladimir Nabokov):
«Um homem que busca a verdade
faz-se sábio, um homem que tende a expandir a sua subjectividade faz-se talvez
escritor; mas que há-de fazer um homem que busca qualquer uma entre estas
duas?»
Robert Musil in O Homem Sem Qualidades
São diversos os escritores que
oscilaram entre a literatura e a ciência. Schnitzler, Mikhail Bulgakov, Alfred Döblin, André Bréton, Miguel Torga,
Franz Kafka, Louis-Ferdinand Céline, Anton Tchekhov, Primo Levi, Ernesto Sabato,
só para citar alguns. Vladimir Nabokov - escritor russo que se exilou na
América após a ascensão dos bolcheviques ao poder na Rússia -, fascinado pela
entomologista, foi um deles. É dos meus escritores de eleição; a primeira
página de Lolita é do melhor que já
li. Defino-o como anti-progressista, neófobo, romântico, pioneiro na condenação
da pedofilia, grande admirador de Pushkin (como Pasternak) e, para além disto,
crítico acérrimo da teoria da relatividade restrita e geral de Einstein. No
romance que mais gosto – Ada ou Ardor
–, também o seu favorito, atinge o clímax da sua aversão à teoria do
Espaço-Tempo. Cito alguns excertos:
«A textura do Espaço não é a do Tempo, o híbrido
malhado quadrimensional gerado pelos r relativistas é um quadrúpede com uma perna
substituída pelo fantasma da perna. O Tempo também é o Tempo imóvel…»
«Medimos o Tempo …em termos de espaço (sem
conhecermos a natureza de nenhum deles )…»
« «Espaço -Tempo» - «o hífen parece uma
impostura»»
Para Nabokov o Presente, domínio
dos nossos sentidos, não pode alterar nem o passado nem o futuro; o Futuro,
para ele, nem existe, uma vez que, aqui sentado na minha cadeira e observando o
voo de um melro, pela janela da biblioteca, ele é único e irrepetível: nós não
vivemos no Futuro nem no Passado. Por outro lado, o Passado é imutável e
intangível, uma vez que o que senti ontem é irreversível; apenas existe na
memória e ela não altera o nosso presente, assim como este não altera a
memória. As fantasias e as esperanças vão para o caixote do lixo. É claro que, para
ele, os relógios não marcam a passagem do tempo, ao passo que, para Einstein,
são determinantes. Na sua teoria do Espaço-Tempo, o Espaço modifica o Tempo e
vice-versa, sendo em princípio possível viajar para o Passado e para o Futuro.
Einstein pensa, mas Nabokov sente e sofre. Nabokov nunca se imaginou sobre um
raio de luz. Não sei se Einstein, à semelhança de aquilo que pensava o
estudante Trofimov, no drama O Cerejal
tinha mais do que cinco sentidos, mas é provável. A verdade é que existem
provas irrefutáveis a favor da relatividade geral, mesmo que ela exija uma
ruptura com a teoria newtoniana de Espaço e Tempo, na qual os dois são
separados e absolutos.
Quando Iuri Andrievitch em Doutor Jivago corre para a morte, dentro
de um trem, vai ensimesmado com os problemas da relatividade galileana, que
resolveu na infância… Assim corre o Tempo.
No seu livro Dom, Nabokov escreveu:
«Suponhamos que certo físico conseguiu
identificar, da soma absolutamente impensável de átomos que compõem o Todo, o
átomo fatal por que se interessa o nosso raciocínio. Estamos a supor que ele
levou o seu fraccionamento até à última essência do átomo, momento em que a
sombra de uma mão (a mão do físico) se abate sobre o nosso Universo com
resultados catastróficos, é, creio, tão-só a fracção final dum átomo central
dos que nos constituem…Este é o segredo do mundo, a fórmula do infinito
absoluta, mas, tendo feito esta descoberta, a personalidade humana deixa de
poder continuar a andar e falar.»
Ao ler estas linhas sou invadido
pelos receios, partilhados talvez com alguns físicos, quanto à descoberta do
bosão de Higgs. Não venha por aí um buraco negro!
Ângelo Alves
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