“Um atleta não pode chegar
à competição muito motivado se nunca foi posto à prova” (Séneca, 4 a.C.-65).
Numa altura em que se
continua a polemizar a medida do ministro da Educação, Nuno Crato, de
estabelecer exames nacionais para os diversos ciclos do ensino básico, não
confundindo eu a canção com os cantores, declaro, desde já, que excluindo à
partida exames mal feitos que examinam a ignorância dos directos responsáveis
pela sua elaboração, ser a favor desta
forma de avaliação que coloca os alunos em igualdade de circunstâncias.
Sem exames que avaliem
convenientemente o nível da aprendizagem dos alunos só tarde e a más horas se
virá a tomar o pulso à ignorância dos frequentadores do ensino superior em que
se substituiu uma cultura e um conhecimento científico, cimentados em estudos aturados, pela pedagogia do facilitismo para
não criar traumas nas crianças e jovens. Ou para lançar dados estatísticos
(como escreveu Francisco Leite Pinto, um dos fundadores da Sociedade Portuguesa
de Matemática (1940): “Há duas formas de mentir: uma é não dizer a verdade;
outra, mentir”) que escamoteiem a real ignorância de parte substancial da
população escolar portuguesa. Infelizmente, ignorância em nada desmerecedora da contundente crítica de Eça de
Queiroz:
“Mas a verdade é que numa época tão intelectual, tão
crítica, tão científica como a nossa, não se ganha a admiração universal, ou
seja, nação ou indivíduo, só com ter propósitos na rua e pagar lealmente ao
padeiro. São qualidades excelentes, mas insuficientes. Requer-se mais:
requer-se a forte cultura, a fecunda elevação de espírito, a fina educação do
gosto, a base científica, a altura ideal, que na França, na Inglaterra, na
Alemanha, inspiram na ordem intelectual a triunfante marcha para a frente; e
nas nações de faculdades menos criadoras na pequena Holanda ou na pequena
Suécia, produzem esse conjunto eminente de sábias instituições, que são, na
ordem social, a realização de formas superiores de pensamento”.
Numa altura em
que novas formas de entrada no ensino superior, ou, apenas, como tal, plasmado
em textos legais (por exemplo, provas de
acesso para maiores de 23 anos), prenunciando
técnicos despojados de uma necessária formação cultural - a que a leitura
constante de textos literários e a reflexão filosófica conduzem - e em que a
quantidade de diplomados pelo ensino superior supera em muito a sua qualidade –
não se deve deixar um ensino básico e secundário de qualidade fora das escolas
oficiais, de ampla tradição, procurando
os pais, com posses para tanto, escolas particulares que garantam um ensino
que cumpra a sua função de ensinar não pactuando, assim, com pátios de recreação em que os professores são obrigados a fechar os olhos
para ganhar o pão que o diabo amassou. Será isto a democratização do ensino tão
proclamada nos dias de hoje?
Embora sabendo que a Cultura, e a gama de conhecimentos
de cada um, foge a padronizações e comparações deste género, todavia, com vi escrito algures,
quem não mede não se preocupa com as coisas. Suponhamos, portanto, por mera
hipótese, “performances” atléticas não obedecendo ao critério do cronómetro ou
da fita métrica: qualquer indivíduo se podia arvorar em campeão de uma
determinada prova desportiva nem que fosse apenas da sua rua. Era a sua palavra
contra a de outros competidores. “E prontos, como dizem os jovens letrados” (Clara
Ferreira-Alves, Revista “Expresso”, 31/03/2012).
5 comentários:
Salve, salve! Eça de Queirós:
...da fecunda elevação de espírito...
Por vezes, fica aquela impressão que em vão é buscar água ao rio com chápeu de palha, quando estão sentados a beira da fonte.
Caro colega Rui Baptista:
Exames: "forma de avaliação que coloca os alunos em igualdade de circunstâncias". Tal como no desporto, onde se pretende existirem condições de igualdade entre aqueles que competem...
Permita-me que discorde. Os exames serão iguais para todos, mas as condições e possibilidades de preparação dos alunos para os mesmos NÃO!
Cumprimentos!
Prezado colega Armando Inocentes:
Concordo consigo. Bem sei que não há bela sem senão. Mas talvez os exames nacionais possam levar os poderes públicos a criar condições para que o ensino se torne igual, na medida do possível, para o maior número de alunos, criando condições para que as diferenças de oportunidades, de que julgo falar o colega, se esbatam cada vez mais. Já Orwell nos chamava a atenção para o facto de os homens serem todos iguais, só que há uns mais iguais do que outros.
Não basta, portanto, a Constituição estabelecer a Educação como um direito. Há que criar condições para esse direito ser exercido plenamente. A própria natureza é madrasta para com os jovens não distribuindo a capacidade de trabalho e as aptidões por igual. Querer que um possível excelente artífice se torne num licenciado é, quanto a mim, uma verdadeira violência que não aproveita o próprio nem a própria sociedade. Agora não se deve é impedir que a um jovem, por fracas condições materiais do agregado familiar, lhe sejam tolhidos estudos superiores.
António José Saraiva nos anos 50 do século passado se referia ao culto nacional da “diplomocracia”, reprovável quando não correspondente ao necessário e desejável esforço em escolas, ditas, superiores que vendem cursos em saldo.
Cordiais saudações,
Professor Rui Baptista;
Num livrinho da autoria Irene Lisboa, tomei conhecimento da escola montessoriana. A autora descreve-a nestas poucas palavras assim;
“O seu espírito é de liberdade; não admite sequer a competição, a corrida de forças émulas... Cada criança age como pode e por si própria.”
Professor Rui Baptista a pergunta que deixo aqui no DRN é a seguinte:
Quem neste país se apodera do direito indevido, (que não é mais que uma tentativa de salvar uma estrutura económica já moribunda aos olhos de todos), repito, quem? se apodera do direito indevido e impõe a competição aos filhos dos outros com todos os inconvenientes que isso acarreta na liberdade da criança?
Isto é algo muito grave e que merece reflexão.
Cordialmente,
Professor Rui Baptista;
Poderão se formar grandes Médicos, grandes Professores, grandes homens das ciências das artes e da cultura através de uma seleção precoce de uma capacidade (eminentemente prática, que outra não poderá ser) que supostamente se encontra em crianças de 10/11 anos?
Eu penso que não, que nada serve fazer essa seleção, e com isso criar turmas especiais ou de "elite" se afastarmos as crianças umas das outras porque a aprendizagem é mutua;
O problema de aproveitamento de capacidades diferentes num ensino feito em comum não têm como solução a avaliação precoce de capacidades e a criação de turmas de “elite”, porque essas turmas perdem algo muito importante que é o facto de - nada têm mais valor e substitui a aprendizagem que a vida real proporciona, com as suas lutas e também misérias, é essa que cria os grandes homens do saber e conhecimento e da cultura.
Creio que essa seleção precoce é antagónica aos objetivos que a sustentam.
Na verdade ela só serve para criar "homens perfeitos e medíocres" do género daquele gerente de uma loja, (capaz de servir para um episódio a que eu assisti), que desenvolve grandes capacidades para gerir uma grande loja comercial, onde frequentemente vão intelectuais ilustres da nossa cultura apresentar os seus trabalhos; mas esse gerente digo é um verdadeiro "homem perfeito e medíocre" que permite ou autoriza que três dos seguranças coloquem um individuo dentro da casa de banho da loja, ficando o terceiro à porta para impedir o acesso e auxilio à vitima (que supostamente estaria a roubar), enquanto os outros dois o espancavam barbaramente, que por sinal até era deficiente físico.
Este exemplo mostra que corre-se o risco de criar "homens perfeitos e medíocres" que servem a uma estrutura económica na perfeição, mas que são incapazes de reconhecer o significado e dignidade da vida humana. Por outras palavras criam-se homens sábios mas incultos, o que é um desastre.
Cordialmente,
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