terça-feira, 13 de dezembro de 2011
Excelíocres ou Mediocrelentes
Post da professora Regina Gouveia (saído no seu blogue Do Caos ao Cosmos):
Em mensagem anterior atribuí alguma da responsabilidade da situação a que se chegou a numa nova classe de funcionários, sejam eles de que departamento forem. Designei-os por Excelíocres ou Mediocrelentes.
Esta espécie, protegida por uma avaliação secreta, muito transparente, nasceu do cruzamento da mediocridade real com a excelência virtual.
Como é espécie protegida, há lobbies que defendem "com unhas e dentes" a sua protecção, lutando por um, cada vez maior, secretismo na avaliação.
Na educação e provavelmente em outras situações, há casos de tal modo caricatos que tentei descrevê-los em versos satíricos.
Aqui deixo o que consegui escrever, na esperança de que, por mera casualidade, o ministro Nuno Crato os leia:
A estória que aqui se narra
tem “muita uva e pouca parra”.
Eventuais semelhanças com qualquer realidade,
não passam de coincidências, na verdade.
Trata-se de um diálogo sobre avaliação
numa suposta escola de qualquer região.
P1- Nesta escola não vai haver qualquer excelente.
Assim decidimos democraticamente.
P2- Quem decidiu?
P1- Eu, (o) a presidente mais a equipa por mim escolhida, obviamente,
equipa muito subserviente (perdão, queria dizer competente).
P2- Mas não há cotas?
P1- Há cotas obviamente
mas decidi, quero dizer decidimos
(eu e a equipa subserviente,
enganei-me novamente, a equipa competente)
que não vai haver nenhum excelente.
P2- E pode?
P1- Claro que posso,
basta um critério definido de forma inteligente.
Quem teve aula assistida (quem não teve é diferente)
não poderá ultrapassar os oito ponto nove.
P2- Mas se por acaso um relator,
ao avaliar um professor
atribuir em cada domínio uma pontuação
que leve no final a uma classificação,
no mínimo igual a nove?
P1- Obviamente não pode.
Baixa aqui, reduz além,
não importa porquê nem se convém
Muito bom chega-lhe bem
“Isto é demais”
Pensou um relator degenerado,
Lembrou-se de Vinicius de Moraes
e tal como o operário em construção,
o relator degenerado disse não.
Gerou-se uma tremenda discussão.
Disse o relator degenerado,
de cabeça erguida e em voz bem alta.
R- Eu não altero um só ponto da minha proposta.
Alterem o que quiserem, com responsabilidade vossa
e com a devida justificação em acta.
P1- Que justificação?
Não temos uma razoável para dar.
Então o (a) presidente
e a equipa competente (leia-se subserviente)
tiveram que aceitar o excelente.
Saíram comentando entre dentes.
P1,E- Ora esta…
Para que queremos nós os excelentes?
Com eles quando há sucesso é bem real.
O que importa é o sucesso virtual
que a parafernália de papéis atesta.
Parece surrealista mas não é tanto como parece. Fazendo uma inspecção minuciosa e séria pelas escolas, encontrar-se-iam algumas (eventualmente muitas) situações em que as coisas se passam de forma muito semelhante à relatada.
Se têm que existir cotas, não seria muito mais honesto que os professores tivessem a classificação adequada, independentemente de haver ou não haver cota? Eram excelentes mas não podiam constar do respectivo quadro por estar preenchido. Falsear resultados, colocando no mesmo saco o trigo e o joio, em nada dignifica qualquer classe profissional.
Uma das razões que pretensamente justificaria estes modelos de avaliação aberrantes era evitar as subidas automáticas na carreira com as injustiças daí decorrentes. O sistema vigente permite injustiças muito mais flagrantes.
Numa outra mensagem anterior referi:
Sempre fui defensora da avaliação dos professores; sempre dei o meu melhor, muitas vezes sacrificando a família, e custava-me ver que outros, para quem a escola era apenas um meio de ganhar um dinheirito, a acumular por vezes com o que auferiam em profissões liberais, em explicações, etc, ascendiam na carreira tal como eu. Não se interprete das minhas palavras que tenho algo a ver contra as acumulações, que em alguns casos, em nada interferem com a qualidade do serviço prestado nas escolas. Eu própria, de 1999 a 2006, acumulei o ensino Secundário com umas aulas no Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Porto.
Mas dizia eu que me custava ver aquela forma injusta de se ascender na carreira.
Só que, o que se tem passado ultimamente em muitas escolas, é muito mais injusto. Já tive oportunidade de referir aqui que há escolas onde excelentes muitas vezes não ultrapassam o Bom e medíocres e maus são classificados com Excelente (os tais excelíocres ou mediocrecelentes). É tudo uma questão de subserviência… Só há uma forma de evitar estas aberrações: a transparência. Porque não são tornados públicos os resultados? (aliás a pergunta poderá ser feita para todas as avaliações e não só para a dos professores). Experimentem tornar secreta a avaliação dos alunos. O sistema educativo cairia, por certo…
Ainda na mesma mensagem refiro um documento (que provavelmente o ministro Nuno Crato conhece bem), produzido pela Associação de Professores de Matemática e que se debruça sobre avaliação onde pode ler-se :
"A avaliação deve ser transparente. (…) Tanto quanto possível as escolas e os professores envolvidos no processo de avaliação deverão intervir activamente no sentido de garantir a sua transparência."
Claro que não basta a transparência na avaliação, para a tornar credível. É preciso que o que se avalia tenha realmente a ver com a qualidade de ensino e aprendizagem, não virtuais como as que nos tentam impingir, mas reais. E a real qualidade de ensino- aprendizagem será tanto melhor quanto menor o tempo que os professores tiverem que dedicar a preencher papéis e a assistir a reuniões, ambos obsoletos na maior parte dos casos.
Regina Gouveia
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4 comentários:
Regina:
Desculpe-me o preciosismo.
“Isto é demais”
ou
"Isto é de mais".
Demais = além disso; de resto; outros; outras; restantes.
Dicionário Porto Editora, 8.ª Ed. p. 490.
De mais = em excesso (o contrário de De menos).
Dicionário Porto Editora, 8.ª Ed. p. 1058.
É que a meritocracia também deve passar por não redigir à brasileira.
António Pedro
Agradeço sinceramente o comentário como agradeço sempre qualquer "achega".
De qualquer forma, muitos dicionários referem as duas formas como equivalentes
Regina
Boa noite!
Na escola onde lecciono também não houve excelentes. Houve uma engenharia parecida. Excelentes só poderia ter quem tivesse participado na elaboração dos documentos de referência da escola. Mas, como no período de avaliação em causa esses documentos não foram trabalhados, então, ninguém reunia as condições e assim não houve excelentes. Não critico por pensar que deveria ter tido. Não tive aulas assistidas, por isso, não poderia aspirar a semelhante distinção.
Sempre defendi que os resultados da avaliação de professores deveriam ser tornados públicos. Se calhar, o ministério pensa que os professores ainda não atingiram maturidade suficiente para verem a sua avaliação escrutinada publicamente. Pelos vistos os alunos já atingiram esse patamar.
F. Pinheiro
Regina Gouveia
Desgraçadamente, não é só a avaliação dos professores que está inquinada dos males que refere. Em toda a administração pública é o mesmo. Hoje trabalha-se para objectivos virtuais e os graus cimeiros da avaliação são atribuídos a quem as chefias entendem; uma forma de manter funcionários subservientes, sob controlo. Os medíocres encontram nessa relação o filão que os faz subir na carreira.
Trabalho verdadeiro, feito com interesse e dedicação?! Qual quê, isso não importa para nada!... O que é necessário é demonstrar por tretas virtuais que se trabalha. E os chefes gostam disso e até dão louvores em reuniões. Depois recompensam esses bons funcionários. Mas claro, fica tudo secreto. Se o público espera e desespera ... e barafusta, porque os serviços não respondem, isso não interessa nada. Eles apresentam mapas e PowerPoints que provam o contrário...
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