quinta-feira, 14 de julho de 2011

Pode a qualidade do ensino estar na razão inversa da qualidade dos professores?

“A república é o espelho dos que a governam” (Padre António Vieira, 1608-1697).

É uso do jornalismo noticioso considerar que um cão que morde um homem não é notícia; notícia é um homem morder um cão. Mais adiante se verá a que propósito me dou conta daquilo que é supostamente notícia e daquilo que é verdadeiramente notícia.

Décadas atrás, escrevia António Brotas, ex-secretário de Estado do Ensino Superior e Investigação Científica do VI Governo Provisório e professor catedrático do Instituto Superior Técnico, na denúncia do que Eça teve como “a igualdade do insignificante e do medíocre”:No Técnico há 120 doutores em Química. As Escolas Superiores de Educação que têm zero doutores em Química, arrogaram-se ao direito de formarem docentes em Química. É isto um absurdo”. E porque as coisas absurdas devem ter tratamento absurdo, ou porque, como diziam os latinos, ridendo castigat mores”, em artigo de opinião acrescentei:

“Como absurdo me parece, também, uma escola superior de educação (de educação, repito) formar técnicos de turismo
[e, acrescento agora, grande número de outros técnicos de muitas outros misteres] com a água benta da tutela como se tratasse de uma espécie de clone teratológico da universidade, instituição que abrange um conjunto de escolas superiores. Aplaudiria com as mãos ambas se a finalidade dessa formação (fazendo jus à designação da escola que a ministra) fosse educar esses técnicos (já que educação não é o mesmo que instrução), aliás, como muitos outros, tornando essa medida extensiva ao complemento de formação dos médicos, por exemplo, embora isso trouxesse o ónus de transformar as escolas superiores de educação numa escola de boas maneiras que evitaria que os médicos nos hospitais dispensassem o tratamento de senhor ou senhora dona aos doentes fragilizados pela doença e os clientes de hotéis de cinco estrelas tivessem, por vezes, o tratamento intimista de uma pensão familiar.Este desvirtuamento das funções de determinadas escolas encontraria paralelo na improvável proposta do Técnico formar médicos com a especialidade de engenharia genética., por exemplo. Pelo menos aqui sempre haveria o adjectivo “genética” a salvar a honra do convento” (“Correio da Manhã”, 20/11/98).

Já em finais da década de 90 era lançado o barro à parede da formação dos próprios professores do ensino secundário ficar também a cargo das escolas superiores de educação sob a alegação de, mais dia menos dia, a escolaridade obrigatória ser estendida a este grau de ensino. Ora, aquilo que eu tive como um autêntico disparate que nem sequer podia (ou melhor, devia) passar pelas cabeças dos nossos governantes teve a sua “consagração” em finais da agonia do Ministério da Educação do Partido Socialista, no decurso deste ano civil, com a declarada e publicitada intenção da Direcção-Geral dos Recursos Humanos do Ministério da Educação tornar extensiva a formação de professores do ensino secundário às Escolas Superiores de Educação. Ou seja, aquilo que eu tive como autêntico disparate em finais de 90 surgiu como uma medida de louvor passados mais de vinte anos..

Não apareço eu só agora, portanto, a descer de pára-quedas do céu, e a apontar dislates de tanto tamanho. Escrevi num livro da minha autoria: “Às escolas superiores de educação deveria competir a formação dos docentes do 1.º ciclo do ensino básico (antigo ensino primário, do ensino infantil e de trabalhos manuais, cabendo, com até aqui, à Universidade a preparação dos professores dos restantes graus de ensino (do ciclo preparatório ao ensino superior) até porque, na maioria dos casos, os licenciados universitários chegam (e até sobejam) para a procura do mercado de trabalho” (“Do Caos à Ordem dos Professores”, 2004, p. 70).
Entretanto, como abyssus abyssum invocat, isto é, o disparate chama o disparate, o candidato que não entra na faculdade (por não ter tido classificação q.b. do secundário) para vir a ser professor unicamente de Matemática com o recurso ao ensino politécnico passa a estar, numa espécie de pós de perlimpimpim, habilitado a “ensinar” simultaneamente Matemática/Ciências da Natureza, como se a qualidade do ensino desta disciplina estivesse na razão inversa da preparação dos respectivos professores.

E aqui é que entra em cena a minha referência inicial às notícias dos jornais. Deverá ser notícia de primeira página dos jornais de hoje a média negativa das provas de Matemática do 9.º ano? Em face das asneiras que se têm andado a fazer na docência desta disciplina no ensino básico, e dos alertas que a Sociedade Portuguesa de Matemática tem vindo a fazer, notícia seria que a média das provas de Matemática do 9.º ano fosse positiva. Milagres não acontecem todos os dias. Se assim fosse deixariam de ser milagres!

34 comentários:

Anónimo disse...

Para ensinar para dez,
para vinte há que saber:
para ensinar português,
há que latim conhecer!

JCN

Rui Baptista disse...

Caro Professor JCN: O mal ou menos mal que redijo fiquei a dever a duas situações:

1. Por no meu tempo de liceu haver aulas de Latim e Português separadas. Mas latim a sério com a tradução do “De Bello Gallico”, por exemplo.

2. Por minha falecida Mãe ser uma pessoa de grande cultura não consentindo em mim a preguiça de lhe perguntar, por exemplo, o significado de certas palavras obrigando-me, em contrapartida, a consultar o dicionário mesmo ainda que eu me desculpasse estar atrasado para ir para as aulas.

Parece-me ainda estar a ouvi-la: “Escreves a palavra num papel para não te esqueceres; e quando regressares das aulas vais consultar o dicionário”.

Bons tempos esses em que a educação era feita no lar e a cultura tinha lugar em casa, ainda que não fosse necessariamente livresca ou sequer muito elaborada.

Portanto, se me é permitido, eu gostaria de acrescentar ao final da vossa quadra – “para ensinar português / há que latim saber! “-, o seguinte: Se para ensinar português / há que latim saber / para saber português / há que latim conhecer.

anabela disse...

não percebi nada. mas se fala de matemática , disciplina onde o prof é tudo e as bases o mais que tudo , terá de ter em conta que no básico a mat é dada muitas vezes por pessoas que odeiam e não pescam nada de matemática. se os alunos não sabem e não compreendem de cor e salteado o abecedário da matemática jamais vão poder escrever , não é? e nos exames do 9º ano irão ter péssimas notas. milagres não há , de facto. e sem ovos e quem os saiba partir..não há omoletes.

Anónimo disse...

Caro Dr. Rui Baptista:

Eu não diria tanto! JCN

Anónimo disse...

Para se ser professor
há que em primeiro lugar
algo ter para ensinar
que possua algum valor!

JCN

Anónimo disse...

Para algum sucesso haver
em questões de magistério,
é preciso, muito a sério,
certo estar do que se ensina!

JCN

Anónimo disse...

Não há melhor professora
da nossa língua materna
que a nossa progenitora
em nossa casa paterna!

JCN

Rui Baptista disse...

Prezada Anabela: Obrigado pelo seu comentário. Mas começarei por lhe dizer que, ao contrário daquilo que escreveu (“não percebi nada”), o seu comentário desdi-la por estar em completa sintonia com o que escrevi no meu post em que o leitmotiv é precisamente a Matemática, tendo em conta os maus resultados do exame do 9.º ano do básico.

No meu comentário ponho em causa o ensino desta disciplina que tanto pode ser ministrado por docentes com uma licenciatura universitária exclusivamente (repito, exclusivamente) para o ensino da Matemática como por professores saídos das escolas superiores de educação que podem dar simultaneamente (repito, simultaneamente) Matemática e Ciências da Natureza. Fazendo uso da sua metáfora, “milagres não há, e sem ovos e quem os saiba partir…não há omoletes.”

Mas neste caso, há ovos: com a diferença (enorme diferença) de uns serem bons e outros menos bons. Salvaguardando excepções, os bons ovos são os diplomas para o ensino da Matemática por universidades com boa “postura”; os menos bons por escolas superiores pelos motivos expostos no meu post e no comentário que aqui faço. Parecendo pouco, é muito. Muitíssimo, até por esta situação poder ser responsabilizada em parte pelos maus (e esperados) resultados dos exames aqui em discussão. Se reparar, Anabela, os responsáveis pela tutela da Educação andaram durante anos a fugir à avaliação dos alunos através de exames nacionais do ensino básico. Eles bem sabiam porque o faziam. Ficou a sociedade portuguesa, embora tardiamente, agora a saber os motivos subjacentes a esta fuga de responsabilidades em que, como reconheceu Eça, e eu tenho repetido até à exaustão, para ensinar é preciso saber: saber a fundo as bases científicas da matéria que se ensina apoiada em metodologias consagradas e não em simples devaneios de teorias pedagógicas que se tornam perigosas por inculcarem nos espírito dos jovens falsos princípios teóricos difíceis de apagar. Se reparar, a imagem do meu post denuncia a gravidade do caso que transcende as nossas próprias fronteiras geográficas que nos trata prisioneiros de "erros que estão a afectar os nossos filhos"

Cordialmente.

Anónimo disse...

Mas como se mede a qualidade dos Professores?

Com uma avaliação em que não é o Professor ou o seu trabalho que é avaliado mas sim aquilo que ele escreve no relatório e do qual tem documentos justificativos (as célebres evidências)?

O problema da Matemática reside no facto da grande maioria dos Professores em vez de ensinar os meninos a raciocinar e a perceber o porquê das coisas impinge-lhes receitas. Muda-se a ordem dos condimentos e a receita deixa de funcionar...

Memorizar sim, mas depois de compreender!

Só duas questões para o comum dos mortais: por que é que 2 vezes 7 são 14? E será igual a 7 vezes 2?

Querem atrever-se a responder os ilustres comentadores anteriores às 3 questões que aqui coloco?

ANI (Professor do 1º CEB)

joão boaventura disse...

Caro ANI

As respostas pode encontrá-las nos engenheiros, arquitectos, médicos.

Quem os avalia ? Não será as obras que cada um realiza ? Edifícios, pontes, estradas, se depois de concluídas ficam operacionais, os engenheiros e arquitectos ficam automaticamente avaliados como excelentes.

Se um cirurgião em 100 operações tiver um fracasso, um morto, ele fica automaticamente avaliado como excelente.

Se um professor conseguir que 90% de alunos passaram nos exames, ele fica automaticamente avaliado como excelente.

Daí eu não compreender as altas matemáticas avaliativas, com sondas inquisitoriais, fichas pidescas, escolhas de avaliadores, se internos, se externos, se da área, se de outra área... sobra-nos assim tanto tempo para nos debruçarmos em questiúnculas mesquinhas ?

Não haverá coisas mais importantes para melhorar o desempenho do professor sem ser a desconfiança e a criação de um estigma implantado desde a intromissão da Maria de Lurdes ?

Ou será que a profissão dos professores se trata de uma profissão de outsiders.

Aí temos na sua plenitude, como amesquinhar uma profissão: como classificar cientificamente esse exemplar raro de uma classe profissional.

Anónimo disse...

Medição da qualidade dos professores do ensino superior: pedir aos alunos, por exemplo dois anos depois de completarem o curso, a avaliação de quem os ensinou (já agora: nem percebo porque um professor duma universidade há-se ser funcionário público – os melhores dos melhores não precisam dessa muleta que só serve para perpetuar a mediocridade; e seguramente não terão dificuldade em arranjar um emprego ou criar uma empresa…).
Medição da qualidade dos professores do ensino secundário, e respectiva avaliação: exames nacionais aos meninos, em todos os anos, uma vez por período, a 4 disciplinas (português, matemática, ciências, opção). Comparação das notas de cada aluno com a média nacional, ponderada com a evolução das médias nacionais, e da nota individual). Antes de existirem computadores, impressoras, e internet, isto não era possível. Hoje só não se faz porque não se quer fazer. Sugiro a comparação com o ensino a distância na Austrália (e já agora como é que um Governo que era tão tecnológico não se inspirou na realidade australiana, e aproveitou as tecnologias para não fechar as escolas primárias no interior?!?!).
Memorizar depois de compreender, ou compreender depois de memorizar? Dúvida bizantina… Na realidade o que os alunos têm é de saber, e serem capazes de o provar num exame que os ponha à prova. Se tiver de ser operado por um cardiologista estou-me nas tintas se ele para tirar o curso compreendeu primeiro ou memorizou primeiro, desde que saiba o que está a fazer… Mas para reflexão sugiro-lhe outra dúvida: o que é que deve prevalecer no (a) ensino (b) e na avaliação? A igualdade ou a liberdade?
Pergunta 3: 2x7=7x2 ; sugiro-lhe a leitura de «Naive set theory» do Paul R. Halmos, que é o primeiro que me veio à memória, mas seguramente que algum dos autores do Blog o pode orientar muito melhor do que eu.
Cumprimentos
JM

Anónimo disse...

Ainda sobre o ensino da matemática ver por exemplo:
http://ucsmp.uchicago.edu/index.html
Quando a equipa inicial fez um levantamento dos países com as melhores práticas no ensino da matemática no mundo, obviamente que Portugal não estava no lote…
JM

Rui Baptista disse...

Prezado ANI: Não me considero um ilustre comentador. Apenas fui autor do post que mereceu um comentário anterior ao seu e a que simplesmente respondi na tentativa de esclarecer pontos que poderiam ter deixado duvidas acerca do que nele escrevi.

Certamente estará de acordo comigo que as respostas dadas por João Boaventura e JM respondem em absoluto às suas inquietações. Acrescentar eu algo mais seria estultícia (ou mesmo atrevimento) da minha parte.

Todavia, não resisto a transcrever a opinião de um ex-governador acerca da Reforma Educativa do seu Estado (Flórida) tendo em conta a necessidade de exames para avaliar a soma de conhecimentos adquiridas pelos alunos nos diversos patamares para ascenderam ao patamar superior: “Quem não mede não se preocupa com as coisas”.

Aliás essa é uma das preocupações e soluções do actual Ministro da Educação, Nuno Crato, ao estabelecer exames nacionais para o 4.º, 6.º e 9.º anos do ensino básico e 12.º ano do secundário. E isto, como ele próprio declarou em recente entrevista televisiva, sem o sofisma ou manha de facilitar os exames.

Finalmente, obrigado pelo seu comentário que levou esta troca de impressões a patamares de elevação sempre dignos de registar.

Cordialmente.

Anónimo disse...

O país está sedento de mudanças, mudanças que invertam e permitam vermos luz e a escola também o está. Esperamos mudanças a nível da exigência, na qualificação dos professores, na menor carga burocrática e «papelística» que conduza a um enfoque no que é fundamental- as aprendizagens. Da minha parte, estaria à espera de ver a valorização do português e da matemática; para bem do ensino do primeiro a inclusão do latim nos curriculos mais precocemente (à semelhança da Alemanha, da Áustria, da Bulgária, da Suiça...só para citar alguns) como um modo primordial de facilitar a aprendizagem da nossa língua, de desenvolver o raciocínio e de , principalmente, de devolver à escola o seu papel,a formação leitores competentes.
Alexandra Azevedo

Anónimo disse...

Agradeço as respostas de João Boaventura, JM e Rui Baptista. Estava à espera de JCN...

Claro que numa educação de qualidade o processo deve ser avaliado - medido. Mas o modelo actual não mede nada...

ANI

Anónimo disse...

Para além de ser-se ou não
uma grande sumidade,
ensinar é uma questão
só de personalidade!

JCN

Anónimo disse...

O estalão de um professor
vê-se à distância ou à légua:
não se mede o seu valor
a compasso nem à régua!

JCN

Anónimo disse...

Para o mérito de alguém
se poder avaliar
tem de muito para além
do seu valor se encontrar!

JCN

Anónimo disse...

Designar a coisa por «modelo» é um abuso semântico...
:-)
JM

joão boaventura disse...

Caro ANI

Desculpe mas não concordo com a ideia de que, como diz, "o modelo actual não mede nada", porque contrariamente ele mede e exterioriza o grau de desconfiança que há acerca da classe dos professores, dos seus valores, aptidões, magistério, dedicação e entrega.

Normativamente, dizia-se que os professores subiam automaticamente de escalão. A partir de Maria de Lurdes, essa medida, se era equitativa, "não era ética", porque igualava o trabalho de todos.

Se tirarmos o manto que cobre essa ideia, verificamos que a ética tinha o significado de "não era económica" para o Estado, ou seja, o Estado considerava inútil gastar tanto dinheiro com os professores, porque ele seria mais útil nas obras de fachada.

Mas como o Estado não pode dizê-lo abertamente, o seu espírito maligno encontrou na formulação de fichas de avaliação, estilo puzzle, o processo de esconder a verdade e criar um estigma no professorado, acrescida da acusação de incompetência manifesta nos resultados e no abandono.

Com esta propaganda tapava-se a incompetência do Estado que se vinha manifestando desde o 25 de Abril. Já aqui expressei a veleidade de os revolucionários acabarem com as escolas industriais e comerciais (dos meninos pobres) e os liceus (dos meninos ricos) para igualar a massa crítica dos estudantes.

Meterem-se todos os meninos (pobres e ricos) no mesmo contentor chamado escolas secundárias, o que supostamente igualaria a massa discente, com o resultado catastrófico de luta de classes, salvo seja, dentro das escolas, com a intervenção dos respectivos parentes.

Criou-se uma escola de conflitos que perturbaram o ensino, com desvio das finalidades e objectivos dos professores, perante um cenário irreal e para o qual o Estado se pôs na posição de conferir todas as culpas ao corpo docente.

O cenário estava montado a preceito, e o Estado, em vez de remediar o mal implantado, arrastou os professores pela lama, aumentando a conflitualidade no meio escolar.

A propaganda levada ao rubro pelos métodos soazes da avaliação, aumentou a conflitualidade dos alunos contra os professores, o que permitiu criar na sociedade civil que estava descoberta a sede de todo o mal: os professores.

Evidentemente que no momento actual, e perante a crise que entrou agressivamente no país, o Estado encontrou mais um argumento para manter o espírito avaliativo, e agora, como nunca, já é tarde para reconsiderar.

Anónimo disse...

Altero a redacção da última quadra para:

Para o mérito de alguém
se poder apreciar,
como é lógico, convém
ter-se um valor similar!

JCN

Rui Baptista disse...

Prezada Alexandra Azevedo: Comungo inteiramente da sua preocupação com o ensino do Português. Aliás, para mim, disciplina que serve de cimento para um bom rendimento de todas as outras disciplinas ou cursos quer se destinem a formar matemáticos, físicos, médicos, advogados ou professores de Letras, por exemplo.

Qualquer indivíduo, mesmo sem qualquer curso superior, distingue-se pela simples maneira como se exprime oralmente no seu dia-a-dia, já para não falar da expressão escrita em papéis manuscritos. Quanto à má expressão oral basta estar atento aos programas televisivos e a quem se dirige ao público, desde apresentadores a indivíduos carregados de diplomas académicos que atestam a sua ignorância do idioma de Pessoa.

Como deve ter reparado pelo meu esclarecimento ao comentário de Ana, sou defensor do ensino de Latim que praticamente se encontra moribundo (alguns dirão em tom de gracejo: pudera, trata-se de uma língua morta), sendo difícil encontrar latinistas na verdadeira acepção da palavra com excepção do Professor JCN, aqui presente, e em outras ocasiões em vários comentários e correcção de erros.

Este meu comentário tem a suportá-lo, em caboucos, julgo eu, mais sólidos, o post que ontem publiquei neste blogue, intitulado “A Literatura Portuguesa, um funil social?”

Escrevi-o pelos motivos aqui apresentados da forma resumida que o comentário deve consentir (mas que, “mea culpa”, eu ultrapassei) e numa altura em que por Nuno Crato ser um notável matemático e académico muito respeitado possa passar para a opinião pública a ideia errada de ter o português uma importância, ainda que apenas ligeiramente, subalterna. Não tem.

Aliás, o actual Ministro da Educação atribuiu idêntica atenção a ambas as disciplinas aumentando-lhes, de igual modo, as respectivas cargas horárias.

Haja em vista o facto de por vezes os alunos estarem de posse de conhecimentos matemáticos suficientes para resolver os problemas da disciplina de Matemática e o não conseguirem por uma deficiente, ou mesmo má, interpretação dos respectivos enunciados.

Cordiais cumprimentos e obrigado pelo seu comentário.

Anónimo disse...

"idioma de Pessoa" ou idioma... de Camões?! JCN

Rui Baptista disse...

Caro Professor JCN: Em verdade, a expressão mais utilizada é "idioma de Camões". Todavia, julgo que a evocação de Pessoa pela sua notabilidade de poeta e prosador jutifica a evocação do seu nome sem deslustrar, de modo algum, a grandeza do épico autor de "Os Lusíadas".

Anónimo disse...

"mais utilizada" ou mais apropriada? Será que Pessoa é mesmo... um padrão? JCN

Rui Baptista disse...

Caro Professor JCN: Com respeito à escolha entre as expressões "mais utilizada" (por mim utilizada) ou "mais apropriada" (por si tida por mais apropriada), dou comigo a lembrar-me do Padre António Vieira outro gigante das Letras portuguesas.

Mal não me ficaria, julgo eu, ter utilizado, em escolha pessoal, a expressão "idioma de Vieira". São três nomes consagrados merecedores de serem havidos como padrões da utilização vernácula da Língua Portuguesa. Pessoa, com preferência minha, quiçá, por ser contemporâneo de alguns de nós (faleceu em 1935), escrevendo, como tal, dentro de cânones literários mais ou menos modernos grafando as vogais mudas das palavras sem subordinação a um novo acordo ortográfico pouco consensual.

Não quero deixar de agradecera a possibilidade que me deu em apresentar as minhas razões ou fundamentos para ter evocado Fernando Pessoa, embora correndo o risco de uma discussão que eu teria (a sua lhaneza de trato, pela certa me desculpará um possível atrevimento) como um tanto ou quanto bizantina não o sendo, isso sim, se eu tivesse optado, por exemplo, pelo nome do médico e escritor Júlio Dinis que se notabilizou com os livros “Os Fidalgos da Casa Mourisca” e “As Pupilas do Senhor Reitor”, obras literárias adaptadas a filmes de grande popularidade com o mesmo nome.

Possivelmente, perante os seus admiradores e admiradoras. “de todas as classes sociais e por todas as idades ledoras”, seria omissão discutível minha em não referir “o idioma de Júlio Dinis”. Qualquer que fosse a minha escolha entre Camões, Pessoa ou Vieira (excluindo, sem qualquer dúvida ou problema de consciência, o nome de Júlio Dinis) sujeitava-me sempre, bem o sei, àquilo a que a “vox populi” diz ser preso por ter cão e preso por não ter cão. Assumi esse risco. Deliberadamente!

Anónimo disse...

Caro Dr. Rui Baptista:

De Vieira, "imperador da língua portuguesa", mas delator infame, um dia lhe falarei, se para tanto houver lugar. Camões, por seu turno, não tem "jaça", a não ser a má sorte que sempre o perseguiu: nem os ossos são averiguadamente seus. Quanto ao seu "utilizado" Pessoa, permita-me o desabafo:

Pessoa não me convence
nem na prosa nem no verso,
pois quem finge desde o berço
ao meu grémio não pertence!

A respeito das suas sábias ou eruditas reflexões de índole linguístico-literária, ser-me-iam muito proveitossas, se acaso academicamente eu não tivesse já suficiente dose! Muito cordialmente. JCN

Anónimo disse...

Caro Dr. Rui Baptista:

Partilhando do seu ponto de vista, por que não passar-se a dizer, dada a sua maior "modernidade", o idioma do Cochofel, o feioso capitão das hostes neo-realistas do meio coimbrão? Por mim, alinhava! JCN

Anónimo disse...

Gostaria de partilhar a minha experiência como antigo aluno e como pai de alunos de um Colégio referenciado com um dos melhores de Portugal. Tenho como presente, quer no "meu tempo" quer actualmente que o sucesso escolar advém pelo menos de dois de três factores : Escola, aluno, pais. Se os três forem bons, está garantida a excelência escolar. Se dois forem bons, poderemos estar perante um muito bom aluno. Tendo, conforme disse,a sorte de estudar durante 13 anos num bom Colégio, comprovei que os melhores alunos, alguns dos quais são hoje sinónimo de excelência nas suas áreas profissionais, tinham em comum os 3 factores que referi. Não só estavam numa boa instituição, como eram jovens empenhados, como tinham pais empenhados no seu sucesso escolar. E não se pense que eram pais com muita disponibilidade de tempo, pois a maioria dispunha de actividades profissionais bastante intensas.
Esta experiência faz-me ver que muitas vezes o factor "pais" é descurado pelos próprios, como se a escola fosse a única responsável pelos seus filhos.
Num livro de Malcolm Gladwell, o autor expõe um estudo comparativo realizado nos EUA sobre as diferenças nos resultados escolares entre crianças de diversas classes sociais. O estudo concluiu que as crianças da classe alta têm melhores notas que as crianças da classe média e estas, melhores notas que as crianças da classe baixa. Mas a diferença de resultados, não se aprofunda durante o ano lectivo, mas sim no período de férias. Testes realizados em Julho e em Setembro, demonstravam isso mesmo. Ou seja, o maior factor de desiquilibrio, não estava no ensino, mas sim no que se passava durante as férias, o que comprova a importância da atitude dos pais durante este período.

Rui Baptista disse...

Uma arreliadora gralha pousou no meu comentário anterior. Assim, na 6.ª linha do 2.º §, onde está escrito vogais mudas, obviamente, deverá ler-se consoantes mudas.

Rui Baptista disse...

Caro Professor JCN:

Com a devida vénia, agradeço e transcrevo as palavras finais do vosso comentário:”A respeito das suas sábias ou eruditas reflexões de índole linguístico-literária, ser-me-iam muito proveitossas, se acaso academicamente eu não tivesse já suficiente dose! Muito cordialmente. JCN”

E transcrevo-as com o intuito de lhe confessar que nunca me passaria pela cabeça que o meu comentário lhe pudesse trazer algum proveito dada a sua condição de professor universitário e profundo conhecedor do Latim.

Portanto, o proveito foi todo meu competindo-me agradecer-lhe a atenção dispensada ao meu post e aos meus comentários. Cumprimentos muito amistosos. Rui Baptista.

Anónimo disse...

Caro Dr. Rui Baptista: não queira ver nos meus encómios qualquer assomo de mera cortesia, mas sim a expressão do meu apreço e reconhecimento pelo "proveito" que tenho retirado dos seus escritos em áreas que me são particularmente caras e por cuja devoção muitos terços rezei, queimando as minhas ricas pestanas! JCN

Anónimo disse...

Caro Dr. Rui Baptista:

Quando o Padre Miranda, autor da gramática latina por que todos mais ou menos estudámos, a leccionar as disciplinas de Português e Latim no Liceu Sá de Miranda, em Braga, dava aulas de língua portuguesa, chamava-lhes de Latim Moderno, reservando para as de Latim a designação de Português Antigo. Humor à parte, nada mais certo!

Isto para despretensiosamente lhe recordar, se mo permite, que a sua asserção de que "muitas palavras portuguesas têm origem latina" não será a mais conforme com a realidade linguística em apreço, já que o idioma luso, todo ele, estruturalmente falando, nada mais é do que uma das muitas formas que a língua latina foi tomando ao longo da sua plurissecular evolução. Em certo modo nós, portugueses, assim como nos regemos pelos princípios fundamentais do Direito Romano, também nos expressamos na mesma língua que Cícero falou, salvas as distâncias de qualidade e tempo. Ainda que barbarizados, temos a marca de Roma: queiramos ou não! JCN

Rui Baptista disse...

Caro Professor JCN: Aqui estou eu a desculpar-me (ou mesmo a redimir-me) por ter ido atrás do que o vulgo nos diz terem "muitas palavras portuguesas origem latina".

Perante a vossa chamada de atenção, que muito proveito cultural me trouxe, desobriguei-me, em face da vossa clara explicação, e sólido conhecimento do Latim, de consultar(numa época em que em simples, mas nem sempre fiável, consulta à Wiikipedia, qualquer um pode fazer passar-se por “sábio”) a minha inseparável companheira de longos anos e prestimosos serviços: a "Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira".

Benfazeja marca de Roma!

Cordiais cumprimentos

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