sábado, 23 de janeiro de 2010

Originais e sucedâneos

No dia 31 de Dezembro publicámos o poema “Receita de ano novo” de Carlos Drummond de Andrade, numa escolha de Paulo Rato, um confesso amante da poesia.

No espaço dos comentários, uma leitora reproduziu partes de um texto atribuído a Drummond de Andrade. Não reconhecendo esse texto, Paulo Rato procurou-o na Internet, do que resultou a resposta que deu à nossa leitora, na qual alertava para a falsidade da atribuição.

Tendo ficado a pensar no assunto, que não é de menor importância, sugeriu-nos que no De Rerum Natura se sensibilizassem autores e frequentadores de blogues para os surpreendentes “ataques à boa saúde da poesia”.

Assim, decidimos reproduzir a referida resposta para que mais leitores possam ter acesso ao seu conteúdo. Decidimos também tratar oportunamente este assunto de modo mais aprofundado.

"Vera
Fui à procura do poema de que cita alguns excertos ("Fácil... Difícil...) e não o encontrei na "Obra Poética de Carlos Drummond de Andrade". Dos títulos publicados postumamente, tenho Farewell e O Amor Natural (belíssima colectânea de poemas eróticos que o autor não permitiu que fosse publicada antes da sua morte). O prefácio do primeiro refere ainda um outro, cujo título - Aforismos - afasta, por si só, a inclusão do arrazoado que, pesquisando na Net, acabei por encontrar, com milhaaaares de referências, louvado seja Belzebu (virtual)!
As versões que consultei, poucas (que não tive pachorra para mais), mas ainda assim com discrepâncias entre elas, confirmaram o que já suspeitava: como muitos outros textos que infestam a rede, falsamente associados a grandes poetas, as ditas cujas não têm (nem de longe!) qualidade que justifique atribuí-las ao imenso Carlos Drummond. Nem mesmo com o "título original", igualmente apócrifo, de "Reverência ao destino".
Já denunciei publicamente vários desses embustes, nomeadamente um escrito completamente parvo, que por aí pulula, imputado a Fernando Pessoa (completamente inocente), e que veio a ser escarrapachado no Público pela jornalista Laurinda Alves, sob o título A coragem de Pessoa, o que me fez perder a paciência, tal como a outros leitores, que comunicaram o desacato ao Provedor do Jornal.
O artigo publicado, citando vários dos queixosos e com a intervenção da própria Casa Fernando Pessoa, deixava tudo muito clarinho, mas... foi inútil: ainda há poucos dias me "re-fordwardaram" o detrito.
Enfim, cara Vera, desfrute a Receita de ano novo e esqueça aquele amontoado de tolices que a fizeram, muito justamente, desconfiar da coerência do seu autor.
De resto, como costumo recomendar a propósito destas vigarices, desconfie desse tão propalado instrumento de "democratização da intervenção do cidadão", onde seja quem for despeja seja o que for, sem sequer alertar, como outrora - "Água vai!"
Viva a Internet! viva! - sim, mas abordada cautelosamente, com armadura crítica sólida e bem temperada. Com a preocupação de distinguir os blogues de qualidade (como este e alguns - não muitos! - outros) e os sites de instituições credíveis e com prestígio a defender, do burburinho ininteligível e dúbio da multidão.
E sem esquecer um bom elmo, que nunca sabe o que lá vem...

Cordialmente,
Paulo Rato

2 comentários:

Anónimo disse...

GUARDAR O SONHO

O Sonho começou a pressentir-se
antes de na Obra um dia se pensar
devendo por destino esta cumprir-se
para em si mesmo o Sonho se guardar!

Que importa, pois, que os galeões de vez
no salso mar houvesse naufragado,
se foi assim que o Império se desfez
para outra vez voltar a ser sonhado?!

Se em Alcácer-Quibir morreu outrora
numa tarde de Agosto, abrasadora,
a flor da fidalguia portuguesa,

não foi, acaso, ao malograr-se a empresa
que se identificou com a nação
o tresloucado D. Sebastião?!...

Nota - Experimentalmente incluído, sob anonimato, em alguns blogues de bom nível cultural, como a NOVA ÁGUIA e a SERPENTE EMPLUMADA, este poema passou por ser de Fernando Pessoa, tendo alguém comentado: "Tomara ele!". Como são as coisas! JCN

Anónimo disse...

Na mesma altura e nas mesmas condições, foi dado a conhecer o poema que, encontrado numa folha solta em determinado alfarrabista da capital, adiante se transcreve e que igualmente foi atribuído ao poeta da "Mensagem". "Inquestionavelmemte" - chegou a afirmar-se. "Limpinho" - foi o termo usado. Só que uma leitora mais atenta ou porventura mais bisbilhoteira descobriu que o poema já havia sido publicado no acreditado blogue da ALTERNATIVA sob o nome do respectivo autor, que não importa referir aqui, e foi então, para os opinativos comentaristas e fâs de Pessoa, uma tremenda decepção: desautorizados! Que raiva! Ei-lo, sem título:


Deus fez o Sonho, o Homem fez a Obra:
a Obra por si mesma desabou,
porém o Sonho, que jamais sossobra,
desfeita aquela, ainda perdurou!


O Sonho é tudo, a Obra quase nada!
e como tudo quanto o Homem tece,
a Obra passa, e o Sonho permanece
mesmo depois da Obra fracassada!

O que importa não é chorar de pena
mas persistir no Sonho até o fim,
como se o resto não valesse a pena!

Com Dom Sebastião sonhando em mim,
venham derrotas, logros e traições
que para mim... serão ressurreições!


P.S. - Ele há coisas! JCN

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