segunda-feira, 11 de maio de 2009

Abraço quântico nacionalista

Com a devida vénia, transcrevemos o texto do jornalista Luís Pedro Nunes publicado na última revista "Única" do "Expresso" sobre os disparates quânticos com que um português ganha a vida na Brasil:

Para dizer bem de um português vale tudo? Até mandar para o lixo a Física Quântica?

Anda por aí uma onda de nacionalismo bimbo que não tem explicação. Tudo serve para nos inflar. Do cão de Obama ao milagre azeiteiro do Condestável passando pelo jeitinho português que Barroso garante ter levado para Bruxelas até, imagine-se, à escolha que um site de humor norte-americano fez sobre as palavras que supostamente fazem falta ao léxico inglês. O termo português 'desenrascanço' é necessário ao vocabulário inglês, dizem. E o que é isso? "É um bigode arranjado de emergência com pêlos púbicos." Ah, que orgulho... Eles bem queriam ter palavra 'desenrascanço'. Mas não têm... por essas é que lá fora se aprecia muito o jeitinho do Barroso. Decidi deixar-me contagiar.

E vi, de facto, como a inveja grassa entre nós. Constatei que um amigo meu, cientista, só porque trabalha num daqueles superaceleradores de partículas que querem abrir um buraco negro e engolir o Universo e desta forma terminar o doutoramento com brilharete, resolveu denegrir um compatriota nosso que apareceu há dias na RTP numa peça do correspondente no Rio de Janeiro, Pacheco de Miranda, sobre um curso de Terapia Quântica em que "os portugueses já conseguem ensinar em vários pontos do mundo!". Qual Manoel da Panificação. Agora Física Quântica quentinha em três minutos.

Na peça aparece uma moça ligada por uns fios aos tornozelos e uma banda na cabeça a um computador aparentemente banal. O engenheiro José Joaquim Lupi, o nosso compatriota no Brasil, revela candidamente o que faz a Terapia Quântica. "Vai buscar matrizes de base energéticas de tudo o que existe, de elementos físicos, mentais energéticos, emocionais e assim podemos testar uma coisa que está na ponta de tudo o que é medicina e que é a reactividade electrofisiológica do corpo humano, e depois com um programa de Inteligência Artificial dos mais sofisticados do mundo conseguimos reequilibrar virtualmente todo o sistema energético." Só nesta frase eu leio o suficiente para juntar um Nobel à beatificação.

Estou a embandeirar em arco de tanto nacionalismo? Se pararmos um frame da peça televisiva do Pacheco Miranda vemos que o sistema de Inteligência Artificial Quântica vai buscar aos tornozelos e à testa em três minutos, de forma não intrusiva, informação para guardar em pastas coloridas que vão de "Florais de Bach" a "Emoções", "Ossos", "Vírus e Vermes". Tudo arrumadinho no ecrã por cores a dar ponta à medicina.

E a alegria que foi no meu lar e o descanso à minha mente. Já não obrigado a ler os Michu Kaku sobre Revolução Quântica, e outros "cientistas na moda obrigatórios" que foram, obviamente, para a reciclagem. Lupi resolveu. Dentro do género guardo o documentário new-new-age "What The Bleep Do We Know", sobre a aplicação da Física Quântica à meditação transcendental. Dá uma aura de guru. É uma daquelas coisas que deixa uma sensação de bem-estar no final de uma noite num visionamento entre amigos, não deixando a casa empestada como o haxixe.

Louve-se o verdadeiro serviço público de televisão prestado por Pacheco de Miranda, correspondente da RTP na Cidade Maravilhosa, ao não se ter deixado impressionar pela comunidade científica brasileira ao chamar a Lupi a "picaretagem lusitana", numa óbvia alusão xenófoba. Fez muito bem em seguir a actual onda de portuguesismo positivo ao ignorar os cientistas brasileiros que rotularam de "fraude" a sua engenhoca da NASA, a CIO (Scientific Consciousness Interface Operations)/QXCI (Quantum Xrroid Conscience Interface) e foram mesmo persecutórios, pois vão ao currículo do nosso Eng. Lupi onde dizem ter descoberto "um amontoado de fraudes".

Cá em Portugal não se investigam CV de engenheiros, e como os espectadores do Telejornal da RTP, através do Prof. Marcelo, sabem, o País precisa é de exemplos positivos de gente que brilha, de forma quântica, lá fora.

Saravá Pacheco, por não teres cedido ao situacionismo do país irmão, e um abraço quântico pra vocês!

“What The Bleep Do We Know” (2004) - Foi o filme/documentário que popularizou a “passagem do paradigma” da Física Quântica para uma terapia cognitiva, uma meditação transcedental que visa a felicidade descrita numa narrativa que envolve Físicos, Psiquiatras, Místicos, Gurus, entre outros. O documentário foi um mega-sucesso, premiado, mas foi qualificado de pseudo-ciência e de misticismo quântico.

Luís Pedro Nunes

3 comentários:

Anónimo disse...

O que me espanta é o arrojo empreendedor dum vendedor de banha da cobra lusitano em terras aparentemente já tão saturadas nesse ramo de negócios. Pelos vistos ainda há um cantinho livre nesse nicho.

Merlin disse...

Para mais informações do professor Maarcelo sigam:

http://portograale.blogspot.com/

Anónimo disse...

OMG! What The Bleep Do We Know” (2004), pois! E Ken Wilber mais os seus "quadrantes"... tudo matéria de uma cadeira numa instituição privada nacional!! :(

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