Novo post convidado de J. Norberto Pires:
Com uma das imagens mais espectaculares da Missão Cassini - Huygens a Saturno desejo a todos Feliz Natal e Próspero Ano Novo.Esta imagem mostra Prometeu (à esquerda, com 102 km de comprimento) e Pandora  (com 53 km de comprimento), duas das luas de Saturno, com o famoso rasto de gelo que constitui o Anel F de Saturno.
Prometeu é um deus especial da mitologia Grega. Roubou o segredo do fogo a Zeus, deus dos deuses, e deu-o aos homens para que evoluíssem e se diferenciassem dos outros animais.Prometeu a trazer o fogo à humanidade (pintura de Heinrich Fueger, 1817)
Como castigo Zeus ordenou ao deus Vulcano que o acorrentasse no topo do monte Cáucaso para ser castigado durante 30.000 anos. O castigo era ser devorado aos poucos por uma águia que todos os dias lhe comia um pouco do fígado, o qual se regenerava logo de seguida porque Prometheus era um deus. Prometeu foi libertado por Hércules ficando no seu lugar o centauro Quíron que se ofereceu para o substituir (Zeus colocou isso como condição). Prometeu foi convidado a regressar ao Olimpo desde que mantivesse a corrente e a pedra a que foi acorrentado.
Prometeu representa a vontade humana na procura de conhecimento, e o roubo do segredo do fogo representa a nossa audácia em procurar o conhecimento e em divulgá-lo pelos outros como forma de evolução (evitando os seres maiores - os deuses da mitologia - detentores de todo conhecimento).
Vulcano a acorrentar Prometeus (pintura de Dirck van   Baburen, 1623)
Mas o castigo de Zeus era também constituído por Pandora (a “bem parecida”) que foi a primeira mulher criada por Zeus com o objectivo de ser um ardil, pois tinha a chamada “caixa de Pandora” onde estavam todos os males (a esperança vinha só no fundo da caixa). Pandora tinha um pouco de todos os deuses do Olimpus: Hefesto moldou-a em argila, Afrodite deu-lhe a beleza, Apolo o seu talento musical, Poseidon a capacidade de não se afogar, Atena a  habilidade de mãos, Deméter a colheita e Hera a curiosidade. Zeus deu-lhe ainda algumas qualidades pessoais e a famosa caixa onde estavam todos os males que afligiriam todos os homens nascidos depois do roubo de Prometeu. Mas Prometeu desconfiou do “presente” e rejeitou Pandora, que achou pouco sensata e fútil, enviando-a a Ephimeteus seu irmão que casou com ela.
Como   Pandora foi feita pelos Deuses do Olimpo (Cylix, 470-460 a.c.)
A virgem Pandora segurando a famosa caixa  (pintura de Joseph Lefevbre, 1882)
A imagem de Saturno, com Prometeu e Pandora, mostra que com este espírito de permanente procura e de partilha de conhecimento o homem foi capaz de chegar onde já chegou, resistindo a todas as Pandora(s) e todos males que anunciavam. Uma permanente e constante fuga ao obscurantismo e à mediocridade que só o conhecimento e a ciência podem proporcionar.
A mensagem do Natal, é uma mensagem de esperança, sem punições e sem seres a quem tudo é permitido enquanto os outros, sem privilégios, vivem na escuridão. É uma mensagem de fraternidade, de confiança nos homens e de olhos postos no futuro.
Gostaria ainda que   lembrassem o grande General Pirro que foi um rei infatigável e muito   trabalhador, mas sem ser propriamente sábio (também hoje, ser “sábio” é algo   acessório). Famoso pelas suas campanhas militares, e considerado por muitos   um dos maiores generais do seu tempo, depois de Alexandre Magno, era   benevolente e amigo do seu amigo.
General Pirro (318-272 a.C.)
No entanto, tinha grandes   defeitos, sendo os mais apontados a impressionante   falta de concentração (muito belicoso mas pouco focado em objectivos   estratégicos e demasiado voluntarioso) e a apetência para esbanjar recursos   (nomeadamente os financeiros: os seus exércitos eram compostos por   dispendiosos mercenários).
            Ficou famoso pela vitória na   Batalha de Ásculo   (279 a.C.) contra os romanos. Obtida muito a custo, Pirro perdeu 3500 homens   e os romanos cerca de 6000. Um aparente sucesso, mas   quando lhe davam os parabéns respondeu: “Mais uma vitória destas e estou perdido”. De   facto, não teria condições para outra batalha com os romanos. São as famosas   vitórias de Pirro.
            
Num tempo onde já não há heróis (veja-se como ruiu o aparente sucesso   ocidental), onde a confiança nas pessoas e nas organizações atingiu um   ponto muito baixo (os campeões do sucesso afinal eram simples jogadores: o grande   general Pirro morreu, diz a lenda, numa das suas mais confusas batalhas   travada em Argos (onde não tinha verdadeiramente objectivos – mais uma   batalha sem sentido), depois de ser atingido por uma telha atirada à sua   cabeça por uma velha que observava a batalha do telhado de sua casa, que ao   atingi-lo o atordoou e permitiu que fosse morto por um simples soldado),   onde de repente ficou evidente para muitos o lado negro e muito assustador   dos homens, vale a pena lembrar que todo o nosso sucesso pode afinal ser uma   vitória de Pirro: aquelas que de facto nos deixam em pior situação.
            
Os nossos sucessos podem   facilmente ser deste tipo se não forem o resultado de uma estratégia bem   delineada, que tem por base verdadeiros ganhos que são necessariamente   civilizacionais e colectivos, num caminho que se faz caminhando,   passo-a-passo, com objectivos de longo prazo que são superiores a nós:   vivendo como pensamos sem pensar como viveremos.
            
É também este o espírito do   Natal, que resiste, apesar de tudo, há mais de 2000 anos.
      
Feliz Natal e Bom Ano Novo.
J. Norberto Pires
Fontes:
Walter Burkert (1985) Greek Religion, Harvard University Press, 1985.
Graves, Robert, The Greek Myths, 1955.
Lenardon, R. and M. Morford, Classical Mythology: Seventh Edition, Oxford, 2002.
Kerenyi, Karl, The Gods of the Greeks, 1951.
Edith Hamilton, Mythology: Timeless Tales of Gods and Heroes, 1942.
 
3 comentários:
Apenas uma correcção (que a discussão sobre o espírito de Natal dava pano p'a mangas): é o centauro Quíron e não o "centurião".
Um Bom Natal!
ooops! gralha...
obrigado!
Com tanta e requintada erudição (de que agradeço a partilha), os meus neurónios arrepiam-se com os 2000 anos espírito natalício! Gostava de o ver a escrever sobre os espírito natalicio se fosse um camponês da Beira Baixa no dia de hoje, a trabalhar na Agricultura de sol a sol.
E que é feito dos outros dias do ano? Só este é importante? Como se até já "sabemos" que a data e o local são uma farsa?
Perdão se não entendi a mensagem sarcástica, mas ao ver estas coisas fico "avergonhado"... e Bom feriado
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