quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

O Técnico, o Tribunal de Contas e a comunicação social - II


A Universidade portuguesa tem conhecido profundas alterações nas últimas décadas, não apenas a nível da governação – nomeadamente a partir da Lei 108/88 da Autonomia Universitária –, mas especialmente a nível do modelo de universidade que desenvolvemos, um modelo em que a investigação foi assumindo progressivamente o papel que detém actualmente. As últimas décadas foram assim anos de consolidação de um modelo universitário em que a qualidade académica é indissociável da qualidade científica.

O vigor das escolas nacionais pode ser apreciado nos números de que nos deu conta o «Reviews of National Policies For Education - Tertiary Education In Portugal - Examiners' Report», publicado em 6 Dezembro 2006. De facto, no período entre 1995 e 2005 aumentou 17% o número de estudantes a estudar em universidades e 70% o número de licenciados e pós-graduados. Por seu lado, no período entre 1993 e 2001 as publicações em revistas científicas indexadas cresceram 67% enquanto em revistas indexadas de elevado impacto científico aumentaram 123%.

Não obstante o sucesso que estes números indicam – e serão certamente modestos comparados com os equivalentes em 2008 -, parece consensual que é necessário preparar o sistema universitário português para os desafios futuros na formação e na criação de cultura, conhecimento e tecnologia, desafios que se colocam já numa escala global. A pergunta que se impõe é obviamente qual o modelo que melhor responde a estes desafios.

Feita esta pergunta, recordemos a orientação que seguimos até hoje e que não difere muito da que foi proposta no século XIX por Wilhelm von Humboldt e da qual constava, como intenção primeira, o saber e a sua constante procura. Embora Humboldt reconhecesse que a investigação e o saber dela decorrente poderiam apontar para finalidades práticas, recusou um fim último mercantilista para a Universidade, isto é, recusou que o seu papel se reduzisse à formação de profissionais. Mesmo aceitando a necessidade de revisitarmos esta orientação de modo crítico, devemos apenas afinar os pormenores que a concretizam, não devemos, pura e simplesmente ignorá-la ou negá-la.

Estas reflexões surgiram a propósito do relatório do Tribunal de Contas sobre o Técnico, que provocou a epifania mediática a que já me referi, nomeadamente durante a sua discussão ontem num plenário muito concorrido do Conselho Científico e hoje numa Assembleia de Representantes convocada para o efeito.

Não me vou deter nos detalhes destas reuniões, que posso apenas classificar como épicas, mas vale a pena transcrever o ponto 4 da moção aprovada (ficheiro em formato pdf) no Conselho Científico, moção que resume o sentimento geral das duas reuniões:
Reafirmar a sua estranheza por os orgãos de soberania, Assembleia da Républica e Governo, continuarem a ignorar as contradições legislativas actualmente existentes entre o enquadramento legal da autonomia universitária e a normativa burocrática, antiquada e verdadeiramente impeditiva do funcionamento normal de uma universidade no século XXI, que hoje se pretende aplicar com base em normas jurídicas que regem a administração central do Estado.
Quiçá por deformação profissional, nunca percebi porque razão temos uma legislação complexa, contraditória e por conseguinte ineficiente. Ultrapassa-me que uma mesma lei possa ter várias interpretações, umas mais espirituais, outras mais literais, ou que proporcione pareceres jurídicos de nomes sonantes da praça a asseverar algo e o seu contrário. Muito menos entendo que numa altura em que a sociedade da informação, a inovação e o desenvolvimento tecnológico enchem a boca de todo o político que se preze, não se perceba que asfixiar as Universidades com a recente esquizofrenia burocrática impedirá que estas cumpram o seu papel, ou antes, matará as Universidades como hoje as conhecemos.

O que surgirá dessas cinzas não será certamente uma fénix renascida muito menos o modelo de Universidade de que necessitamos para responder aos desafios do futuro. Mais do que nunca, ter boas universidades (e bons cientistas) é um factor decisivo para o país. Mas as recentes alterações legislativas não configuram a Universidade de que precisamos. Acho que está na hora de as Universidades serem motores da reforma que urge e não meros espectadores de reformas que não passam de sentenças de morte.

3 comentários:

Anónimo disse...

Cara Palmira

Em tempos de crise financeira e de impostos pesados, a gestão criteriosa dos dinheiros públicos é fundamental. As universidades, financiadas pelo Estado, têm de ser rigorosas na gestão dos recursos financeiros que lhe são atribuídos e têm de prestar contas aos contribuintes, representados por um órgão de fiscalização como é o Tribunal de Contas. Quanto a isto, não há nada a fazer.

Outra questão é a excessiva burocracia na prestação de contas ou na gestão orçamental. Neste caso, é um dever e um direito da universidade reivindicar formas mais expeditas de gerir recursos sem prejuízo do rigor exigido à gestão do dinheiro do contribuinte.

Palmira F. da Silva disse...

Caro António:

O tribunal de Contas não escreveu uma linha que sugerisse que não houve gestão criteriosa de dinheiros públicos. Aliás, se nos reportarmos ao OE, não há nada a gerir: não chega para pagar salários muito menos as contribuições para a Segurança Social que nos impuseram recentemente.

O Tribunal de Contas só disse que tinha alguns procedimentos referentes às verbas próprias eram ilegais porque não cumpriam os formalismos que eles acham nós estarmos obrigados. Por outro lado, disse que os nossos Estatutos publicados há quase 20 anos no Diário da República, que foram passados a pente fino no Ministério antes de homologados, são ilegais no que respeita aos prémios dos funcionários não docentes, contrariando a opinião da Inspecção Geral de Finanças.

Por outro lado, o formalismo que nos obrigam impedem-nos de executar algumas verbas bastante avultadas e que precisamos para funcionar.

Veja lá se percebe: nós angariamos dinheiro de projectos, para comprar reagentes, equipamentos, etc.. e temos de gastar esse dinheiro com calendários e regras que a entidade financiadora impõe. Os prazos são impossíveis de cumprir com esta esquizofrenia burocrática e as regras de algumas entidades financiadoras são incompatíveis com aquilo que o TC quer que façamos! Os overheadas do projecto, cerca de 20% do dinheiro que angariamos, é indispensável ao funcionamento do Técnico, especialmente agora com os cortes brutais no OE, ou antes, com as contribuições à Sefurança Social e o aumento da função pública que não são contemplados.

Palmira F. da Silva disse...

Ah! Esqueci-me da história das delegações de competências que não foi publicada a tempo no DR e que torna «ilegal» a despesa toda de 2006 - porque como é óbvio não há horas no dia nem dias no ano para que os membros do conselho administrativo assinem todos os documentos que o TC diz que deveriam ter assinado!

Mas as nossas críticas não se dirigem ao TC, aliás o ponto 2 da moção aprovada diz explicitamente:

2. Manifestar o seu apreço à forma construtiva como o Tribunal de Contas apontou e esclareceu falhas processuais que não deixarão de ser corrigidas.

As nossas críticas, como refiro no texto, dirigem-se à legislação dúbia que permite ao TC uma interpretação da lei da autonomia completamente diversa de todos os juristas das Universidades e de todos os juristas consultados.

Porque a interpretação do TC leva pura e simplesmente á paralisação da investigação...

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