quinta-feira, 1 de novembro de 2007

O HOMEM INVISÍVEL




















Platão não será propriamente um autor de ficção científica mas em “A República”, linhas 359c-360d) introduziu um dos grandes temas da ficção científica: o homem invisível. Conta a história de um antepassado do rei Giges (c. 687-651 a.C.) da Lídia (uma região da Anatólia), que encontrou um anel mágico que o tornava invisível quando o colocava no dedo. Com o anel consegue entrar no palácio real, seduz a mulher do soberano e mata este para lhe tomar o lugar. Platão discute o tema, pela boca de Glauco, da justiça: “ninguém é justo por sua vontade, mas constrangido, por entender que a justiça não é um bem para si individualmente, uma vez que, cada um julga que lhe é possível cometer injustiças, comete-as” (estou a usar a tradução, publicada pela Gulbenkian, de Maria Helena da Rocha Pereira). O homem invisível julga-se impune.

O tema entrou na ficção científica com o escritor socialista Herbert George Wells (poucos sabem que passou em Sintra largo tempo e que escreveu sobre Portugal), que em 1897 publicou “The Invisible Man” (saiu uma tradução portuguesa em 1909 saída em "A Editora" de Lisboa e várias posteriores). Agora há um cientista que, em vez de um anel mágico, possui uma fórmula que produz num material um índice de refracção igual ao do ar, tornando o material invisível, e experimenta-a em si próprio. A história de Wells originou um filme que se tornou um clássico, “The Invisible Man”, de James Whale, 1933, e, embora a história tenha sido recriada, vários outros como um filme série B famoso por ser muito barato e muito mau, “The Amazing Transparent Man”, de Edgar Ulmer, 1960, e, mais modernamente, “The Hollow Man”, de Paul Verhoeven (o realizador holandês, o mesmo de "Desafio Total" e "Call Girls", tem como formação de base uma licenciatura em física e matemática na Universidade de Leiden), 2000. Curioso é que, tal como em Platão, os homens invisíveis se julgam impunes.

O tema entrou também na banda desenhada e na literatura juvenil. A rapariga do "Quarteto Fantástico" fica mulher invisível quando a nave em que voa o grupo é atingida por raios cósmicos (já no filme de 1960 a causa da invisibilidade era radiação). Os feiticeiros de Harry Potter dispõem de uma capa mágica que lhes confere invisibilidade.

Mas a ciência pode ser tão rica como a ficção. Em 2006 o prestigiado físico inglês John Pendry do Imperial College de Londres juntamente com colegas norte-americanos publicou na “Science” um trabalho em que anuncia a possibilidade real de invisibilidade usando metamateriais com propriedades ópticas especiais. O objecto ainda não foi feito mas quem sabe se um dia este tópico da ficção científica não vai mesmo tornar-se realidade...

2 comentários:

Luís Bonifácio disse...

Esqueceu-se da série britânica do início dos anos 60 "The Invisible man", a conduzir o MG, cujo volante girava sempre, mesmo quando o carro ia em linha recta.

Carlos Medina Ribeiro disse...

Em tempos, no SORUMBÁTICO, houve um "passatempo com prémio" em que os leitores eram convidados a justificar a seguinte frase: «Um homem que fosse invisível seria necessariamente cego».
Houve duas respostas certas, que podem ser vistas [aqui].

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