sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

SIT TIBI TERRA LEVIS

A estupidez coloca-se na primeira fila, para ser vista; 
a inteligência coloca-se na retaguarda, para ver. 
Bertrand Russell

A estupidez humana é infinita,
dizia-o um grande cientista.
Ela é-o, mesmo se erudita,
narcisista, fascista ou masoquista.

Ela não muda de opinião,
porque isso é sempre doloroso:
é bem mais fácil ter sempre razão,
ainda que tê-la seja merdoso.

A teimosia é o condimento
que é mais presente na composição
da estupidez: não paga emolumento

e levanta-se, se dá tropeção.
O teimoso nunca percebe nada,
mas anda sempre erecto na parada!

Eugénio Lisboa

NOVA ATLANTIS

 A “Atlantís” disponibilizou o seu número mais recente (em acesso aberto). Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à informação.

Imprensa da Universidade de Coimbra

Atlantís - review

 

v. 49 (2023)

Sumário

https://impactum-journals.uc.pt/atlantis/index

 [Recensão a] SCHATTNER, Thomas G. & GUERRA, Amílcar (coord.), Das Antlitz der Götter – O rosto das divindades. Götterbilder im Westen des Römischen Reiches – Imagens de divindades no Ocidente do Império romano, Iberia Archaeologica, 20, Deutsches Archäologisches Institut, Madrid, Reichert Verlag, 2019. 324 pp. ISBN 978-3-9549-0423-5

Miguel Ángel Elvira

[Recensão a] CANDIOTTO, Laura & RENAUT, Olivier (eds.), Emotions in Plato, Leiden-Boston, Brill, 2020. 396 pp. ISBN: 978-90-04-42943-7

Livio Rossetti

[Recensão a] CASSIN, Barbara, Quand dire, c’est vraiment faire. Homère, Gorgias et le peuple arc-en-ciel, Paris, Fayard, 2018. 260 pp. ISBN: 978-2213-71-16-14

Leandro Cardim

[Recensão a] MONTEL, Sophie & POLLINI, Airton (eds.), La question de l’espace au IVe siècle Avant J-C. dans le mondes grec et étrusco-italique: continuité, ruptures, reprises, Besançon, Presses Universitaires de Franche-Conté, 2018. 315 p. ISBN: 978- 2848-67-63-88

Pedro Paulo A. Funari

quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

"O ensino e a aprendizagem assentam numa relação humana e não há tecnologia que consiga fazer o mesmo"

David Justino, sociólogo, professor e político, ex-ministro da Educação, deu a sua última aula na Universidade Nova de Lisboa. Recupero (porque é preciso repetir) das notícias dos jornais Expresso e Observador seguintes passagens do seu discurso: 
forma resignada e acrítica com que aceitamos” tecnologias de rastreamento e outras.«Em nome da segurança estamos a abdicar da nossa privacidade» e, portanto, da «nossa liberdade». Neste contexto, «a fé tende a ser mais compensadora quando a razão não tem resposta salvífica” e “o negacionismo mais afirmativo do que a dúvida metódica» (Expresso). 
"(...) afirmou não simpatizar com os «novos profetas», que fazem do professor «um animador da sala de aula». O ensino e a aprendizagem assentam numa relação humana e não há tecnologia que consiga fazer o mesmo." (Expresso). 
«Entendo a educação como uma instituição social com a função fundamental de transmitir o legado do passado às novas gerações. Torna-se para mim difícil entender que a educação não assente no conhecimento, na cultura, no esforço, no rigor, na exigência e na disciplina. O futuro da educação tem de passar pela valorização dessa relação humana. E há que garantir o presente antes de imaginar o futuro.» (Observador)
.

ODE AO REBANHO (REDONDILHAS BEM INTENCIONADAS)

Pensar é só excepção
à tendência bem normal
de repelir a razão
que serve pra fazer mal.

A turba prefere seguir
a palavra do profeta:
obedecer faz sentir 
tudo bom como chupeta.

Pensar por si faz doer,
dá trabalho e faz suar:
caminho próprio fender
é perigoso e dá azar.

Obedecer ao rebanho
dá conforto e sossego:
é bom como tomar banho
e não cria desapego. 

Possuir ideias suas
é solene atrevimento:
exige boas charruas
e algum discernimento.

Sê por isso bem mandado,
bom menino e bem fodido:
pensar por si é pecado 
e torna-se aborrecido!

Eugénio Lisboa

Centro TUMO em Coimbra: “empoderar" ou empenhar a geração futura”?

Por Cátia Delgado

Foi apresentado, ontem, no “icónico edifício dos CTT de Coimbra” o futuro centro de tecnologias digitais criativas – TUMO –, o primeiro a instalar em Portugal, dirigido a 1.500 jovens dos 12 aos 18 anos, com o objetivo de os "capacitar" para “lidar melhor com os desafios e com as oportunidades do mundo do trabalho e da vida em sociedade”, como noticia a Câmara Municipal da cidade na sua página online.

Esta entidade pública surge ao lado de vários parceiros que sustentam e financiam a iniciativa: desde instituições bancárias a empresas das tecnologias. Com início previsto para setembro do presente ano, “os programas são presenciais, totalmente gratuitos e acontecem depois da escola”. Numa “interseção da tecnologia com a criatividade”, os participantes realizarão um “percurso de aprendizagem individual e personalizado”. 

O tutor da iniciativa, especialista em finanças, declara que estamos face a “um conceito educativo inovador e colaborativo com capacidade transformacional” e promete ser possível “aprender ao ritmo de cada um, com base na tecnologia, sem professores”. 

A narrativa deste e de outros atores ligados à iniciativa é bem conhecida, nada, mas mesmo nada tem de inovadordistanciando-se da realidade oferecida pela escola, pretende convencer o público-alvo – primeiramente, jovens e pais – que, com base na abordagem a implementar, se pode ir além dela no domínio de competências complexas que permitem vingar no mercado de trabalho em que os os jovens ingressarão. Aqueles que não as dominem, ficarão para trás

Afirmando-se que é necessário “pôr adolescentes aos comandos da própria aprendizagem” e fornecer-lhes oportunidades de “conhecimento prático” em alternativa ao “conhecimento livresco”, indica-se ser este o caminho para “empoderar a geração futura” (ver SIC Notícias). 

Reforça-se, por isso, uma necessidade que se aponta como vital, quando, na verdade, o que prevalece é a vontade de crescimento de certos setores da sociedade, distantes da educação escolar, deixando, ainda mais vulneráveis, os que, por diversos motivos, se distanciam dessa vontade.

O Coimbra Coolectiva fez, como toda a comunicação social, o anúncio do mencionado centro, de forma entusiasta: 
(...) esta semana demos uma novidade em primeira mão e das grandes! O edifício dos CTT em Coimbra vai transformar-se no primeiro TUMO do país. Trata-se de um centro de tecnologias digitais e criativas com um programa educacional gratuito, complementar ao ensino obrigatório, que põe adolescentes aos comandos da própria aprendizagem. 
E acrescenta: 
Numa semana em que milhares de professores reivindicam melhores condições de trabalho, de vida e escolas melhores para os nossos miúdos e miúdas, ficamos a saber que em Setembro abrem-se as portas para o que parece ser um excelente e inclusivo estímulo pedagógico para esta e as futuras novas gerações. Ainda por cima resultante do esforço conjunto de empresas, empresários e fundações com o apoio também da autarquia
Para os milhares de professores – profissionais de educação, especializados e especialmente mal remunerados por comparação aos que integram esta campanha – que se debatem pelas devidas melhorias nas suas carreiras e por conseguirem melhores condições para ensinar os alunos que se querem atrair para o referido centro, a narrativa em causa só pode ser entendida como uma declarada afronta. 

Carentes de financiamento, que se lhes nega, para proporcionar a todos os alunos da escola pública condições dignas de aprendizagem, veem-se, mais uma vez ultrapassados, pela “boa vontade” e “ação benemérita” de empresas e da própria autarquia, representante do Estado que deveria priorizar o setor público e olhar, primeiramente, para questões que influenciam, diariamente, o bom funcionamento das escolas, no caso, em Coimbra. 

É, por exemplo, elevado o estado de degradação de diversas escolas da região (uma delas situada mesmo ao lado do edifício escolhido), que receberiam de muito bom grado os vários milhões investidos na iniciativa, alguns deles atribuídos pela autarquia (quatro milhões apenas nos primeiros 4 anos do projeto). 

Trata-se, é bom de ver, de um programa estratégico de formação, subsidiado por todos nós, que beneficia em primeiro lugar, nao quem diz beneficiar, mas os seus mentores, afetos a empresas da área das tecnologias e finanças.

Ao propagarem que "facultam" aos jovens, “sem custos”, oportunidades que a escola não lhes dá, parecem ir ao encontro dos seus interesses e motivações, mas tem, efetivamente, em conta as suas necessidades de empregabilidade .

De notar que o referido programa nasceu na Arménia, existindo, atualmente 14 centros espalhados por diversos países, como Alemanha e França. Há a promessa de mais centros em Portugal.

AO LADO DOS PROFESSORES, PAIS E ALUNOS QUE LUTAM PELA ESCOLA PÚBLICA

Por A. Galopim de Carvalho

É com estes - professores, pais e alunos - que sempre alinhei e continuarei a alinhar enquanto tiver voz. 

A luta dos professores, numa determinação e intensidade nunca vista, traz ao de cima a degradação a que chegou este grande pilar de qualquer sociedade democrática. Antes de me pronunciar por esta luta que, a todas as horas, nos entra em casa, através de todos os canais de televisão nacionais, detenhamo-nos na referida degradação, afirmando, desde já, que não estou aqui para agradar ou desagradar a quem quer que seja. Estou apenas a revelar a análise que faço de um problema nacional que sempre me preocupou.

À semelhança do que se passou com a Primeira República, a classe política, no seu todo, a quem os Capitães de Abril, há quase 50 anos, generosa, honradamente e de “mão beijada” entregaram os nossos destinos, mais interessada nas lutas pelo poder, esqueceu-se completamente de facultar conhecimento, civismo, cidadania, em suma, à sociedade que libertou.

Entre os sectores da vida nacional que nada beneficiaram com esta abertura à liberdade e à democracia está a educação. E, aqui, a ESCOLA FALHOU COMPLETAMENTE. Se não mudarmos grande número dos paradigmas que têm sido os nossos, não merecemos os cravos que os militares de Abril nos ofereceram. 

A iliteracia cultural e científica, mesmo aos níveis mais básicos, de uma parcela importante da nossa população, a irracionalidade e violência associada ao futebol são prova dessa absoluta falência e a sucessiva e elevada abstenção em actos eleitorais, são a prova provada desse falhanço. 

Parcela importante da nossa população, a quem a Escola deu diplomas, mas não deu a educação, a formação e a preparação essenciais a uma cidadania plena.

Educação, formação e preparação, três grandes défices que o Dr. António Costa, em começos do seu mandato, como Primeiro-Ministro, vai para sete anos, disse serem sua grande preocupação. Défices que o populismo, a que a democracia deu voz, a arrasta para um modelo de sociedade que a História já mostrou que sempre, a todos, amordaçou. 

No que respeita o nível e exigência de ensino nas nossas escolas, não aprendemos nada com o ideal da Instrução Pública posto em prática na Primeira República.

No preâmbulo do Decreto de 29 de Março de 1911, lê-se:
“Portugal precisa de fazer cidadãos, essa matéria-prima de todas as pátrias”. 
Pergunto muitas vezes que infelicidade caiu sobre uma significativa parcela do nosso povo, que rejeita, com o sorriso da ingenuidade ou da iliteracia, tudo o que convide a pensar, a reflectir sobre si mesmo e sobre o que o rodeia. Um mundo, tantas vezes, nas mãos de políticos incompetentes e oportunistas de que a nossa sociedade está cheia, onde, de há muito, impera a corrupção, o vírus do futebol profissional e a promiscuidade entre a política, o poder económico e a justiça.

Uma parcela que bebe toda a alienação que lhe é servida de bandeja por uma comunicação social, em grande parte, prisioneira de interesses ligados ao grande capital. Ocorre-me dizer que levamos quase cinco décadas, em que o “gosto pelo saber” foi institucionalmente substituído pela preocupação com o “sucesso escolar”, visando as estatísticas.

Claro que há muitos bons Professores que contrariam esta política, mas a generalidade do sistema que governa este importantíssimo sector da vida nacional, mais do que ensinar, promove a amestragem dos alunos a acertarem nas questões que lhes são colocadas nos exames finais. Neste quadro decepcionante todos perdemos. 

Perdem os professores, amarrados que estão a directrizes que não controlam, perdem os alunos e, em consequência, perdemos todos e perde Portugal. 

Postas esta considerações prévias, voltemos à luta dos Professores. 

Devo começar por dizer que tenho pena do Ministro da Educação e do seu apagado Secretário de Estado, ao vê-los vaiados por multidões de manifestantes. Acompanho o seu desconforto no papel de escudo do seu próprio governo face à pressão reivindicativa de professores, pais e alunos. É por demais evidente que o Dr. João Costa vai para a mesa das negociações com os representantes dos professores, bem ciente das “linhas vermelhas” que não pode ultrapassar ou, melhor dizendo, que o ministro das Finanças lhe impõe. Mas o que me vem à ideia, é que ele as aceita, porque, caso contrário, já teria “batido com a porta”. 

Mais uma vez, é minha convicção que os temas ou pontos em debate, todos, sem excepção, não passam de remendos num edifício obsoleto, de há muito a precisar de ser demolido de raiz para, em seu lugar, surgir outro, concebido e levado a cabo, numa profícua colaboração entre governos e oposições, para durar três ou mais legislaturas e que envolva gente verdadeiramente capaz de o concretizar, visando com especial atenção:
- as dotações orçamentais adequadas; a formação e a avaliação (a sério) dos professores, os programas e os manuais de ensino;
- a escolha criteriosa dos titulares da respectiva pasta; uma completa revolução na respectiva máquina ministerial;
- a necessária dignificação dos professores, num conjunto de acções, envolvendo, salários compatíveis com a sua relevância na sociedade, colocações, libertação de todas as tarefas que não sejam as de ensinar e outras, postas em evidência nas suas reivindicações.
A terminar, saúdo os professores (sem esquecer os educadores) das nossas escolas e reafirmo que os considero os pilares da sociedade e, uma vez mais, dizer a governantes e governados que é necessário e urgente restituir-lhes a atenção, o respeito e a dignidade a que têm jus.

Galopim de Carvalho

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

DE VOLTA DA GUERRA

De volta da guerra, o mundo mudou: 
mudou o mundo e também o guerreiro,
a luz é outra, o sonho tombou
e o futuro vestiu-se de coveiro.

O fim da guerra não é recomeço:
a guerra acaba, mas não acaba
dentro de nós: ficamos do avesso
e, à volta de nós, tudo desaba!

A guerra faz mais mal do que o que faz, 
destrói mais do que aquilo que destrói: 
depois dela, há tudo menos paz 

e fica sinistra a palavra herói. 
Nenhuma guerra tem nunca um fim
se se copiou o crime de Caim! 

Eugénio Lisboa

Novos títulos da Gradiva

 

Gradiva Publicações
Novidades Gradiva - Janeiro 2023 | Disponível a 24 de Janeiro: "Galileu em Pádua: Os dezoito melhores anos da minha vida", de Alessandro De Angelis. De €20,00 por €18,00.

Quando, aos 28 anos, Galileu Galilei obtém a prestigiante cátedra de Matemática da Universidade de Pádua, tem tanta fama de cientista genial como de pessoa conflituosa. Não se licenciou, bebe demasiado, frequenta bordéis; um pequeno poema grosseiro contra os professores custa-lhe a renovação do contrato em Pisa, enquanto em Bolonha mente sobre o seu currículo. E, no entanto - sem descuidar os prazeres da vida, que adorará partilhar com o amigo Sagredo -, em Pádua, Galileu fará a sua entrada no milieu da cultura e da política mundial; verá nascer os seus três filhos; e apontará o cannocchiale para o céu nas suas primeiras observações, que mudarão a história do mundo.

Alessandro De Angelis revela um Galileu pouco conhecido, imperfeito, memorável, num livro que, assentando numa rigorosa pesquisa história, joga com os mundos da ficção e da não ficção e narra os dezoito anos desregrados e tempestuosos que Galileu definirá como «os melhores da minha vida».
 

Leia aqui um excerto. 
Disponível a 24 de Janeiro: "Jutlândia: As Grandes Batalhas Navais", de Jean-Yves Delitte. De €19,50 por €17,55.

31 de Maio de 1916.

Depois de mais de dois anos de espera e de algumas ocasiões perdidas, a Royal Navy inglesa e a Kaiserliche Marine alemã preparam-se para se defrontar no Mar do Norte, ao largo da costa dinamarquesa da Jutlândia.

Esta será a última grande batalha naval da Primeira Guerra Mundial e provavelmente um dos maiores combates épicos da história marítima.

As Grandes Batalhas Navais - uma colecção que levará os leitores ao coração das maiores batalhas navais da história, desde a Antiguidade até à Segunda Guerra Mundial. Cada álbum inclui ainda um detalhado dossier histórico que descreve rigorosamente os factos.
 

Leia aqui um excerto. 
"Amesterdão", de Ian McEwan.

Amesterdão
Ian McEwan

 

€13,63 12,27


Numa gélida manhã de Fevereiro, dois velhos amigos - agora figuras sociais destacadas - reencontram-se num crematório londrino para prestar a última homenagem à antiga amante comum, Molly Lane. Nos dias que se seguem ao funeral desta, os homens estabelecem um pacto cujas consequências nenhum deles poderia prever. As decisões morais que então tomam fazem a sua amizade ser testada até ao limite e colocam em risco as carreiras de ambos.

Com este trio, McEwan engendrou um conto moral contemporâneo e uma sátira esplêndida. Um romance fabuloso, revelador da sabedoria, do humor desarmante e do talento extraordinário deste autor para prender o leitor do início ao final da obra, tentando desesperadamente compreender porquê Amesterdão.

 
«McEwan é um mestre do pesadelo sereno.»

ANITA BROOKNER, The Spectator

MIGUEL REAL E O PROBLEMA DE PORTUGAL



Meu artigo no último As Artes entre as Letras:


Miguel Real (MR), o nome literário de Luís Martins, cuja obra publicada começou há mais de 40 anos, é, para além de romancista, dramaturgo e crítico literário, um ensaísta cuja produção é imprescindível para quem se interesse pela cultura portuguesa. Relevo aqui Portugal. Ser e Representação (Difel, 1988), Pensamento Português Contemporâneo. O Labirinto da Razão e a Fome de Deus. 1890 – 2010 (Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 2011), A Vocação Histórica de Portugal (Esfera do Caos, 2012) e Traços Fundamentais da Cultura Portuguesa (Planeta, 2017). Portugal é um problema difícil – ocorre-me um cartoon de João Abel Manta dos tempos da Revolução de 1974, intitulado «Um problema difícil», que mostra uma turma com os maiores intelectuais e estadistas a olharem para um mapa de Portugal. Pensadores como António José Saraiva, Eduardo Lourenço, José Eduardo Franco, José Gil e, precisamente, MR, tornaram o problema menos difícil. Baseados na história do país, souberam trazer ao de cima os traços fundamentais da cultura nacional.


Uma faceta recorrente da cultura nacional consiste na indagação das razões para o nosso atraso no desenvolvimento, em comparação com outros países europeus. É injusto atribuir esse desfasamento aos tempos de Salazar e Caetano, uma vez que já no século XIX e mesmo antes estávamos arredados das posições dianteiras. Mas, nos séculos XV e XVI, teve lugar a saga dos Descobrimentos, que fez o país ocupar pelo mesmo uma página nos livros de história universal. O que se passou, entretanto? A questão preocupou a geração de 1870. Antero de Quental, em Causas da Decadência dos Povos Peninsulares (1871), disse: «A decadência dos povos da Península nos três últimos séculos é um dos factos mais incontestáveis, mais evidentes da nossa história: pode até dizer-se que essa decadência, seguindo-se quase sem transição a um período de força gloriosa e de rica originalidade, é o único grande facto evidente e incontestável que nessa história aparece aos olhos do historiador filósofo.»


MR parte da filosofia e da história, disciplinas que domina, cruzando-as de modo fértil com a literatura e a religião. Escreveu sobre o Marquês de Pombal, que mais de cem anos antes de Antero, atribuiu a factores de ordem religiosa – a malvadez dos jesuítas - a decadência portuguesa. E escreveu também sobre o jesuíta António Vieira e sobre o sebastianismo que Vieira, à sua maneira, personificou, o qual vê tempos de grandeza no futuro. MR não subscreve as teses pombalinos da tenebrosidade dos jesuítas. Comenta em Traços Fundamentais da Cultura Portuguesa: «Se a identidade cultural fundamental de Portugal se prende com os Descobrimentos, ela não teria sido criada sem, num segundo momento, desde o século XVI, o valiosíssimo contributo dos jesuítas: a rede de colégios criados pela Companhia, formando elites nativas de mentalidade europeia; o alto nível cultural dos seus membros, difundindo as realizações científicas europeias, fundindo as línguas deste continente com as ultramarinas na formação de crioulos, estabelecendo aulas de gramática, retórica, dialéctica, mecânica, matemática por todo o mundo».


Vieira é um dos expoentes desse contributo jesuíta. Escreve MR no mesmo livro: «Por via da obra do padre António Vieira, numa dialéctica cristã entre expiação e redenção, Portugal encontra finalmente, e paradoxalmente, no século de maior decadência, a justificação ideológica que para sempre fundamentará a sua imagem providencialista de pátria gloriosa, superior às restantes pátrias europeias». É óbvio que Portugal não deve ter qualquer propósito de superioridade em relação aos outros países europeus: a mensagem vieirina soa hoje a utopia mística. Mas a questão persiste:  Por que razão, como está na capa de A Vocação Histórica de Portugal, Portugal é «um país em construção, mas parado.  Um país bloqueado» (note-se que o livro é de há dez anos, quando a troika mandava). O autor responde nesse livro, numa passagem lapidar: «Bom governo seria hoje aquele que, por múltiplos meios, apostasse em fazer de cada português, não um robot técnico de fato cinzento, camisa azul e gravata verde ou amarela (actual fato-macaco do cidadão-técnico, que é sempre um cidadão inconscientemente instrumento de cruéis estruturas económicas), mas um homem culto consciente do seu lugar na sociedade e na história. Portugal precisa menos de um choque tecnológico (experimentado pelo pombalismo, pelo fontismo e pelo cavaquismo. cujas consequências em nada mudaram o nosso ser. limitando-se a uma mera actualização de instrumentos técnicos ao serviço da sociedade civil e do aparelho de Estado) e mais de um choque cultural, elevando cada cidadão a um exigente patamar de conhecimento humanista e cívico que, por arrasto, geraria inevitavelmente o desejado choque tecnológico. Primeiro, a cultura, o espírito, o sentido de transcendência; depois, por inevitável arrasto de exigência cívica, o progresso tecnológico.»


Eu não diria melhor. MR tem uma visão cultural do país, uma visão que está infelizmente hoje como no passado ausente da governação. É nesta altura que um grupo como a Seiva Trupe do Porto é vítima de uma tentativa de extinção às mãos dos burocratas da administração cultural. E é também nesta altura que os professores são obrigados a fazer greves e a manifestar-se (lembro que MR é, de raiz, professor do ensino secundário, uma profissão entre nós tão maltratada) para verem respeitados princípios básicos da sua dignidade.


É preciso ler MR para percebermos melhor quem somos. Somos ainda, infelizmente, o que temos sido. Mas, sem sebastianismos absurdos, tenhamos esperança de que venham aí dias melhores.

Depois de muitos passos em frente, alguns passos atrás?

Por Cátia Delgado

A “enxurrada tecnológica” na educação escolar, a que, desde o início deste século, temos assistido mais ou menos passivamente, deslumbrados que andamos face à promessa de obtenção de ambientes e instrumentos altamente estimulantes, dinâmicos e vanguardistas, dá sinais de começar a ser travada. 

É o caso do chatbot, tão falado nas últimas semanas nos meios de comunicação social, por ser apresentado como uma ferramenta elaboradíssima que joga “em favor das escolas”, prometendo “soluções úteis” para alunos e professores, mas, sobretudo, por realizar, para uns e para outros, os mais diversos tipos de trabalhos académicos, todos eles “originais”.

Ora, nos Estados Unidos da América, país tendencialmente pioneiro em matéria de inovação tecnológica aplicada ao ensino, há já distritos escolares que, para "proteger a honestidade académica" e evitar a óbvia fraude, estão a banir a referida ferramenta, como noticiado pela Forbes

É que, no respeitante aos alunos, a ferramenta impede, precisamente, o desenvolvimento das competências que a produção de muitos trabalhos escolares deve promover: o pensamento crítico e a resolução de problemas. 

A preocupação dos professores reside em vários fatores: a rapidez com que o chatbot responde às solicitações, promovendo o imediatismo e a falta de pensamento, a facilidade de acesso por parte de qualquer estudante; a atratividade para os jovens é evidente, mas promove a desonestidade e a iliteracia, pois algumas informações que integra são, de facto, falaciosas.

domingo, 22 de janeiro de 2023

UM POETA NO ALENTEJO

Soneto dedicado a José Régio, que li, no dia 19, na Casa-Museu do escritor, em Portalegre, por ocasião da sessão que ali lhe foi dedicada.

Caro poeta do Alto Alentejo,
nesta pátria que à força escolheste,
teu magnífico e forçado ensejo,
de descobertas em que te escondeste,

neste fértil desespero, viveste
uma vida de solidão fecunda:
em magna aventura, tu cresceste,
dando-nos obra vasta e profunda.

Neste Alentejo, teu nobre brasão,
esculpiste grande parte dessa obra,
que preservar é nossa obrigação.

Dessa solidão criativa, sobra
um património cheio de memórias
de aflições que se volveram vitórias!

Eugénio Lisboa 
04.01.2023


quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

HOJE 19 DE JANEIRO NO ESPLANANDO NAO PARQUE DAS NAÇÕES EM LISBOA


 

Falácia da máquina, obviamente induzida por humanos

Na sequência de textos anteriores (ver aqui e aqui) e voltando ao trabalho jornalístico de Isabel Leiria (ver aqui):

Com o surgimento de programas de computador destinados a produzir textos de qualquer género, é de prever que o negócio de "produção artesanal" destes trabalhos esteja em vias de extinção. Acontece a muitos negócios...

O programa desse tipo, de acesso livre, que foi agora divulgado (ChatGPT), gera "conteúdos escritos em segundos, sobre quase tudo, de forma original e como se fosse escrito por um humano", "textos coerentes e factuais", explicou a mencionada jornalista, que o experimentou, acrescentando:
"De imediato, carater a carater, o documento começou a aparecer à minha frente como se estivesse a ser datilografado por um par de mãos invisíveis"..
Se assim é, para quê pagar a uma empresa para se obter um produto que se pode obter de graça? Como alguém me disse, um texto saído da máquina, se for sujeito a uma edição expedita, passará por um texto académico sofrível. Mas será fraude académica, tal como quando se encomenda a outrem? O próprio programa "respondeu" o seguinte a Isabel Leiria:
“Apesar de o ChatGPT poder ser usado como uma ferramenta muito útil para gerar um texto, também comporta um risco associado ao plágio académico […] É importante usá-lo de forma responsável. Assegurando que o texto gerado é original e faz as devidas citações, é possível recorrer ao ChatGPT de forma ética e cumprindo os standards académicos”. 
Falácia da máquina, obviamente induzida por humanos. Claro que é fraude! Apresentar como nosso um texto que não pensámos, que não escrevemos não pode deixar de ser fraude.

O desafio que se coloca aos professores é o que um professor, Rui Sousa Silva, referiu à jornalista: se conhecermos os alunos seremos capazes de perceber "se foram os verdadeiros autores dos textos". Mas, para isso, os alunos, mesmo que estejam no ensino superior, precisam de ser acompanhados, o que envolve tempo e dedicação. Acontece que neste nível de ensino, há muito que a docência deixou de ser prioridade.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

O que me compungiu mais na vida

O que me compungiu mais na vida
Foi um aluno, uma criança,
Que há dias me chamara de maluco.
Eu não posso mudar nada:
Não posso reter o que nasce
E crescendo atravessa o olhar.   
Mas continuarei a amar-vos,
E, mais do que esperança, estou certo
Que aqui alguém se torne adulto.

terça-feira, 17 de janeiro de 2023

Ainda rente ao brasido o inverno principia

Ainda rente ao brasido o inverno principia.

Ainda está sobre a meda de trigo o teu rosto

E uma nuvem enovelada de moinha.

Ainda o sorriso aquiescente ergue o cansaço.

Ainda os braços arrastam para a pele as brasas

E para a terra avelada da mesa o pão caminha.  

Ainda, num dealbar de agosto,

Reconheço o equivalente das palavras.

ALFREDO CAMPOS MATOS: ADEUS A UM BOM AMIGO E A UM GRANDE ESTUDIOSO

Por Eugénio Lisboa 

Com raríssimas excepções, a nossa comunicação social ignorou completamente o falecimento de Alfredo Campos Matos, ocorrido no passado dia 5 de Janeiro. Nascido em 1928.

Licenciou-se em arquitectura com 19 valores, tendo dedicado ao urbanismo e à divulgação da arquitectura moderna do seu tempo vasto e profícuo labor. 

Também António Sérgio lhe mereceu aturada atenção, tendo deixado por publicar uma excelente fotobiografia do grande ensaísta, cuja leitura tanto bem faria a alguns dos nossos bizantinos e assaz galardoados escritores. Recomendo à Imprensa Nacional – Casa da Moeda a publicação desta obra, já que seria perder tempo tentar publicá-la de outra maneira.

Mas foi, sobretudo, como apaixonado estudioso da obra de Eça de Queirós (que teimou sempre em escrever Queiroz), que Campos Matos investiu o melhor do seu labor. O autor de OS MAIAS fascinou-o completamente, prendendo-o para sempre nas malhas sedutoras das suas intrigas acutilantes e no feitiço da sua prosa inventiva, esbelta e cheia de condimentos atrevidos. 

Grande parte da vida de Campos Matos dir-se-ia ter sido o teimoso pagamento de uma dívida de gratidão: gratidão a um enorme prazer fruído na leitura exaustiva e repetida da obra do grande escritor. Eça é irresistível e foi, para ele, um potente magnete.

Como estudioso de Eça, Campos Matos deixou uma abundante bibliografia, de que destacaríamos, como obras magnas de futuro garantido, 
o DICIONÁRIO DE EÇA DE QUEIROZ, com três edições, cada uma mais completa do que a anterior,
e ainda um volumoso SUPLEMENTO AO DICIONÁRIO DE EÇA DE QUEIROZ;
EÇA DE QUEIROZ. UMA BIOGRAFIA; 
EÇA DE QUEIROZ. CORRESPONDÊNCIA (2 vols.);
EÇA DE QUEIROZ – EMÍLIA DE CASTRO, CORRESPONDÊNCIA 
e, ainda, 7 BIOGRAFIAS DE EÇA DE QUEIROZ, livro em que desfaz alguns mitos em vigor. 
No entanto, sublinho, isto, que justificaria uma vida de trabalho intenso, é apenas uma parte do seu enorme labor.

Campos Matos era um trabalhador compulsivo, sempre a congeminar novas aproximações à obra do seu conterrâneo da Póvoa de Varzim. E ainda lhe chegava o tempo, para o partilhar, em saborosa e prolongada tertúlia, com quatro amigos e admiradores fiéis, nos quais, afortunadamente, me incluo. Essas instrutivas e divertidas tardes ficam connosco, para sempre. 

É um mistério, que seria curioso averiguar, a razão por que certas personalidades, apesar da sua vasta e profunda contribuição para o avanço do nosso conhecimento literário e para o afinar da nossa capacidade de fruição, passam “despercebidos” da atenção jornalística, até no triste momento em que se retiram da nossa presença. Por algum motivo oculto, que só as vestais conseguem decifrar, estes grandes trabalhadores não estão “in”, não sendo portanto “chic” falar neles. Dizem coisas claras e trabalham muito, mercadoria pouco vendável nos impérios de Bizâncio.

Mas é também claro que a última palavra estará com os futuros estudiosos do autor de O CRIME DO PADRE AMARO, que não poderão decentemente escrutiná-lo, sem recurso aos preciosos instrumentos que Campos Matos lhes legou.

Eugénio Lisboa
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Fonte da imagem: aqui.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA

Por A. Galopim de Carvalho

No tempo que estamos a viver, em que o governo de António Costa está a ser intensa, sistemática e diariamente atacado por todos os lados, lamento ter de vir a público deplorar o lamentável estado da escola pública e de acompanhar os Professores na luta que estão a travar com a tutela.

Lamento ter de o fazer num tempo em que é fundamental defender este governo, na firme certeza de que nenhum outro faria melhor. É público o meu empenhamento no ensino, em geral, e no da Geologia, em particular. 

Os milhares de Professores que, diariamente me seguem no Facebook (mais de 30 500), sabem que é meu propósito mentalizá-los de que devem ter uma preparação superior quando falam aos seus alunos das matérias contidas no programa oficial. Sabem que essa preparação envolve complementar e valorizar as noções, tantas vezes acríticas e estereotipadas, exigidas nos ditos programas, com outras, ligadas, por exemplo, à história, à cultura, à vivência diária. Mas também sabem que não têm tempo para a pôr em prática ou, como alguém disse, para “divagações desnecessárias”. 

Só esta preparação poderá transmitir aos alunos algo que interiorizem e perdure na sua formação como cidadãos conscientes e motores de uma sociedade melhor. Formação que deveria ser o objectivo maior da escola, mas, infelizmente, não é, como se comprova com a flagrante iliteracia, a muitos níveis, da generalidade dos portugueses. 

 A triste realidade é que a nossa escola pública é má e os alunos são maus (dizem os rankings e estes não mentem) por isso mesmo. Subscrevo esta afirmação da destacada professora e investigadora Raquel Varela, da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade Nova de Lisboa, porque ela vai ao encontro do que aqui e noutros locais tenho dito e escrito, repetidamente, de há muitos anos a esta parte, e que não é demais relembrar. 

Não vou hoje aqui debater as razões que assistem às tão grandes diferenças nas classificações (os ditos rankings) das escolas públicas e privadas, nem os porquês da existência “alunos maus”. São por demais conhecidas e TÊM A VER COM O NOSSO MODELO DE SOCIEDADE . 

Uma coisa é certa, destes rankings fica claro que escolas públicas más e alunos maus, em quantidade preocupante, são, entre nós, uma vergonhosa realidade. 

Algo tem de pôr um travão a este empobrecimento.

António Galopim de Carvalho

O que é ChatGPT e por que a sua utilização tem preocupado as escolas

Por Adriana Costa
(A convite do De Rerum Natura)

O ChatGPT é o mais recente sistema de chat gratuito, criado pela empresa norte americana OpenAI baseado em inteligência artificial. Lançado há pouco mais de dois meses, essa ferramenta tem preocupado a comunidade escolar e levantado uma série de discussões sobre a utilização desse tipo de tecnologia na educação.

O facto é, que o ChatGPT possibilita ao usuário a partir de uma simples solicitação, a redação de textos, planificações de atividades, resolução de problemas, criação roteiros, artigos e composições sobre os mais diversos conteúdos, e ainda respostas para variadas questões, em qualquer idioma e totalmente inéditos. 

Para exemplificar do que estamos a falar: se hipoteticamente um aluno desejar pesquisar sobre o século de Péricles no período da Grécia Antiga, o ChatGPT apresentar-lhe-á, em poucos segundos, um completo e inédito texto referente a temática solicitada. Se for professor, e deseja tirar proveito da ferramenta, poderá solicitar ao ChatGPT que apresente ideias de como estruturar uma aula sobre a temática em causa.

Esta facilidade disponibilizada nas redes em tão curto tempo, somada à celeridade com que penetra no tecido social, tem provocado debates importantes sobre como aprender e ensinar em tempos de Chatbots. 

Os mais “céticos”, preveem o reducionismo dos processos pedagógicos e os “inovadores” creem na mudança do fazer pedagógico a partir de tão esplendorosa ferramenta. 

O ineditismo do ChatGPT e a falta de elementos que assegurem uma avaliação criteriosa por parte dos professores, tem despertado uma certa desconfiança na comunidade escolar, o que, seguramente, irá manter o tema em evidência por algum tempo, até de facto, podermos avaliar com algum grau de criticidade, rigor e ética a sua utilização nas salas de aula. 

Recentemente, o Estado de Nova York restringiu o seu acesso em dispositivos e redes internas escolares como forma de coibir os alunos de recorrerem à ferramenta nas atividades escolares. Outros Estados norte americanos tencionam adotar a mesma determinação. A medida tem sido criticada por alguns professores que veem na proibição um elemento sedutor para os jovens, e também uma forma equivocada de resolver a situação, visto que o seu acesso em casa não será coibido. 

É certo que as tecnologias trazem desafios aos educadores; a necessidade de preparar os alunos para esse mundo que, certamente, não existirá sem elas, é condição que não se tem volta a dar. 

Aqui em Portugal, há vozes para o uso pedagógico de Chatbots, mas, sem ainda apresentarem, de forma concreta, como isso poderia ocorrer no contexto escolar sem prejuízos para aprendizagem. 

A verdade é que a nova ferramenta desenterra velhos debates sobre as potencialidades e limitações das tecnologias nas salas de aula e na formação dos docentes. Mas também, nos propõe uma reflexão sobre princípios éticos que a escola, como entidade educativa que é, precisa assegurar.

Adriana Costa
Doutorada em Ciências da Educação

domingo, 15 de janeiro de 2023

“Ter a coragem de reformar a escola tem que ver com um regresso à exigência.”

O título foi extraído de um artigo de Audrey Jougla, professora de filosofia,  publicado no Le Monde de l´Éducation (referência encontrada aqui).

Nesse artigo, a professora francesa afirma:


Os professores  têm alertado constantemente para a queda do nível dos alunos, ainda que alguns argumentem que se trata de um bordão e que os alunos de hoje dominam competências que os seus antecessores não possuíam. Contudo, apesar do que afirmam os rankings internacionais, quando lemos os textos ou ministramos cursos, a realidade é assustadora: no final do ensino básico (collège, em França), os alunos são “não-leitores”, como agora são chamados, e no último ano do curso geral uma grande maioria dificilmente consegue exprimir uma ideia com clareza, por escrito.

Não se trata aqui de ortografia ou gramática (se fosse só isso!) mas de uma incapacidade de compreender e de se fazer compreender, que hoje se estende mesmo aos alunos do final do ensino secundário.


A mesma professora desenvolveu o seu pensamento num livro publicado em 2022.

Apresentam-se alguns parágrafos do seu pensamento, expresso num artigo que podem ser lido na íntegra aqui.


Como professora de Filosofia e apaixonada pela profissão, tenho assistido a uma grande mudança, quer da escola, quer dos alunos, em apenas 5 anos... O nível dos alunos é inquietante, o ensino já não atrai novos professores, a escola já não resolve as desigualdades sociais.

Mas porquê e como chegámos a este ponto? A investigação precisava de cruzar os estudos, as estatísticas, de entrevistar os investigadores, os professores para chegar à objectividade dos factos. Longe de ceder ao catastrofismo, trata-se de seguir as causas, históricas, sociais, políticas que conduziram aos problemas que a escola atravessa hoje.

A crise da educação diz respeito, em primeiro lugar, às novas gerações de alunos, que não têm a mesma relação com o saber que tinham há cinco anos. O ensino perdeu legitimidade, e os cursos entram facilmente em concorrência com outras fontes julgadas equivalente (vídeos, Youtube, plataformas de conteúdos educativos, etc.). Esta desconfiança face aos professores traduz também um relativismo impregnado  nas mentalidades, em que tudo é igual e onde nenhuma hierarquia de discursos é possível.

Junta-se a isto uma queda na concentração e atenção dos alunos, cujo tempo gasto nas redes sociais explodiu, e um incentivo  para os professores fazerem da educação entretenimento, para entreter, com os computadores ou com outros intervenientes dentro da escola, para “captar” os alunos. Nesse jogo perigoso, a falta de atenção é remediada exercitando-a ainda menos, de modo que a leitura de um livro, que exige energia e memorização activa, parece muito longa ou muito difícil para muitos alunos.

 

A falta de referências fragiliza a escola: cresce entre os pais dos alunos uma cultura de consumo e de contestação, visto que as notas, os exames perderam não só o valor, mas também o carácter anónimo e republicano, ...

 

Ao mesmo tempo, o próprio nível dos professores é questionável, quando a instituição não tem relutância em colocar diante dos alunos estudantes recém-licenciados, sem concurso e sem experiência, colocados à pressa, ...

Nem a autoridade dos professores, nem a das avaliações e dos exames são respeitadas. Isso conduz a estratégias por parte das elites, que matriculam os seus filhos em escolas particulares de renome ou recorrem a certificações privadas para garantir níveis de língua estrangeira ou de francês. Fica claro, então, que a escola deixa de ser a garantia de um nível igual para todos e renuncia, assim, à sua missão primeira.

O mesmo se passa com o domínio da língua, a cultura geral, a lógica ou a capacidade de raciocinar e exercer um espírito crítico: o incentivo à benevolência opõe-se a qualquer esforço.

Como escreve Arendt, em A Crise da Cultura, a escola não é de forma alguma o mundo e não deve apresentar-se como tal; é, antes, a instituição que se interpõe entre o mundo e o domínio privado que constitui a casa para permitir a transição entre a família e o mundo.

Porém, o que falta actualmente, e que raramente ouvimos nos meios de comunicação, é essa capacidade de permitir a transição entre a família e o mundo: o desafio do saber escolar é que ele não visa a empregabilidade dos alunos, o que equivaleria a traçar uma demarcação entre saberes úteis e saberes inúteis, mas dar-lhes autonomia de pensamento e de construção individual para compreender o mundo em que irão viver. Ao privarmos os alunos do domínio do francês, ou de sectores inteiros da cultura geral, estamos a amputá-los de  ferramentas preciosas para se situarem eles mesmos na sua vida futura.

 

Tanto a inclusão como a benevolência são preceitos na moda que foram desviados de seu sentido mais profundo e actuam hoje com uma grande hipocrisia em relação aos alunos: eles são levados a acreditar que tudo é adaptável, negociável, que todos têm direito à sua diferença, por exemplo que a ortografia já não interessa, quando é certo que esse factor nunca foi tão discriminante.

 

A meritocracia acaba por se voltar contra os alunos, porque, ao fazê-los acreditar que todos podem ter sucesso, se quiserem, e que a escola tudo tem feito para se adequar ao seu nível, induzimos a ideia de que, se fracassarem, só podem culpar-se a si próprios, quando, desde o início de sua escolaridade, eles só podiam ser puxados pelas suas famílias. Como observa o filósofo americano Michael Saendel, a ideia de mérito esconde uma humilhação: aqueles que não conseguem, quando podiam ter conseguido, só podem culpar-se a si próprios.

 

 

DOIS COMENTÁRIOS À DEFESA INTRANSIGENTE DAS POLITICAS EDUCATIVAS


No jornal Público de ontem, a propósito da greve e das manifestações dos professores, acima do artigo de opinião do Professor António Galopim de Carvalho, encontra-se um artigo, também de opinião, de dois académicos com protagonismo de primeira linha na reforma educativa e formativa em curso. Protagonismo que se encontra legitimado institucionalmente, estando bem presente nas escolas e nas entidades formativas, entre professores e directores.

Não querendo tecer, neste texto, comentários sobre as mencionadas greve e manifestações (a questão não é de fácil análise, nem esta se pode reduzir a meia dúzia de linhas superficiais) quero, no entanto, deixar duas notas ao artigo desses académicos, de entre as muitas mais que ele suscita: 

1. A defesa das mais recentes políticas educativas e formativas (que, insisto, derivando de "orientações" emanadas por organismos supranacionais, nada, mas mesmo nada, têm de inovador) e do seu mais alto representante em Portugal é tão óbvia que o seu efeito há-de ser o contrário do pretendido. 

Vir a terreno defender, sem outros argumentos que não sejam os da convicção, políticas que os próprios ajudam a operacionalizar e a implementar, em que estão, portanto, envolvidos, não é, por certo, o critério de discussão académica mais válido para se sustentar uma posição que se apresenta muito segura.

2. Reconhecendo um estado de "insatisfação e malestar dos docentes que foram sendo acumulados, ao longo dos anos", os autores do artigo, atribuem-no a políticas anteriores, excluindo as mais actuais, assinadas por este governo (que, note-se, são a sequência "natural" das que haviam sido iniciadas no final do século XX). 

Excluem dessa "insatisfação e malestar" as medidas que dão corpo ao "Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular", o qual estrutura e determina o actual currículo. Refiro-me, em concreto, às medidas patentes em documentos que os mencionados autores nomeiam: "Decreto-lei n.º 55/2018"; "Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória" e "Aprendizagens Essenciais".

Do que me é dado a conhecer (e julgo ter um conhecimento razoável do que falo), para esse estado de espírito dos professores, pelo menos para uma parte substancial dele, muito têm contribuído essas medidas.

Como professora que participa na formação de educadores e professores, devo dizer que essas medidas constituem o centro das minhas preocupações. Elas, além de me merecerem as maiores reservas em termos de fundamentação teórica e empírica, vejo-as ter efeitos reais na aprendizagem. Ou seja, nas crianças e nos jovens que estão ao cuidado da escola pública.

Bem podemos dizer, como dizem os autores mencionados, que queremos "contribuir para que a escola pública se possa ir transformando num espaço culturalmente mais significativo, humanamente empoderador e, por isso, política e socialmente mais inclusivo", mas, se bem entendi o sentido desta declaração, a verdade é que, se quisermos ser honestos para connosco e, sobretudo, para com as novas gerações (temos essa obrigação), não podemos deixar de reconhecer que estamos a falhar em toda a linha.

Dito de outro modo, a escola pública não está a cumprir, em Portugal, nem em muitos outros países, a sua função de educar no que lhe está (ou deveria) estar adstrito.

Em vez de procurarmos defender as políticas eductivas vigentes e os seus protagonistas, em vez de procurarmos defender-nos, deveríamos, isso sim, pôr em causa essas políticas e por em causa aquilo de que estamos muito convencidos.

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...