
sexta-feira, 19 de agosto de 2011
Portugal e a Ciência

Excerto do meu livro "Ciência em Portugal" publicado há uns meses pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, e que se encontra com facilidade em muitos supermercados (aqui texto só, sem figuras e referências):
Entre 1974 e 1986, ano em que Portugal entrou na União Europeia, em simultâneo com a Espanha, a nossa situação política passou por várias atribulações, o que em nada ajudou o progresso da ciência e das suas aplicações. Mas, a partir de 1986, com o cenário político estabilizado e com o rumo do país colocado na Europa, começaram a ser claros os sinais de mudança. Os licenciados (que, em Portugal, eram e ainda hoje são correntemente chamados “doutores”) começaram a tornar-se mais comuns e os verdadeiros doutores (isto é, as pessoas habilitadas com o doutoramento) passaram a ganhar maior visibilidade. Antes esse título quase só era reservado às pessoas que iam seguir uma carreira académica na instituição onde se doutoravam, isto é, as pessoas que iam, em princípio, ascender à cátedra. Depois começaram a surgir doutores que, nas suas carreiras profissionais, tinham de mudar de sítio para singrar na carreira académica ou mesmo abraçar uma outra carreira.
Nos anos 80 as universidades passaram também a oferecer mestrados, um grau intermédio entre a licenciatura e o doutoramento (exigindo normalmente dois anos de estudos) que antes era praticamente inexistente. Apareceram também outras formas de ensino de pós-graduação.
Para os leitores menos familiarizados com a estrutura académica, convém lembrar que a obtenção tanto de mestrados como de doutoramentos exige a defesa de uma tese, o que pressupõe um trabalho individual sobre um tema especializado. Mas, ao contrário da tese de mestrado, uma tese de doutoramento deve conter trabalho científico original. A uma pessoa que obtém em provas públicas o grau de doutor reconhece-se, em princípio, a capacidade para realizar trabalho científico independente. Tal como um estudante de mestrado, um estudante de doutoramento, enquanto prepara a sua tese, é supervisionado por um doutor (em certos casos por dois). Depois do doutoramento, que demora em regra três ou quatro anos, é recomendável que o novo doutor realize uma estada de alguns anos num local que deve ser diferente daquele onde alcançou o grau. A esse período chama-se “pós-doutoramento” e ao investigador nessa fase chama-se “investigador de pós-doutoramento” ou, coloquialmente, um post-doc. Concretizado entre nós nos últimos anos o chamado rocesso de Bolonha, ocorrido na sequência da Declaração de Bolonha de 1999 com vista à criação de um “espaço europeu de ensino superior”, a duração da licenciatura (primeiro ciclo) diminuiu, passando o mestrado (segundo ciclo), nalguns casos, a ser incluído na sequência directa e obrigatória do primeiro grau (formando o chamado mestrado integrado), ao passo que, noutros casos, era tão só uma opção de continuação dos estudos. O doutoramento (terceiro ciclo) não foi muito alterado.
O panorama do ensino superior modificou-se em duas décadas, sendo a sua marca maior a sua frequência alargada, que originou obviamente uma maior formação em média da população. Na década de 90 esse crescimento foi particularmente significativo, levando a um crescimento algo descontrolado do ensino superior privado. Assim, em 2001, já havia 631 521 portugueses com mais de 25 anos que tinham o curso superior completo, dos quais a maior parte eram do sexo feminino (366 592). Em 2008 frequentavam o ensino superior 376 917 pessoas, quase cinco vezes mais do que em 1982, e licenciaram-se 64 009 pessoas, a maior parte dos quais mulheres. Hoje existe cerca de um milhão de licenciados, cerca de metade do sexo feminino. O acesso maciço das mulheres ao ensino superior foi uma das maiores mudanças a que o país assistiu após a Revolução de 1974.
O nosso número de doutores é, actualmente, de mais de cinco por cada mil pessoas da população activa, dos quais cerca de metade são mulheres. Com o aumento do número de doutores, o sistema científico e tecnológico nacional pôde crescer notoriamente, absorvendo uma boa parte dos doutores formados. O número de pessoas em actividades de investigação e desenvolvimento era, em 2008, de 8,7 em cada mil activos (número total: 49 114 equivalentes a tempo integral), dos quais 7,2 eram investigadores (número total: 40 563 equivalentes a tempo integral), valores que, relativamente a 1982, eram, respectivamente, cerca de quatro vezes e oito vezes mais. Isto é, passou a haver não só mais pessoas qualificadas a realizar actividades de investigação e desenvolvimento como pessoas com maior qualificação capazes de realizar trabalho científico-tecnológico criativo.
O número de doutores e o número de investigadores em percentagem da população activa são apenas dois dos indicadores que testemunham o nosso efectivo progresso em ciência e tecnologia. Um outro indicador, relacionado com este, é o número de artigos de autores portugueses (ou melhor, autores com endereço em instituições portuguesas) publicados em revistas científicas internacionais. Esse número foi, em 2008, de 6758 artigos, o que corresponde a 636 artigos por milhão de habitantes, um número que é cerca de vinte vezes maior do que o que se registou em 1982 (300 artigos).
É claro que só pode haver pessoas a realizar trabalho de ciência e desenvolvimento se a sua actividade for devidamente financiada. Assim, um outro indicador do estádio de desenvolvimento de um país na área de ciência e tecnologia, que está a montante dos indicadores atrás referidos, é a percentagem do produto interno bruto (PIB) que é investida em actividades de investigação e desenvolvimento. Passámos de uma situação absolutamente lamentável de 0,3 por cento em 1982 (dos quais 0,1 por cento a cargo das empresas) para uma situação que, apesar de estar longe da ideal, é bastante mais decente: a despesa pública e privada em investigação e desenvolvimento atingiu 1,5 por cento do PIB em 2008, com 0,8 por cento das empresas, passando, portanto, a ser cerca de metade do total. Isto é, entre os sectores público e privado, gastou-se em percentagem do PIB nessa área cinco vezes mais do que se gastou em 1982. Tal só foi possível graças a importantes financiamentos concedidos pela União Europeia, no quadro das “ajudas à coesão” que se seguiram à nossa entrada na Europa.
Um facto decisivo para a canalização desses financiamentos para a ciência foi a criação em 1995 do Ministério para a Ciência e Tecnologia – MCT, ao qual se haveria de seguir em 2002 o Ministério para a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, em 2002. No ano de 1996 foi criada, com base em organismos anteriores, a Fundação para a Ciência e Tecnologia – FCT, a agência de financiamento da investigação científica e tecnológica.
A dotação pública anual para ciência e desenvolvimento, localizada na sua maior parte no MCTES, atingiu, em 2009, um máximo absoluto, orçando em mais de 1700 milhões de euros (com a maior fatia atribuída à FCT), quando, no ano da criação do MCT, era de 440 milhões de euros. Por outro lado, no sector privado, apesar de a percentagem de orçamento de investigação e desenvolvimento a cargo de empresas ter crescido nos últimos tempos muito mais do que o orçamento público (ressalve-se que não é claro nem incontroverso o modo como esse índice é medido), ela está ainda longe da percentagem dispendida nos países europeus com a dimensão do nosso mas mais desenvolvidos.
Em resumo, o país pode orgulhar-se de ter saído, neste domínio, do grupo dos Estados menos evoluídos na Europa para “bater à porta” do grupo dos mais avançados. Por enquanto está apenas “à porta”, mas espera-se não só que entre de casa como que fique...
Portugal passou de uma situação em que a ciência era residual para uma outra em que a ciência passou a ter alguma presença e impacto na sociedade. A ciência encontra-se hoje nos jornais, onde há poucas décadas quase não se encontrava. Está hoje na agenda política quando há pouco tempo não estava. Se os números do crescimento do sistema científico-tecnológico nacional podem causar alguma admiração, esse sentimento é, porém, mitigado quando se atende ao baixíssimo nível de partida. Como veremos, existe ainda um défice a ultrapassar se atentarmos em comparações internacionais, designadamente se cotejarmos a situação actual do nosso país em ciência e tecnologia com a situação, também actual, dos nossos parceiros europeus. A maior parte dos países da Europa que estavam melhor do que nós também entretanto progrediram, permanecendo por isso à nossa frente. Aproximámo-nos dos níveis europeus, mas estamos ainda longe dos lugares de topo.
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
PS – I LOVE YOU! I MISS YOU SO MUCH!

NOva crónica da escritora Cristina Carvalho:
Ontem - Antigamente, quando havia aqueles colossais guarda-vestidos que ocupavam uma parede inteira dum quarto de dormir, enormes, compactos, maciços, sérios e sisudos, a vida decorria serenamente sobressaltada cheia de segredos escondidos e silenciosos, a coberto de paredes de madeira perfumada. De boa madeira. Esses móveis de ar carrancudo continham, geralmente, do lado esquerdo os fatos do senhor e do lado direito, os vestidos e casacos das senhoras. Nas casas mais abastadas, com mais divisões, havia uma delas destinada a albergar esses colossos e então, um inteirinho era para o senhor e o outro, para a roupinha da senhora.
Dizia eu que os segredos que esses monstros guardavam eram tesouros inimagináveis que punham em risco permanente as vidas regaladas, confortáveis e bem alimentadas dos cavalheiros que lá guardavam as suas indumentárias: as calças, cada par em seu cabide, os fatos completos ou simplesmente as casacas. Por debaixo destas sombras sem corpo arrumava-se os vários pares de sapatos e botins. Chapéus à parte.
Cada casaca tinha pelo menos quatro bolsos, dois por fora e dois por dentro. Quatro bolsos, quatro abrigos, quatro cantos de cotão, muito amor e algodão!
Mas… como eram ardilosos e secretos esses quatro bolsos! Tanto amor e sedução, tanto caso amarrotado em bolinhas de papel escondidas na escuridão mais profunda de qualquer casaco e seus bolsos cosipados.
Chegava então o dia em que a senhora resolvia arrumar o mostrengo e com a ajuda da criadagem limpar tudo muito bem limpo, tirar todos os fatos, desarrumar os sapatos, soltar do alto os chapéus e de repente, ai! ai! ai! soltava-se a bolinha de papel amarrotado, escapulia-se, rolava pelo chão, escondia-se em vão debaixo dum qualquer tapete sob o olhar precavido e sempre atento da dona da casa, também dona dum certo coração. De seguida, ela dobrava o seu corpo delicado e pouco habituado a torturas inesperadas e com os dedinhos em pinça, cuidadosamente, conseguia apanhar a bolinha de papel. Depois, cerrava os cortinados para que nenhum olhar indiscreto do prédio ali da frente a visse, sentava-se na beira da cama, mandava a criadagem sair do quarto e devagar, muito devagar e sem ruído abria a bolinha de papel.
“Amo-te, amo-te mais que a própria vida” – eram estas as primeiras palavras que se podia ler naquele amargo papel e com alguma dificuldade pois a tinta permanente de permanente não tinha nada. “Espero-te logo ao fim da tarde no sítio do costume. Até lá, beijo-te com desespero e amor, ó meu anjo, ó meu amigo!”
Como é que cabem tantas palavras encavalitadas num quadradito daqueles é que não se consegue perceber. Agora a senhora mal consegue respirar. Levanta-se agarrada à colcha, chama a criadagem, dá-lhe uma fúria, atira com os fatos todos para o meio do chão, lança todos os sapatos, um por um pela janela fora, desata aos gritos e sem conseguir conter-se solta uivos duma dor desenganada. Sem saber o que fazer, se continuar a uivar, se secar as lágrimas, se abandonar o lar, ou simplesmente fingir que nada se passa. Apanha a bolinha de papel e torna a amarfanhá-la entre os dedos. Manda colocar os fatos e toda a roupa na colossal caverna de aromática madeira. Hesita entre deitar fora a bola de papel ou tornar a pô-la no mesmo bolso donde caíra.
Toda a vida depende agora dum bolso num certo guarda-vestidos.
Hoje – Um sinal que pica como um alfinete, um ruidozinho equilibrado e certeiro, insistente, teimoso, uma maquiavélica manchita sonora que fica gravada. Um pequeno ecrã esverdeado que se agita e treme e vibra, que chama a atenção nas alturas mais incómodas, um sinal, um sorriso ou uma lágrima impossível de fugir, impossível ignorar.
Caíu mais uma mensagem no telemóvel. O telemóvel esquecido. O perigoso telemóvel. Assustador. Encostado ali ao canto, em cima daquela mesa, onde está o telemóvel? não encontro o telemóvel! que diabo, onde raios o telemóvel…
O som vem de dentro dum roupeiro. Ele trabalha. Ela em dia de folga. Limpezas. Hoje é dia do roupeiro!!
E de repente tudo vibra, o chão estremece, sol escuro já não aquece, alma negra, negra alma, mais os jeans pendurados, é som que vibra abafado e aparece o telemóvel, sem saber-se porque sim nem porque não, ali de repente cai e sendo assim, assim sendo, logo se lhe deita a mão e com as pontas dos dedos, afagando devagar, o ecrã muda de cor e a vida corre num esgar, o medo vai de espreitar e o que se vê afinal? o roupeiro é temporal, os jeans são vendaval, “amor vem, quero-te tanto, amor vem ver que te espero lá no sítio do costume…”
Maldição, ai maldição! Vai-te embora ó meu macaco, não posso ver-te outra vez… Ou como um pequeno objecto consegue estilhaçar toda uma grande vidraça e esmigalhar-se no empedrado do passeio.
Bolsos: inimigos, porventura, duma certa conjugalidade. Nem mentira nem verdade. Mensagens. Mensagens, apenas, como bolas de papel amarrotado, tudo no mesmo sentido, tudo na mesma verdade.
Ainda ontem em papel amarrotado, hoje ainda em pequeno ecrã esfumado.
CRISTINA CARVALHO
Crónica do mês de Agosto 2011
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
10 CONSELHOS AO PRINCIPIANTE nas observações astronómicas com telescópios

Mais um artigo de astronomia amadora de Guilherme de Almeida:
10 CONSELHOS AO PRINCIPIANTE nas observações astronómicas com telescópios
Por Guilherme de Almeida
Muitos principiantes ficam desapontados por não conseguirem observar através do seu telescópio os pormenores, particularidades ou fenómenos referidos por quem já tem mais prática. Este artigo apresenta algumas das técnicas básicas utilizadas correntemente pelos observadores experientes para melhorar as suas observações. As observações do principiante, e não só, poderão melhorar muito se forem utilizados os métodos e as técnicas de observação convenientes. Estes procedimentos darão ao leitor a possibilidade de tirar o máximo proveito das suas observações com telescópios.
Para aceder a este conteúdo clique aqui.
O OLHAR DA MENTE

Minha apreesntação em vídeo do livro de Oliver Sacks O Olhar da Mente, saído recentemente na Relógio d' Água: aqui.
12 ANOS
Mais um outro conto da dúzia que está pendurada no “Cordel de Ciência”, ilustrados por Diana Marques, iniciativa promovida e inaugurada no Pavilhão do Conhecimento aquando da comemoração do seu 12º Aniversário, no passado dia 25 de Julho de 2011. Passe por lá e leve-os consigo pela mão!
Entretanto… E na continuação de renovados pedidos de alguns leitores de outras paragens... Aqui vai.
Ana olha para a sua mão debruada de espanto!
O olhar peregrino, maravilhado com o ímpeto da descoberta, percorre emocionado a organização anatómica dos seus dedos. Acabava de descobrir como contar até 12 só com quatro dedos de uma mão. Usando o polegar como “contador”, enumerou sucessivamente as três falanges de cada um dos quatro dedos restantes. “3 x 4 = 12, calculou num raciocino rápido que a “falangeta calculadora” confirmou. Afinal, havia mais números residentes nos dedos de uma única mão. Podia contar uma dúzia de coisas com uma mão, ficando a outra livre para manusear objectos, escrever, pintar, acenar a quem passa.
Olhou para a mão “livre” e, bolinando pela intuição, deu imediata utilidade aos restantes cinco dedos. Se cada um representasse uma contagem das doze falanges, conseguiria contar até 60 com ajuda dos dedos das duas mãos.
Fantástico! Podia agora brincar com os seus amigos aquando do festejo do seu próximo 12º aniversário. Sempre que alguém lhe perguntar quantos anos vai fazer a 25 de Julho, erguerá uma só mão com o polegar oponente descansando matreiro sobre a palma. E, perante uma eventual reacção jocosa de “só quatro anos!?”, responderá divertida: “não, 12 anos”. E demonstrará de imediato com a ajuda do polegar contador: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12 falanges! Uma para cada ano!
Pensa que também pode contar só com uma mão a sucessão dos doze ciclos lunares que ocorrem ao longo de uma translação da Terra ao redor do Sol, o mesmo é dizer, de um ano Solar.
Ana regozija-se a antecipar o dilúvio de espanto que inundará os olhares com a sua descoberta.
E poderá, com os dedos da outra mão, registar a multiplicação de amigos espantados. Quantos? Muitos! Se utilizar todas as falanges dos dedos de uma das mãos para contar grupos de 12 falanges da outra mão, consegue enumerar até 144 amigos a olhar estupefactos, a experimentar encontrar e contar dúzias de coisas à sua volta. Sim, é verdade, uma dúzia é igual a 12 objectos, ou coisas!
Uma centelha neuronal enaltece o seu raciocínio matemático. Ana reconhece que 144 é 12 elevado à segunda potência, ou seja, é igual a 12 ao quadrado, o mesmo que 12 x 12. Ana ri-se a imaginar a superfície de um quadrado, figura geométrica, pintada com dedos entrelaçados de várias mãos. Quantas mãos? 12!
As suas mãos entrelaçadas libertam o pensamento abstracto para outras descobertas, permitindo que, de forma concreta, possa contar um número muito grande de coisas. Não um número infinito. Para isso tem a sua imaginação abstracta e o céu estrelado, mas um número concreto e definido de coisas no seu dia-a-dia.
Ana aninha o seu pensamento na história distante da sua espécie. Pensa que algures, há vários milhares de anos atrás, um antepassado terá explorado as limitações finitas das mãos para contar coisas do seu dia-a-dia. Ovelhas, árvores, dúzias de ovos como ainda hoje se faz no mercado tradicional, testemunho vivo de um contar antigo. Terá sido a dúzia a primeira unidade de contagem de grupo?
Ana sabe que os sumérios e os babilónios, povos de civilizações mesopotâmicas que inventaram a escrita e a numeração posicional simbólica, há cerca de 5 mil anos atrás, usaram um sistema de numeração de base 60, dito sexagésimal. Sabe que herdámos deles a divisão de uma hora em 60 minutos, e de cada minuto em 60 segundos! Lembra-se de ter lido num livro sobre civilizações antigas e fundadoras das primeiras cidades do conhecimento (Ur, Uruk, Nippur, Eridu e Lagash entre outras), que aqueles povos dividiam o dia em 12 horas. E, coincidência mas talvez não, continuamos a ter o círculo territorial dos relógios dividido em 12 segmentos, fatias de horas com que marcamos o pulsar do dia. E meio-dia é igual a 12 horas, reflecte Ana.
Ana soergue o olhar para a abóbada celeste, e contempla o cair da tarde suavizado pelo rio das descobertas, que é o Tejo, mas também o seu pensamento. Fixa a aparente estrela da tarde, que sempre foi um planeta, e recorda que foi a astronomia babilónica a primeira a dividir o zodíaco em 12 quadrantes, signos da nossa contemplação, mas seguras referências para transumâncias e migrações exploratórias.
Imagina o planeta Terra coberto pela rede de meridianos. Relembra que existem 24 meridianos horários. Se seguir a linha de um dado meridiano, encontra, em cada pólo geográfico, a linha do meridiano horário 12 horas distante daquele de que partiu, e que pode seguir sem descontinuidade até ao pólo oposto. Por outro lado, se agrupar os meridianos dois a dois, obtém 12 circunferências perfeitas, que dividem, cada uma, a Terra em duas metades idênticas!
Ana sente existir uma íntima relação algébrica entre o sistema sexagésimal (de base 60) e sistema duodecimal (de base 12), que parece ter sido muito útil, e conveniente, para a prática contabilística. Aliás, o número natural 60 tem 12 divisores: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 10, 12, 15, 20, 30 e o próprio 60. E o número 5, quociente entre 60 e 12 (5 x 12 = 60), igual ao número de dedos de cada mão, é um ponto de partida para o sistema decimal (de base dez), que tem origem indo-arábica, e que hoje usamos.
Ana constata, que o sistema sexagésimal é ainda muito usado actualmente para medir ângulos, nas coordenadas geográficas, e para medir o tempo. “Será o sistema numeral das descobertas marítimas e espaciais?”, pensa, ondulando o olhar no rio Tejo.
Ana vai comemorar os seus 12 anos no Pavilhão do Conhecimento que, curiosamente, também cumpre 12 anos de existência. Vai comemorar com a ciência viva e divertida que lhe permite entender o mundo que a rodeia, e com o encanto do conhecimento de muitas dúzias de coisas que enchem o seu mundo de alegria.
Parabéns doze vezes!
António Piedade
terça-feira, 16 de agosto de 2011
Leituras de férias para professores que gostam de posições confortáveis

Texto recebido do professor António Mouzinho:
Leituras de férias para professores que gostam de posições confortáveis, muito práticas em todas as situações de lazer ou docência, úteis na cidade, na praia ou no campo, com duas amostras perfeitamente gratuitas
Das várias sugestões que recebi ao longo da vida nem sempre as mais fecundas tiveram origens prováveis. Recentemente, na minha escola, boas vontades construtivistas insinuaram que eu bem poderia fazer boas leituras sobre práticas de ensino: «talvez» estivesse desactualizado.
Como a crítica do construtivismo já estava feita (na minha memória, pelos finais dos anos 1960 arrumara o assunto), saltei a década que me indicavam (anos 1990) e passei ao século XXI. Sou atento a estas coisas. Actualizei-me.
Comecei por um artigo completamente moderno: de Carlos Fiolhais, Os Erros do «Eduquês», apontado por uma filha estudante de Letras e publicado no Primeiro de Janeiro em 2002 (está na Internet). Encontrei, a partir daí (um fio de informação puxa-se; desenrola-se o novelo), um substancial molho de livros, artigos, iniciativas e sítios. Aqui vai, para os interessados, uma sucinta selecção de meia dúzia, que não quero deixar de elogiar... e divulgar:
1. CRATO, Nuno — O 'Eduquês' em Discurso Directo; Uma Crítica da Pedagogia Romântica e Construtivista. Lisboa: Gradiva, 2006
2. HIRSH, Jr., E. D. — The Schools We Need; And Why We Don't Have Them. New York: Anchor Books, 1996/99 [nova intr. pelo Autor]
3. LAFFORGUE, Laurent e LURÇAT, Liliane (présentent) — La débacle de l'école: une tragédie incomprise. Paris: F.-X. de Guibert, 2007
4. LE BRIS, Marc — Et vos enfants ne sauront pas lire... ni compter; la faillite obstinée de l'école française. Paris: Stock, 2009
5. OUZILOU, Colette — Dyslexie; une varie-fausse épidémie. Paris: Presses de la Renaissance, 2010
6. PINKER, Steven — How the Mind Works. New York/ London: W. W. Norton & Co., 1997
Tenho da senhora que me vende fruta e hortaliça, a D. Cristina, a noção de meia-dúzia bem aviada: ainda vou referir uma compilação de textos, coordenada por Nuno Crato, que é especializada, mas extremamente interessante, até pelo facto de reunir contribuições de variados autores: CRATO, Nuno (coord.) — Desastre no Ensino da Matemática: como Recuperar o Tempo Perdido. Lisboa: Gradiva, 2006
Quanto aos outros, direi pouca coisa:
1. Com Nuno Crato, a primeira sistematização extensiva, em Portugal, do estado das coisas da Educação ao fim de uns bons anos de «Eduquês». Imprescindível, para mais com o autor nas funções de ministro. Nunca, em anos recentes, foi possível entender tão intimamente como pensa um cidadão investido nestas funções.
2. Sistematização profunda, fria, desapaixonada, do resultado do romantismo e do construtivismo (e quejandos) nos E.U.A., nossos tristes companheiros nos resultados do PISA. Hirsh Jr., professor universitário, crítico literário e pedagogo, satisfaz-nos com um panorama completo da educação no seu país, abordando por todos os ângulos possíveis os prós e os contras das reformas, das modas, e da leviandade pedagógica que teve, em boa medida, origem americana.
3. Como na meia-dúzia bem aviada por Nuno Crato, temos aqui uma compilação de textos. A França parece-se muito connosco no desastre, já que copiámos os franceses, que copiaram os americanos. Ou coisa parecida. Laforgue e Liliane Lurçat juntam um grupo igualmente interessante de especialistas que falam de tudo como os nossos especialistas falam do ensino da Matemática. É uma síntese terrível, e esclarecedora.
4. O panorama da escola primária visto por um professor que, ao contrário de Hirsh, é tudo menos desapaixonado: Le Bris é apaixonado mas não é romântico: gosta do que faz, gosta dos alunos, e não gosta da destruição do saber e da civilização. Percebemos aqui, com perfeição, onde, imperativamente, deve começar a mudança: no 1.º ciclo do básico.
5. Nas palavras de Le Bris: «se houvesse um único livro a ler sobre questão da leitura, seria este.» Percebi, finalmente, de onde surgia o aumento dramático de dislexia na escola: das más práticas pedagógicas no ensino da leitura... A senhora Ouzilou é ortofonista, e em quarenta anos de actividade conheceu, de facto, uma vintena de verdadeiros disléxicos. Indispensável.
6. A visão científica, plácida, do funcionamento do cérebro: neurocientista, Pinker trata inato e adquirido sem paixões ideológicas, dando ao hardware o que é do hardware, dando ao software o que é do software, (que Deus me perdoe, e César, já agora...). Separa as águas e, como desfaz ideias feitas sobre hereditariedade e meio, é particularmente útil neste debate, esclarecendo posições românticas naturalistas, e teses construtivistas.
Ao ler coisas de Laurent Lafforgue e Marc Le Bris tropecei no sítio do Grupo «Trans-Maîtres»: http://www.trans-maitre.org/. Além do cativante jogo de palavras, que Rabelais não desdenharia, fiquei com a ideia de uma organização eficazmente empenhada no combate à barbárie, com uns bons quilómetros de avanço em relação a nós. O sítio recomenda-se, e aqui vai a primeira amostra de que faço reclamo no título: a Carta do Grupo «Trans-Maîtres»:
«PREÂMBULO
O Grupo «Trans-Maîtres» reúne professores do ensino básico, secundário, universitário, pesquisadores, professores das instituições de formação de professores, pais que desejam fornecer uma resposta concreta ao grave problema da imensa pobreza do ensino actual, com consequências que vão do analfabetismo no básico e do iletrismo no secundário, ao esboroamento dos conhecimentos e da pesquisa na universidade.
O Grupo «Trans-Maîtres» toma como responsável principal do insucesso escolar, entre outras causas diversas, a teoria construtivista imposta pela Educação nacional há 20 anos, teoria errada segundo a qual o aluno deveria construir ele próprio o saber, teoria responsável pela rotura da transmissão do saber que sustenta qualquer civilização.
Tendo a crítica desse não-ensino sem substância, sustentado por métodos globais, sido feita há muitos anos, o Grupo «Trans-Maîtres» deseja hoje ressuscitar a instrução que tem como vocação transmitir conhecimentos provindos da riqueza do património, súmula científica, literária e cultural sustentada pelas noções elementares, as aprendizagens recorrentes e a metodologia analítica da escola primária.
Para tal, pretende reunir no seu sítio exemplos práticos de aula, de trabalhos e planos pedagógicos, de manuais cuja vocação é instruir, e testemunhos destinados às novas gerações de professores do básico, de acordo com essa ética de ensino e desejando retomar o caminho da transmissão do saber interrompido há 20 anos.
CARTA DO GRUPO «Trans-Maîtres»
Aquilo que o Grupo «Trans-Maîtres» quer trazer aos professores e aos alunos
A importância dos conteúdos
A reabilitação da instrução é, acima da tudo, uma reabilitação dos conteúdos do ensino básico, provindos do património e adaptados à nossa época.
Estes conteúdos devem ser transmitidos aos professores para que eles se apresentem perante os alunos portadores desse saber.
O que é transmitido? Quem transmite e a quem?
Os conteúdos são feitos em primeiro lugar de aprendizagens fundamentais, como por exemplo: a técnica de aprendizagem da escrita, a referenciação e a escrita em linhas de caderno, o desenho e os trabalhos manuais, o traçado e as medidas com uma régua graduada que permitem uma reabilitação da mão e uma educação do olhar.
Estas práticas são de seguida escoradas por exercícios mais complexos, tal como as repetições de análise gramatical e conjugação.
Estes ensinamentos não são dados, actualmente, nos institutos universitários de formação de professores.
É por isso que queremos transmitir progressões, lições estruturadas, sintetizando de forma simples as aquisições do saber escolar, e práticas de aula concretas, por vezes técnicas, utilizando a imitação e a repetição.
Agora, mais do que nunca!
Esta transmissão de professores a professores, no interesse dos alunos, é urgente e indispensável porque, no terreno, os conhecimentos sólidos e as boas práticas desaparecem à medida que os seus detentores se reformam.
Os sucessores devem aproveitar rapidamente o saber e a experiência acumulados.
Desta forma, o Grupo «Trans-Maîtres» repõe no lugar de honra a cultura e a instrução, longe da doutrina construtivista que obriga os docentes — bem contra a sua vontade — a abandonar as crianças à própria ignorância.
As exigências do Grupo «Trans-Maîtres» em matéria de ensino
Uma exigência precoce
Quando as aprendizagens são precoces as crianças adquirem verdadeiramente as bases e os mecanismos que libertam o espírito.
Queremos mostrar que a fasquia da exigência pode estar muito alta e que há que estimular as incríveis capacidades das crianças muito pequenas.
Aprendizagens cuidadosamente escalonadas
Aprendizagens mais ambiciosas nos programas da pré-primária, 1.º e 2.º anos [Grande Section, Cp e CE1 no original], permitindo assim aos alunos a aquisição de uma bagagem substancial nos três anos seguintes [CE2 a CM2 no original: a mudança de ciclo é feita no 5.º, em França] prevendo a entrada no 3.º ciclo [collège, no original].
A preocupação com um estudo da progressão e o respeito pelos níveis impõem-se para obter aquisições reais, em harmonia com o crescimento psicológico da criança.
Os meios da liberdade constroem-se
Os meios que permitirão ao futuro adulto ser livre e autónomo constituem a finalidade do ensino básico. Estes meios são simples: são conteúdos sólidos de uso ordenado, progressivo e regular que permitem estruturar o pensamento metodicamente e exprimi-lo com correcção oral e escrita, a fim de aceder realmente aos ensinos mais complexos do secundário.
A liberdade pedagógica
Reduzir o professor ao papel de um executante encarregado de fazer respeitar as instruções, de proceder a avaliações e de preencher itens é privá-lo do essencial da sua função de professor e da sua qualidade de homem livre.
Mas a liberdade pedagógica não consiste igualmente em reinventar conteúdos de ensino que já foram apurados e ensinados com eficácia. A liberdade do professor não consiste em testar métodos empíricos com os alunos.
A liberdade do professor reside no modo pessoal com que instrui os seus alunos e lhes transmite o amor do saber e do estudo.
Porque o professor tem sobretudo o dever de transmitir e esta transmissão exige respeito pelas regras constituintes do património linguístico e matemático.
Sem esse determinismo de base, nenhum pensamento poderá exercer-se de forma fecunda, sólida e realmente livre, nem conduzir a uma qualquer descoberta.
Princípios pedagógicos que regem o Grupo «Trans-Maîtres»
A libertação de professores e alunos passa pelo domínio e utilização de conteúdos de ensino precisos.
O grupo «Trans-Maîtres» reune pessoas, tanto no interior como no exterior da Educação nacional, regidas pelos seguintes princípios pedagógicos:
— A utilização do método alfabético para a aprendizagem simultânea da escrita e da leitura.
— A prática regular da leitura em voz alta.
— A arte da redacção pela aplicação consciente das regras e mecanismos adquiridos progressivamente.
— O ensino da gramática analítica, e não da gramática global preconizada pelas instituições de formação de professores [IUFM, Instituts Universitaires de Formation des Maîtres, no original].
— O ensino da conjugação e das regras da ortografia.
— O recurso às regras e definições aprendidas de cor na Língua Materna [Francês, no original] e em Matemática — etapa essencial para a apropriação dessas regras e definições pala criança — bem como a repetição de exercícios.
— A estruturação do pensamento, através da prática do raciocínio matemático por meio de exercícios variados, e da apropriação do património literário e uso permanente duma linguagem correcta e rica por meio de ditados, recitação, explicações de textos.
— O ensino das técnicas operatórias: noções de adição (juntar), de subtracção (retirar, cortar, suprimir), de multiplicação (juntar repetidas vezes), e de divisão (partilhar), assim como a geometria, desde o 1.º ano [CP no original].
— A prática regular do cálculo mental.
— A aprendizagem da redução de um número nos seus factores, o conhecimento dos números primos, os cálculos com utilização de números decimais.
— Um maior rigor no estudo das diferentes figuras geométricas e respectivas áreas, do sistema métrico e das conversões, assim como um uso regular da régua, do esquadro, do transferidor e do compasso.
— A resolução de problemas, compreendendo a redacção cuidada das soluções.
— As lições de coisas concretas e estruturadas, buscando exemplos na envolvente próxima e fazendo uso de um vocabulário preciso, permitindo à criança o exame e a nomeação dos objectos que a envolvem, a fim de desenvolver a relação com o real.
— O ensino da História, sob a forma de narrativa e de cronologia, e da Geografia, com a aprendizagem do traçado de cartas.
— O desenvolvimento da atenção, da vontade, do sentido do esforço, do gosto pelo trabalho bem feito, assim como da memória, das qualidades de observação, e da aptidão a reproduzir pelo desenho.»
E aqui está como honro reclamos: outra tradução, desta vez do referido livro de Hirsh Jr., página 62:
[...] Vamos supor que, de entre as escolas que uns pais tivessem à escolha, estava uma que subscrevia a seguinte filosofia:
Todos os professores da nossa escola têm não só treino pedagógico como o conhecimento pormenorizado da matéria que ensinam. Transmitimos a todas as crianças uma ética de tolerância, de civilidade, de método, de responsabilidade e de gosto pelo trabalho. O nosso corpo docente estabeleceu um núcleo permanente de conhecimentos e competências que todas os alunos atingirão em cada ano. Verificamos se cada um aprende este núcleo e ganha os conhecimentos e as competências específicos necessários para progredir para o ano seguinte, permitindo que mais conhecimentos se juntem aos já adquiridos. Os nossos professores estão em contacto permanente com os colegas para estabelecer os meios efectivos de estimular os estudantes para a aprendizagem e para a integração desses conhecimentos e competências específicas. A especificidade dos nossos objectivos permite-nos acompanhar as crianças reforçando o apoio quando necessário. É com este objectivo que fornecemos aos pais um programa pormenorizado dos conhecimentos específicos e competências a atingir em cada ano, e estaremos em permanente contacto com eles no que respeita à progressão dos filhos. Por meio desta aproximação baseada nos conhecimentos certificamo-nos de que todas as crianças normais estarão à altura do nível frequentado, enquanto, para além disso, os mais talentosos serão desafiados a atingir a excelência. Atingir este conhecimento e competências específicos e bem integrados dá aos nossos estudantes prazer na aprendizagem, bem como respeito por si próprios, assegurando que encaram um ano seguinte preparados e ávidos de aprender mais.
Se pais Americanos tivessem este tipo de oferta, é evidente que não seria a distância à dita escola que constituiria problema.
[...]
Boas férias; boas leituras; escrevam «eduquês» na areia, na baixa-mar. Deixem a praia-mar fazer o resto.
António Mouzinho
NOVE MIL E SETECENTOS MILHÕES DE EUROS

Ensinar ciência e estimular a curiosidade é dos melhores investimentos que podemos fazer. Porque treina as pessoas a quererem saber, a questionarem a razão das coisas e a discutirem as opções. E isso é o melhor que podemos fazer pela nossa liberdade e democracia. E pelo nosso bem estar, para além de permitir despertar mentes para a actividade científica nas várias áreas.
Não percebo o silêncio ensurdecedor sobre o caso BPN.
Os dados são simples:
1. O Estado nacionalizou o banco, no governo de José Sócrates, por 2.4 mil milhões de euros;
2. Aparentemente vendeu 70% dele ao BIC por 40 milhões de euros, ficando com encargos e com a obrigação de injectar 550 milhões de euros no banco para que ele fique prontinho a funcionar;
3. Do negócio resultam ainda 2 mil milhões de euros em "lixo" que, espero não estar certo, ainda vamos ser chamados a pagar;
4. O processo em tribunal contra responsáveis do BPN, 15 no total, fala (segundo o despacho de pronúncia) num rombo de 9.7 mil milhões de euros. Vou repetir: NOVE MIL E SETECENTOS MILHÕES DE EUROS.
Não existe na história das finanças públicas de Portugal nenhum caso desta dimensão, nem lá perto.
Faça as contas: calcule quantos hospitais podia construir com este dinheiro (um hospital médio pode custar 100 milhões de euros, prontinho a funcionar), ou quanto custaria aumentar, por exemplo, em 100 euros o salário mínimo nacional, ou para quantos meses daria este dinheiro para pagar o subsídio de desemprego aos 600 mil portugueses desempregados, ou para quantos anos daria este dinheiro se quiséssemos, por exemplo, duplicar o financiamento das universidades (investindo assim fortemente na nossa capacidade e inteligência - custam actualmente 700 milhões por ano), ou...? Não quer saber? O rombo do BPN custa 1000 euros a cada português, seja qual for a sua idade.
A sua obrigação é querer saber, fazer perguntas e exigir ser esclarecido.
PS/ anteriormente sobre o BPN. /DS
ESCULTURAS CINÉTICAS
Bestas na praia: Esculturas cinéticas de Theo Jansen, num programa da BBC.
ENSINO DA GEOLOGIA EM PORTUGAL

(análise de um caso que, certamente, ilustra muitos outros no panorama nacional)
Acabei de analisar, em pormenor, o relatório de um trabalho de grupo, sobre um tema que envolve mineralogia e geologia, elaborado por alunos do 11º ano de uma das Escolas Secundárias da capital. Trata-se de dois volumosos dossiers com centenas de páginas, na grande maioria fotocópias de imagens e textos recolhidos da internet segundo um critério de escolha que deixa muito a desejar e que permite concluir não ter tido este trabalho o acompanhamento desejável por parte do(a) professor(a) da respectiva disciplina. Esta falta de acompanhamento, a que se juntou a não existência de uma desejável revisão final, fica clara na mais que deficiente correcção dos textos escritos pelos alunos.
Este relatório foi-me facultado, a título de gentileza, por um dos elementos deste grupo de trabalho a quem (a seu pedido) procurei dar apoio, sob a forma de documentos de consulta. A sua leitura permite-me, pelo menos, três reflexões que vão ao encontro de alguns dos reparos que muito boa gente deste país vem vindo a fazer de há uns anos para cá:
- O(a) professor(a) em causa, licenciado(a) em Biologia, sabe muito pouco, ou quase nada, sobre o tema do trabalho e desconhece elementos básicos de química que obrigatoriamente constam da sua formação académica, deixando passar, sem reparo ou correcção, os muitos erros e imprecisões no conteúdo científico.
- Não se dá conta dos imensos erros de sintaxe do texto.
- Não excluo a hipótese de este(a) professor(a) se ter limitado a passar os olhos pelo trabalho, numa leitura rápida, em diagonal, lamentavelmente desinteressada, assinalando um ou outro erro de ortografia mais visível, o que também é grave.
É certo que não podemos generalizar. Nas muitas escolas que continuo a visitar por todo o país, como convidado, fazendo palestras para professores e/ou alunos, participando em debates ou em outras actividades, conheço licenciados em Biologia, tanto ou mais interessados e competentes no ensino da Geologia, do que muitos dos seus pares licenciados em Geologia. Contudo, não podemos negar que o ensino da Geologia nas nossas escolas não tem merecido, por parte dos responsáveis, a atenção que esta disciplina merece como motor de desenvolvimento e bem-estar social e como componente da formação integral do cidadão.
Galopim de Carvalho
SOBREPOPULAÇÃO NO MUNDO

Extracto da última coluna electrónica What's New de Robert Park:
THE POPULATION: DEBT CEILINGS ARE SIMPLY A DISTRACTION.
"The real problem is that there are too many of us. The need to limit population on a finite planet was explained in 1798 by the Rev. Robert Thomas Malthus in "An Essay on the Principle of Population." Paul Ehrlich’s 1968 best seller, "The Population Bomb," helped motivate the "Green Revolution" and "the Pill." With the famine in Somalia on front pages, the world population reached 7 billion, double that in 1968 when Ehrlich issued his warning. Last week, Science magazine devoted a special section to population. Unfortunately, it treated it as a problem of the developing world. It's a mistake to think of overpopulation just in terms of starving masses. It’s much more: It’s the Hubbert peak, global warming, disappearance of the great ocean fisheries, floating garbage patches in ocean gyres, shortages of fresh water and phosphate rock, perpetual warfare and a faltering green revolution. Every problem the world faces is driven by excess population. Yesterday, The Local Living section of The Washington Post featured a positive article about a married couple and their 11 beautiful, healthy kids. Tax exemptions for dependents subsidize profligate fertility, and should be abolished."
Robert Park
As estruturas sociais, a educação e o insucesso escolar

Perante as queixas que se ouvem em surdina, ou mesmo alto e bom som, sobre o insucesso escolar, uma pergunta inicial se impõe: será a criança de hoje menos dotada de “massa cinzenta” do que as gerações que a precederam?
Os constantes estímulos de uma avançada era tecnológica, v.g., televisão e jogos de computador, embora agindo para o bem e para o mal, dotaram a criança de uma interconexão neuronal responsável pelas aquisições motoras que, antes da linguagem, são, para Jean Piaget, a chave da inteligência adulta.
Por outro lado, de uma forma mais ou menos geral, a prática desportiva e uma mais cuidada alimentação, em percentagens proteicas, teores vitamínicos e valores calóricos, embora condicionados por factores genéticos, promoveram um maior desenvolvimento da estatura da população (em regra, os jovens adultos de hoje são mais altos e mais fortes que os seus progenitores).
Acresce que as estruturas sociais – de entre elas a educação – estão condicionadas pela saúde financeira de uma sociedade reflectindo as suas virtudes e os seus defeitos, o seu dinamismo e a sua inércia, a sua riqueza e a sua pobreza, tornando-se num verdadeiro banco de dados do desenvolvimento global de uma nação. Assim, no sector educativo, para que Portugal possa ombrear com os outros parceiros da Comunidade Europeia mais desenvolvidos, urge estugar a caminhada, com passos decididos de uma vontade política forte que impeça o jeito bem latino de deixar para amanhã o que pode ser feito hoje, em doentia e fatídica procrastinação. Os juros a colher desta política não serão cobrados a breve prazo, mas sim à la longue, serão compensadores pela livre circulação, em fronteiras nacionais, de dentro para fora de portugueses e de fora para dentro de estrangeiros. Mas em reciprocidade e em equilíbrio de concorrência para que se não exportem os melhores cérebros e se importem cabeças estrangeiras de menor valor deixando as sobras para os técnicos portugueses deficientemente formados em clima de escandaloso facilitismo que os leva a passearem pelo torrão natal a sua mediocridade e a sofrerem da concomitante falta de emprego. Aliás, desemprego mesmo para verdadeiros licenciados para quem os deveres cumpridos em anos de esforçado estudo, e dispêndio para os cofres do Estado, estabelecem "direitos" que não são mais do que migalhas em empregos a recibos verdes e em tarefas para as quais a antiga 4.ª classe do ensino primário bastava.
E aqui surgem, inevitáveis, as perguntas. Haverá, para além de venturosas e propaladas estatísticas de sucesso para inglês ver, declarado insucesso escolar no nosso país? Ou seja, haverá ou não razão para os nacionais se lamentarem dos políticos da terra que os viu nascer e crescer sem lhe darem a esperança de melhores dias?
No que respeita a esta temática, não deve ser esquecida a preguiça dos alunos favorecida pela quase proibição de retenções no ensino básico (os chumbos ou "raposas" do meu tempo) florescidas em terras úberes de descarado facilitismo. E, muito menos, a referência obrigatória ao desacompanhamento parental à criança ou ao adolescente, sendo difícil de o fazer numa sociedade em que é raríssimo a mãe não estar empregada tendo, ainda, a sobrecarga das lides caseiras, e em que o pai, depois de um dia de trabalho, escravizado ao pequeno ecrã da televisão para ouvir as últimas e desencorajadores notícias sobre a economia portuguesa, não encontra tempo, ou sequer disposição, para brincar com o(s) filho(s), tomando para si a parte que lhe compete no respectivo desenvolvimento psicomotor, alegria lúdica e acompanhamento dos trabalhos escolares.
Ou seja, a formação dos jovens é um assunto demasiado sério para ficar a cargo exclusivo da escola, responsabilizando-a comodamente por tudo quanto se passa de mau no rendimento escolar da criança ou nos seus desvios comportamentais. Já Ramalho Ortigão, no decurso do século XIX, escrevia: “A família é dos pouquíssimos meios pelos quais ainda é lícito em Portugal um homem honrado influir para o bem no destino do seu século”. Daí a sua veemente exortação: “Querido leitor! O meio mais eficaz de seres útil à tua pátria é educares o teu filho. Consagra-te a ele”. Por seu turno, em nossos tempo, a feminista norte-americana Ann Hewlett, presidente do Center for Work-Life Policy e autora do livro “O custo de negligenciar as nossas crianças”, obrigou-se, ela própria, a reconhecer que “muitas mulheres jovens estão a compreender que uma boa mãe não pode combinar com o exigente trabalho fora de casa”.
Desta forma, desacompanhado pela família dos alunos na sua função de educador, mesmo os professores com as melhores relações com os alunos, convivendo com eles em salutar clima de empatia, senhores de estóica vontade e grande competência, frente a esta desoladora realidade, sentem séria dificuldades em levarem a cabo a sua nobre missão, a exemplo do desencanto amargo do poeta Reinaldo Ferreira quando nos fala de “um voo cego a nada”!
Mas encaremos, aqui, a Escola que é a nossa, agora, reportando-nos, apenas, ao actual ensino secundário por ainda ser um pequeno oásis de exigência. Quando os exames das disciplinas do 12.º ano, como a Matemática e o Português, por exemplo, apresentam índices de reprovação alarmantes de quem é a culpa? Quando as respectivas provas de exame (para serem resolvidas em clima de tensão nervosa) estão, umas tantas, mal elaborados, e outras tantas, difíceis de resolver no tempo regulamentar de quem é, também, a culpa? Quando as matérias programáticas são tão extensas que não podem ser cumpridas nos tempos lectivos a elas destinada, de quem é, outro tanto, a culpa? Quando a complexidade dos assuntos a ensinar exige, em discriminação económica, dispendiosos explicadores (ainda mesmo, para espanto da nossa geração, no antigo ensino primário) no desumano sacrifício de todo um agregado familiar, de quem é, ainda, a culpa? Quando se extinguiram os ensinos técnicos secundários (Escolas Industriais e Comerciais) e médios (Institutos Industriais e Comerciais), em nome de uma pretensa democracia igualitária, sem ter em conta diferenças de natureza económica e/ou de aptidões para certas tarefas escolares que, por isso, levam os alunos a não terminar cursos universitários para os quais não se sentem vocacionados ou com poder económico suficiente para saldar os exorbitantes custos com propinas e o facto de se encontrarem longe de casa com as inerentes despesas em alojamento e alimentação, e, assim, ficarem sem formação adequada para entrarem no competitivo mundo do trabalho que requer, cada vez mais, gente e operários especializados de quem é, finalmente, a culpa? Dos alunos? Dos professores? Dos pais? Do ministério da Educação? De todos ou só de alguns?
Como escreveu Alberto Caeiro, “o ter consciência sobre as coisas não me obriga a ter teorias sobre as coisas”, mas há algo que não oferece qualquer dúvida, sequer, e que deve responsabilizar a sociedade portuguesa e seus desvarios pós-25 de Abril. Assim, quando princípios nobres foram contestados (v.g., a honra e a honestidade; a justiça e a verdade; a virtude e a lealdade) e a autoridade dos pais e dos professores posta em causa, discutida e não acatada, aqui, o insucesso escolar tem uma etiologia moral e identifica-se com uma doença da alma, jogando-se no cordão sanitário das influências conjuntas da família, da escola, dos colegas, dos amigos, o destino da criança e o futuro do País. O genoma do indivíduo mergulha as suas raízes no meio envolvente interagindo ambos em conformidade e em perfeita sincronia!
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
"Esforço para estudar"
A imagem que se segue, da autoria de Lynsey Addario, parecerá comum: afinal é um grupo de raparigas sorridentes em traje académico. Estranhar-se-á o hijab debaixo do barrete de formatura, mas, para muitas pessoas, isso não constituirá suspeita de que, no século XXI, estas estudantes univeristárias afegãs, para se formarem, correram perigo de vida. Estas e as que se seguiram.
A reportagem é da National Geografic de Fevereiro deste ano, onde se refere que:

"No Afeganistão, muitas meninas não recebem qualquer educação. Mesmo as que se matriculam costumam estudar apenas quatro anos. Estas alunas da turma de 2010 da Universidade de Cabul são uma nítida minoria. Usando o hijab sob o barrete de formatura, e sentadas em fileiras separadas dos colegas homens, estão se graduando no departamento de língua e literatura. O Talibã havia banido a educação para mulheres, mas as aulas foram retomadas depois da queda do regime, em 2001. Essa formatura aconteceu sob rígida segurança num hotel em Cabul.
sábado, 13 de agosto de 2011
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
Chuva de estrelas

Informação recebida no De Rerum Natura por Carlos Oliveira.
Esta noite, de 12 para 13, é o pico da chuva de estrelas conhecida como Perseidas. Trata-se de um evento anual, onde se podem ver fabulosas estrelas cadentes a rasgarem os céus.
Sobre o assunto poderá obter mais informações lendo o primeiro comentário a este post.
Subscrever:
Mensagens (Atom)
EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?
No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Não Entres Docilmente Nessa Noite Escura de Dylan Thomas (tradução de Fernando Guimarães) Não entres docilmente nessa noite seren...
-
Outro post convidado de Rui Baptista: Transformou-se num lugar-comum atribuir às gerações posteriores a responsabilidade pela perdição do mu...