terça-feira, 8 de julho de 2025

"TENHO ESPERANÇA NA RAZÃO E NA CONSCIÊNCIA HUMANA, NA DECÊNCIA"

Na continuação do texto Bárbaros à porta


Entendem dois políticos responsáveis pelos trabalhos na Assembleia da República e juristas e constitucionalistas que ler uma lista de nomes de crianças duma turma, em redes sociais e nessa Assembleia não viola nenhuma regra jurídica nem constitucional; é "liberdade de expressão". 

Pode ser que assim seja, não sei e, portanto, não me pronuncio, mas sob o ponto de vista ético e, mesmo moral, é um acto bárbaro e, por isso mesmo, condenável. E sob o ponto de vista educativo, é absolutamente reprovável por referência aos valores (éticos) que definem a cidadania.

Assim, fez bem o Ministro da Educação falar sobre o sucedido, distanciando-se dos seus dois colegas parlamentares (de outro partido). E também fez bem em estabelecer a ligação com a "disciplina" de cidadania, no respeito pelos valores da nossa Constituição (ver aqui). Nem outra coisa seria de esperar quando essa área está colocada nas prioridades das alterações curriculares em curso.
 
Entretanto:
- vários políticos de vários partidos rejeitaram o que consideram ser um comportamento populista, demagógico, instrumentalizador,  vergonhoso... tanto mais que se trata de crianças.
- sete associações de pais e encarregados de educação de escolas de Lisboa apresentaram uma “Carta Aberta de Repúdio às Declarações Xenófobas e à Exposição Indevida de Menores” dirigida ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República e partidos representados no parlamento e ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Além disso estão a ponderar apresentar queixa formal à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) e à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) (ver aqui);
- um partido político diz estar a fazer a mesma ponderação; 
- a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) disse ter recebido dezenas de queixa e, depois de uma análise, decidirá se avança para averiguações oficial (ver aqui).
 
Como Sygmund Bauman disse numa entrevista, já no fim da sua longa vida, “tenho esperança na razão e na consciência humana, na decência”. Também eu tenho!

Por muito que certas pessoas e grupos façam para espalhar o caos e a perfídia, por muito que gritem e esbracejem, não conseguem destruir os padrões civilizacionais que regulam a nossa vida em comum. No respeito pelas instituições democráticas que preza esses valores, podemos, de modo sereno, fazê-los valer.

Termino esta nota, recomendando vivamente a leitura de um excelente artigo saído ontem no Público e assinado por Marine Santos (ver aqui)
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Nota: Recortes recolhido no jornal Expresso de 8/7/2025 em artigos de Liliana Coelho e de Isabel Leiria.

1 comentário:

Carlos Ricardo Soares disse...

Não me atrevo a generalizar, mas intuo que o fenómeno Chega está em linha com uma análise histórica, sociológica e de forte componente psicológica, do fenómeno mais geral, muito bem rotulado, diria mesmo, genialmente designado, por bárbaros à porta. Pese embora a ambiguidade gerada pelo contexto, que pode prejudicar a eficácia do argumento, os bárbaros já não estão à porta, já estão no parlamento. E estão em força, embora não tanta, por enquanto, que possam mandar calar os outros. Se pudermos dizer que continuam a ser bárbaros à porta, por ainda não serem governo, então só lhes falta isso para deixarem de ser bárbaros à porta e passarem a ser apenas bárbaros. Se lá chegarem, e já esteve mais longe, cairá o complexo de serem bárbaros à porta, excluídos da política e começarão os verdadeiros problemas.
A democracia já deu provas de resiliência e de aptidão suficiente para impedir partidos antidemocráticos de capturarem o Estado e de, mesmo permitindo a sua existência, eles serem convocados para resolverem os seus próprios paradoxos e contradições. Na resposta a este repto e a esta condição, a médio prazo, acabam por não ter sucesso.
Há razões para ter esperança na razão e na consciência que, em meu entender, são duas faces da mesma moeda transparente. Mas onde aposto mais é na inelutável racionalidade humana, seja ela dos bárbaros, ou não.
Sendo certo que, em matérias conflituosas, que opõem interesses, o choque é evitável se houver poder negocial, mas os conflitos poderão multiplicar-se e agravar-se se houver choque. Neste caso, a racionalidade opera no quadro das possibilidades em conflito.
Quando o presidente da Assembleia da República se estriba numa “alegada” conformidade com a lei e fica por isso mesmo, relativamente a uma conduta parlamentar deplorável e vergonhosa, mas mesmo que o não fosse, revela uma pusilanimidade confrangedora que não o dignifica minimamente. Perante uma violação dos limites éticos e morais, ou até do bom senso, escudar-se na conformidade com a lei até podia ser justificável por dever do cargo, mas não deixa de significar a opção pelo comodismo de não se pronunciar sobre uma matéria que incomoda. Se ele fosse daquelas pessoas, que as há em abundância, que andam sempre a perguntar o que é que a lei diz, porque não são capazes de assumir autonomamente um juízo ético ou moral, para as quais a lei e só a lei conta, independentemente da sua razoabilidade, justiça, alcance, fundamento, legitimidade e humanidade, ainda podíamos compreender o seu escrúpulo legalista, mas já não é a primeira vez que, por comodismo, nos remete genericamente para uma lei que não existe ou que, pelo menos, é duvidoso que exista, para não ter de se comprometer pessoalmente. Os tempos que vivemos não se compadecem, nem são compatíveis com elementos políticos que representam interesses pessoais, de grupo e partidários, mas não se comprometem com valores mais altos e que têm como prioridade, não o respeito pela lei que, eventualmente, até não exista, mas a própria irresponsabilidade ética e moral. A barbaridade assume muitas formas, mas é sempre demolidora e pungente.

"TENHO ESPERANÇA NA RAZÃO E NA CONSCIÊNCIA HUMANA, NA DECÊNCIA"

Na continuação do texto Bárbaros à porta .  Entendem dois políticos responsáveis pelos trabalhos na Assembleia da República e juristas e con...