Julgo que nunca, até ao presente em que estamos, se havia mostrado ao mundo, em directo e sem rodeios, triunfos tão declarados, ostensivos e arrogantes de interesses privados de matriz económico-financeira sobre o bem-comum (e sobre os valores éticos que o constituem), que os Estados de Direito, democráticos, têm obrigação de preservar
"Menos Estado, melhor Estado", o slogan neo-liberal, que nos anos oitenta do século passado um presidente norte-americano integrou no seu discurso de tomada de posse, teve resultados efectivos, que não podiam ser mais explícitos do que aqueles que nos é dado conhecer através do trabalho dos jornalistas. O modo "natural" como indivíduos e corporações (externas ao Estado e que não têm mandato para o representar) impõem a sua presença no espaço público, afirmando a sua vontade inequívoca e o seu poder absoluto, indica um desrespeito por aquilo que é bom e justo para todos.
Este fenómeno tem sido reiterado em várias obras recentes que, além de o explicarem, de modo muito convergente, afirmam a especial responsabilidade que a educação escolar tem na inversão que se impõe. Uma obra que se me afigura de grande interesse é assinada pelo norte-americano Michael Sandel, outra pelo holandês Butger Bregman, uma terceira pelo português José Ferro Rodrigues. A última que nenhum educador deve ignorar foi elaborada pela Unesco.
Ainda que não possamos deixar de reconhecer os limites da educação (sobretudo quando as promessas encantatórias de "fama e dinheiro", independentemente dos fins perseguidos, chegam de todos os lados aos mais jovens), como directores e professores, na escola pública, não podemos descartar o nosso especial dever de educar para o bem-comum como salvaguarda da democracia. Eventualmente, como último reduto em que isso pode acontecer.
4 comentários:
O bem comum, na realidade histórica, variou e evoluiu muito, ao longo dos tempos e de modos que requerem não pouca investigação.
Mas o conceito, geral e abstrato, todavia, pouco terá evoluído em 3 mil anos.
O bem comum que temos em Portugal e o bem comum que têm os americanos dos EUA, por exemplo, são realidades muito diferentes, mas correspondem ao conceito de bem comum.
Tratando-se, no entanto, de realidades de países e de Estados, de que estes cuidam e prosseguem, ou devem prosseguir, o problema agiganta-se não tanto como problema teórico, mas como problema prático que afecta e corta na carne e nos interesses das pessoas concretas.
Só para falarmos da Educação, existe um bem comum em Portugal que é possível identificar e inventariar. Não sei se alguma vez foi inventariado, mas a ideia de o ser anualmente, ou com outra periodicidade, não me parece tonta, e podia ser muito útil e produtiva. Esse bem comum, tanto quanto me apercebo, tem variado significativamente ao longo dos anos e é de crer que continue a variar, em função de factores e de condições que, em grande parte, não são aleatórias.
Muito do saber o que é o bem comum está intrincado na concepção daquilo que deve ser o bem comum, o que também coloca problemas de relações entre o comum e o particular.
Gerir o bem comum são funções e tarefas que, para serem bem sucedidas, e não há garantias de que o sejam, requerem e não podem ser feitas sem conhecimentos, entre os quais, relevam saber a diferença entre as condições e as exigências de uma gestão do bem comum e de uma gestão do bem particular.
O que tenho visto no panorama e nas montras da propaganda política e económica é muito desolador e preocupante porque passa a ideia de que há muitos gestores particulares, alguns com sucesso medido pelos lucros, ainda que provisórios ou temporários, e que é isso que falta ao bem público.
Pois eu apostava que nenhum dos que se apresentam como bons gestores dos bens particulares tem perfil ou reúne condições para gerir o bem comum. Nem sequer o bem comum dos accionistas que, em muitos casos, lhes compete gerir.
Vejo como altamente ameaçador e demolidor do Estado como o conhecemos, o simples facto de tantos eleitores se entusiasmarem com o rei da pirotecnia, ou com o dono da mais premiada junta de bois da feira para presidente de um Estado, ministro da Educação, ou Provedor dos órfãos e viúvas e, muito menos, para presidente de um sindicato, ainda que não fosse um sindicato de professores.
Não basta ser rei para que as coisas boas e necessárias aconteçam, sobretudo as que forem boas e necessárias para todos.
Só uma pequena correção, Michael Sandel é norte-americano.
Estimado Leitor, muito obrigada. Um engano que não devia ter acontecido. MHDamião
Sabio lusitano
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