sábado, 18 de janeiro de 2025

SE NÃO HÁ PROFESSORES, ENTÃO, ACABE-SE COM OS PROFESSORES!

Com frequência, tomo conhecimento de iniciativas, de projectos, de empreendimentos declarados disruptivos e inovadores destinados a apoiar, a dar suporte ao ensino. Como a escassez de professores diplomados é crescente e não se encontra facilmente quem, não tendo diploma, queira apresentar-se como professor, a oportunidade de negócio é grande, há que aproveitá-la!

Se as novas tecnologias digitais já proporcionavam plataformas, documentos e equipamentos para ajudar os professores ou para os substituírem, com a "democratização" da inteligência artificial essa oportunidade viu-se ampliada e diversificada. Não faltam propostas de empresas, fundações, ONG, universidades que mais parecem propaganda a milagres: se isto for acolhido, então... resolve-se isto e aquilo. Nenhum problema, nenhum constrangimento.

Imagem recolhida aqui.
Eis um exemplo com o qual me cruzei pela segunda vez: trata-se de uma empresa com o curioso nome de 21st Century Digital Teaching, tem sede no Reino Unido e quer expandir-se pela Europa (ver aqui). Não se pode dizer que lhe falte ambição: propõe-se resolver a crise da falta de professores. 

Como fará isso? Reduzindo substancialmente o número de professores necessários ao funcionamento do sistema. Parece um contrassenso, não é? Para se resolver a falta de professores, diminui-se o número de professores.

Em concreto: amplia-se o espectro digital inteligente com avatares, com uma app de ensino, e com uma plataforma. Tudo isto deu muito trabalho a conseguir. Imagino que sim.

Mas, dizem os responsáveis pela empresa, assim se consegue uma aprendizagem mais individualizada, maior envolvimento dos alunos, maior foco da sua parte (em tempos mais reduzidos dado que a sua atenção não vai além de cinco minutos), mais possibilidade de ser acompanhado e de ter feedback personalizado. Também se apontam vantagens para os (poucos) professores que operam no sistema: aligeira-lhes a tarefa de avaliar e dar feedback, permite-lhes ter uma ideia precisa da evolução dos alunos para os ajudar a conseguir melhor desempenho, torna as suas aulas mais funcionais.

E, claro, os sistemas poupam dinheiro, é o velho princípio: "fazer mais com menos".
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Nota
: Uma entrevista aos empresários em causa pode ser encontra aqui e uma tradução da notícia pode ser lida aqui

16 comentários:

Anónimo disse...

No 1 CEB essa brilhante ideia não é funcional. Os alunos não são digitalmente autónomos e os pais precisam de quem tome conta dos filhos menores enquanto vão trabalhar. E a gente até passa diplomas e tudo.

Helena Damião disse...

Prezado Leitor Anónimo
1) Estes discursos / projectos não especificam a idade dos alunos: podem referir-se ao 1.º ciclo do ensino básico ou ao ensino universitário. Não é preciso ser psicólogo para se perceber que o ser humano não é, à partida autónomo, vai ganhando autonomia...
2) Quanto aos diplomas, há escolas (privadas) que não atribuem diplomas porque entendem que o diploma nada diz daquilo que os "formados" conseguem fazer. E isso faz parte da sua imagem de marca. ´Recorrem ao slogan: "mostra-me o que consegues fazer..."
3) Há propostas - e são várias - para que a escolaridade obrigatória deixe de acontecer na escola (em edifícios) e passe a acontecer em "ecossistemas de aprendizagem". No caso, a escola (edifício) teria outras serventias, nomeadamente passar diplomas.
4) Que cuida dos menores? Bom, talvez já existam avatares, hologramas, robots programados para tal.
Cordialmente, MHDamião

Mário R. Gonçalves disse...

Isso vai no sentido do que eu sempre pensei ser o ideal de ensino a alcançar: o estudante autodidacta. Pensa por si, escolhe por si, busca as ferramentas de que precisa; e quando fica bloqueado pede ajuda, aí sim, a um professor humano. O professor passa a ser um investigador e disponibilizador de fontes e ferramentas que só interfere quando solicitado. Deve ser sempre deixada em aberto a hipótese de interferir sempre que dê conta - deve estar atento - de que o estudante mostra desorientação ou escolhas muito inadequadas.
Eu sempre desejei isso para mim: dêem-me os objectivos, os livros, os apontamentos, as fontes, e eu estudo sem precisar de nenhum 'mestre'. Até porque 'mestres' são um bem muito escasso, a que se pode recorrer em situações especiais, e na verdade podem até ser um perigo se usam os seus saberes para criar 'seguidores'.

Helena Damião disse...

Diz bem, estimado leitor, "ideal de ensino". A realidade é, contudo, diferente. Como humanos, não conseguimos aprender, de modo autónomo, sem ensino, o conhecimento que, desde há milénios, passou a ficar confiado à escola, o "conhecimento secundário". É evidente que o sentido da educação escolar deve ser o da autonomia... quem começa a aprender algo não é autónomo em relação a essa aprendizagem, mas a escola deve fazer com se torne autónomo em relação a essa aprendizagem. Cordialmente, MHDamião

Anónimo disse...

A abordagem, pela rama, das matérias escolares, que os dirigentes políticos vêm impondo aos professores e às escolas não se coaduna com o número exagerado de mais de cem mil professores e educadores de infância que lecionam em Portugal, por exemplo. Atualmente, qualquer professor monodocente (educador de infância ou professor primário) tem formação, ainda que não seja universitária, mas apenas politécnica, para leccionar as trivialidades de Matemática, de Física, de Química, de Português e de Francês, por exemplo, dos curricula do secundário. Dizer que à falta de professores, num sistema todo feito para afastar os professores do ensino, é, no mínimo, paradoxal!
Se o ensino secundário não tem valor por si próprio, mas apenas como rampa de lançamento para os ensinos universitário e politécnico, onde, verdadeiramente, os alunos poderão vir a aprender alguma coisa, então reduzam o número de disciplinas do básico e secundário para metade do atual, e, de um momento para o outro, passaremos a ter excesso de professores.

Anónimo disse...

Errata: onde se lê "à falta de professores", deve ler-se "há falta de professores".

Anónimo disse...

Até vou mais longe. Deveriam retirar do ensino todos os professores que fizeram os seus cursos no ensino politécnico. Assumir que foi um erro de casting, mandá-los para casa com uma indemnização e colocar em seu lugar docentes do secundário, esses sim, verdadeiros professores.

Anónimo disse...

Até tenho outra sugestão: como o 1.o CEB é tão fácil e qualquer bicho careta consegue reproduzir o currículo oficial, por que não colocar a dar aulas vendedores das empresas de manuais? Quando vou a reuniões de apresentação de manuais escolares fico sempre com a impressão de que me estão a tentar ensinar qualquer coisa a esta altura do campeonato. Olha! Não é uma excelente ideia?

Anónimo disse...

Meu caro, os colegas do 1.o ciclo não querem dar aulas ao secundário. Não achamos que isso seja subir socialmente e não serve para nada, uma vez que ganhamos o mesmo. Temos colegas com cursos superiores em universidades, em várias áreas do saber, que tiraram especialização em Educação Especial para virem lecionar no 1.o ciclo, simplesmente porque gostam mais.

Anónimo disse...

Dra. Helena, por favor, esclareça-me. O curso de supervisão educativa, no enquadramento educativo, serve exatamente para quê? Qualquer um pode assumir cargos de coordenação superiores ou intermédios; qualquer um pode avaliar professores interna e externamente (basta estar em escalões acima dos avaliados); qualquer um pode fazer parte das comissões de avaliação interna do agrupamento; qualquer um pode estar nas assessorias à Direção… Ninguém cumpre o que vem na lei quanto a esse curso. Então, serve para quê?

Carlos Ricardo Soares disse...

Falar da Escola, digo Escola Pública, não é o mesmo que falar de Escola, em geral, nem de Escola, enquanto Ensino Particular, como vem sendo entendido em Portugal. É uma frustração sem saída retomar os temas à volta da Educação e do Ensino, do que são e do que devem ser, sem delimitar convenientemente o tema e o problema. Uma afirmação válida para a Escola Pública pode ser descabida para o Ensino Particular.
A impressão com que fico sempre que leio opiniões sobre estes assuntos é que, um pouco à semelhança do que se passa no futebol, todos sabem o que é, porque as regras do jogo são simples, muitos dizem o que deve ser, mas só uns tantos jogam e, destes, nenhum se conforma com o jogo em que sai a perder. De qualquer modo, o que decide o resultado nunca é uma mera soma de factores, que são conhecidos de todos. Por isso é que, tal como também acontece nas missas, os treinos e as palestras dos treinadores, tirando a parte física e táctica, repetem-se e podiam ser substituídas por um robot.
Na Escola, a parte humana, física e mental do processo de aprendizagem e de aplicação de competências e de conhecimentos, não deve ser metida numa trituradora altifalante e repetitiva, dos sentidos, da energia e da paciência para pensar, levando tantas vezes ao resultado oposto daquilo que devia ser realizado.
A forma como a Escola está estruturada e organizada, numa sala com um professor e um livro, ou outros recursos do mesmo tipo e com idêntica finalidade de incutir aprendizagem teórica em situação de simulação, se funciona com algum tipo de alunos, não resulta para a maioria.
A própria predisposição individual do aluno para se sentir bem e realizado num modelo que ele gere muito bem e com sucesso, é uma condição “sui generis” que, nos tempos em que fui estudante, era, praticamente, “conditio sine qua non” para ser encaminhado para a Escola.
Houve uma grande mudança social e político-económica que promoveu e potenciou a obrigatoriedade de um modelo que não se adaptou à nova realidade dos alunos. Digamos que, grosso modo, não conseguiu ultrapassar o problema de o aluno ser uma espécie de variável independente.
Na realidade, não é boa ideia fazer de conta que têm de ser os alunos a mudar para que a Escola continue a ser o que era. Boa ideia será encarar o facto de que, se não é possível adaptar os alunos à Escola, talvez o melhor seja pensar em adaptar a Escola aos alunos, porque esta é, sem dúvida, a variável dependente.

Anónimo disse...

Rejeitando palavras melífluas, cumpre-me esclarecer Vossa Excelência que "adaptar a Escola aos alunos", quer dizer dar o poder hierárquico a quem está para aprender, na relação professor-aluno, obrigando mestre a conformar-se com a posição por baixo, arrebenta com a disciplina que é, desde a antiga Grécia, condição "sine qua non" para haver escola, qualquer tipo de escola.. O que temos em Portugal - onde as autoridades competentes, muito aquém de procurarem resolver o problema da indisciplina e violência escolar, negam-no, logo à partida - é uma palhaçada!

Anónimo disse...

“Adaptar a Escola aos alunos”… O que é isso, em termos práticos e pedagógicos? A Escola serve para cumprir os alunos e adaptar-se? A sério?

Anónimo disse...

Não me importo de pedir mais jogos e baloiços e aumentar os intervalos para dentro da sala com aquela ludicidade espiritual que nunca me abandonou e que tenho como característica férrea de suporte a qualquer ovni que possa precisar de uma plataforma risonha para aterrar.

Anónimo disse...

Eu não gosto do anónimo que diz que isto é tudo é uma palhaçada, mas devo concordar com ele, em espelho.

M. Jorge disse...

O recurso a IA é inevitavelmente sedutor: são a escassez de professores, os salários que se poupam e outros mais. Mas porque não perguntar aos decisores políticos por tais recursos em decisão se colocariam os seus filhos a ser ensinados dessa maneira. O argumento por tal decisão especulativa facilmente cairia por terra assim que se apercebessem que a transferência de conhecimentos, a autorregulação e a supervisão dos seus filhos seria difícil. Mas, não bastando, que teste a hipótese com um percurso CEF, PIEF, PCA ou profissional secundário.
Sugiro a leitura do conto "The fun they had" de Isaac Assimov, certamente surgirão algumas questões.

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