quarta-feira, 15 de maio de 2024

A FEALDADE DA LINGUAGEM DE ALGUNS ESPECIALISTAS

Como sugeri em vários apontamentos que tenho deixado neste blogue, vale muito a pena ler o que Jorge Larrosa escreve sobre o ensino e a formação de professores. Em mais um apontamento, recupero parte de uma entrevista que, em 2013, deu a Camila Ploennes (ver aqui).

Sobre a linguagem pseudo-educativa, a "linguagem dos especialistas", como diz...
"A minha mãe foi professora de creche por muitos anos. Hoje ela tem 82 anos. Ela tinha muito talento para contar histórias (...). Morávamos numa aldeia muito pequenininha do interior. Quando eu tinha 16 anos, migramos para a cidade e, então, minha mãe começou a trabalhar em uma escola que já estava altamente colonizada pela língua dos especialistas. Ela sentiu uma coisa muito particular: que a língua dela não estava autorizada, que não falava a língua dominante e então sentiu isso como uma humilhação. Porque ela não dominava a linguagem da psicologia, da psicologia cognitiva, das técnicas de avaliação (...). Então eu creio que ao reivindicar (...) o direito de o professor contar histórias, estou reivindicando um pouco a minha mãe. Porque ela tinha uma língua literária, porque era narrativa, mas ao mesmo tempo tinha a vontade de transmitir uma experiência, um conhecimento (...). E eu creio que essa língua está quase desaparecendo do campo educativo, então todo mundo tem de aprender a falar como os especialistas e isso é um problema, porque essa língua é feia."

Sobre a função do professor e do contexto em que professor e alunos se encontram em virtude de um interesse pelo mundo, quando juntos constroem algo que é comum.

"O professor não é um mediador. Existe um invento muito prodigioso que é a sala de aula. Uma sala de porta fechada, onde se reúnem várias pessoas e um professor, juntos, de corpo presente. A sala de aula é um espaço tridimensional, onde as pessoas estão reunidas ao redor de algo que é uma matéria de estudo. Na escola, as pessoas não estão interessadas umas pelas outras, se estão ali é porque estão interessadas pela mesma coisa, que é pelo mundo, pela matéria de estudo. Então o que acontece quando a sala de aula tem tecnologia? Ela se converte em um “entorno de aprendizagem”, como se gosta de dizer agora. Esse caráter tridimensional desaparece e esse caráter “comunista” desaparece e cada um está conectado ao conhecimento de uma forma privada e particular. Mas aí a sala de aula desaparece e cada vez mais. Não é mais um espaço tridimensional, é um espaço bidimensional, como é a tela. Minha ideia é a de que cada vez mais nos relacionamos com o mundo por meio da tela, por meio do mundo bidimensional, que não tem profundidade. Quando a sala de aula se converte em um centro de conexões, esse lugar onde cada um se conecta com algo, essa dimensão do que havia de comunitário desaparece. Eu não sou contra as tecnologias, mas me parece que as tecnologias são interessantes e educativas se usadas para construir o que é comum. E se são usadas como maneiras particulares e privadas de relacionar-se com o conhecimento já não são educativas, são outra coisa (...)."
"Uma aula é construir uma conversação sobre algo comum. E uma conversação pode ser construída com vários elementos: com textos, com tecnologia, com artes, com o que for. Mas o importante é que tudo isso construa algo comum e não algo particular de cada um. E aí creio que não é uma questão de tecnologia; se é tecnologia ou não. Tem a ver com a individualização. A educação no mundo moderno vai a favor de um individualismo, da separação das pessoas. Então as tecnologias unem as pessoas ou as separam? Unem as pessoas porque as conectam e as separam, porque cada um está com seu computador, com seu facebook, com sua televisão. Unem e separam ao mesmo tempo. Então as tecnologias são educativas quando unem e não quando separam (...)."

3 comentários:

António Pires disse...

A "linguagem dos especialistas" é muito feia. Mesmo assim, a maioria dos professores e educadores de infância portugueses ("professora de creche" - que horror!)aceita com subserviência hipócrita as ordens obtusas desses especialistas que lhes roubaram a autonomia técnica e pedagógica, quer dizer, despojaram-nos da liberdade para ensinar a verdadeira matéria escolar, que era, outrora, o timbre da profissão de professor.
Um professor não é uma máquina de contar histórias.
Uma história bem contada por um professor aos seus alunos, reunidos numa sala de aula, é um ato poético!

Helena Damião disse...

Penso que no Brasil a palavra "professor" inclui o educador de infância.
MHDamião

António Pires disse...

Efetivamente, no Brasil são todos professores, incluindo, obviamente, os "professores de educação infantil". Em Portugal, nem todos são professores, mas existe uma "carreira única" que privilegia os "educadores de infância". Embalados por esta e outras distinções, muitos dos novos doutores educadores de infância já se aventuram no estudo da relação do seu trabalho com o aumento das sinapses, que ocorrem nos cérebros das crianças sob o seu magistério.

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