domingo, 29 de outubro de 2023

O APRENDIZ DE FEITICEIRO: DE COMO UM PENSAMENTO REACCIONÁRIO DO SÉCULO XIX SE TORNOU UM AVISO SENSATO NO SÉCULO XXI

Joseph de Maistre foi um filósofo, crítico e pensador político dos séculos XVIII / XIX, opositor impiedoso do iluminismo e, mesmo, reacionário ultramontano e pai espiritual de Charles Maurras. Excelente prosador, contudo, teve, como tal, a aprovação de poetas como Lamartine e Baudelaire. É dele este pensamento, de 1800, que traduzo: 
"Se não voltamos às máximas antigas, se a educação não é reentregue aos padres e se a ciência não é posta, por todo o lado, em segundo lugar, os males que nos esperam são incalculáveis: seremos embrutecidos pela ciência e será o último grau do embrutecimento.” 
Pondo de lado a reentrega da educação aos padres – lagarto! lagarto! lagarto! – há, no pensamento deste impenitente reacionário, matéria que merece atenção. 
 
É evidente que não poderemos atribuir à ciência só alguns males sérios que estamos a fazer à humanidade e à vida no planeta, em geral, e esquecermos os incalculáveis benefícios que ela deu ao nosso viver material e espiritual. 
 
Nos transportes, nas comunicações, na vida doméstica, no campo essencial da medicina, no armazenamento e rápida transmissão do conhecimento, nos novos instrumentos e condimentos que trouxe às artes, a ciência prestou um indiscutível melhor estar aos humanos. 
 
Mas não houve, hélas!, um necessário e cauteloso equilíbrio entre essas vantagens inegáveis e a depredação que, com elas, andámos a fazer ao ambiente, além do mal que andamos também a fazer às mentes das novas gerações, com o uso embrutecedor de certas vantagens tecnológicas. O uso indiscriminado e pouco pensado do telemóvel e do computador, para dar um só exemplo, está a produzir intermináveis fornadas de imbecis e ignorantes, totalmente convencidos e satisfeitos consigo próprios e com o seu próprio saber, “porque está tudo na internet”. Pois está: antigamente também estava tudo nas enciclopédias, mas não estava na cabeça deles, como agora também não está. 
 
Esta horrível desfasagem entre o crescimento assombroso da ciência e a nossa estagnação em termos de sabedoria de viver, foi e tem sido diagnosticada, com alarme, por figuras como Einstein e até por pais fundadores da ciência informática. 
 
Estamos, como o aprendiz de feiticeiro, a brincar com um invento de que não sabemos muito bem as consequências que nos vai trazer. Ou sabemos e fechamos os olhos para não ver e a cabeça para não antever. 
 
No entanto, o feio e crescente embrutecimento está à vista: basta uma visita breve às malcheirosas redes sociais. Nunca tantos disseram tantos dislates em tão pouco tempo e com tal velocidade de transmissão.
 
Eugénio Lisboa

11 comentários:

Um Jeito Manso disse...

Perfeito.

Eugénio Lisboa disse...

Muito obrigado, caríssimo UM JEITO MANSO. Raramente posso escrever esta palavra tão gratificante, a propósito de um comentário aqui feito a um texto meu. Normalmente, escrevo alhos e respondem-me com bugalhos, quase sempre ideologicamente enviesados e agressivos. É o que temos. Uma visita a estes comentários pelo nosso ministro da educação talvez o ajudasse a perceber melhor de que fibra é feita a "geração mais qualificada de sempre".

Anónimo disse...

"Há pouco estava a ver o Major-General Arnault Moreira, pessoa simpatiquíssima e que diz coisas com que, se bem me lembro, sempre concordo, e estava a pensar escrever qualquer coisa sobre a excelente capacidade didáctica destes militares (com excepção para aqueles dois horríveis, mal-encarados que vêm para a televisão bolsar a cartilha putinista e de quem nem é bom a gente dizer o nome)." Retirado do blog do Um Jeito

Eugénio Lisboa disse...

Se o Anónimo do verbete anterior é quem eu suponho - e costumo supor bem - a intenção não é aplaudir o texto que cita: é uma intenção enviesada, própria do seu comportamento persistente. Mas eu, de cara aberta, aplaudo, com gosto e sem complexos. Atacar os "compagnons de route" de figuras como Putin é um acto de boa higiene cívica. Só os costumeiros lacaios de tiranos não costumam ver com bons olhos palavras justiceiras, como as que cita.

Eugénio Lisboa disse...

O verbete do Anónimo confirma o que tenho aqui dito: escrevo alhos e eles respondem com enviesados bugalhos. Porque pessoas como o Anónimo não procuram honestamente dialogar, esclarecer, clarificar. Saem ocasionalmente dos esgotos, com o único objectivo de empestar, denegrir, caluniar, tudo em benefício da mais que falida "boa doutrina". O estilo sempre enviesado que usam e o recurso à lógica da "autoridade" - processo que já abriu falência há séculos - indiciam, para além de qualquer dúvida a assinatura escondida do autor do verbete.

Anónimo disse...

Ao Major-General Arnault Moreira, pode juntar-se o Major-General Isidro Morais Pereira. São sujeitos ultrapassados, nos dias de hoje são o equivalente aos antigos homens do regime facista... aqueles dois homens que o Jeito Manso não quer se ouvir o nome são o Major-General Agostinho Costa e o Major-General Carlos Branco são homens do nosso tempo, que compreendem o mundo em que vivemos e a sua complexidade.

O sr. Eugénio Lisboa é que escolheu o lugar onde quer estar e os apoios são consentâneos. Aos democratas resta-nos o combate no esclarecimento. Lamente-se de sí próprio, e tenha por isso vergonha da escolha que fez.

25 de Abril sempre fascismo nunca mais.

Eugénio Lisboa disse...

O que é que esses generais têm que ver com o meu texto sobre O APRENDIZ DE FEITICEIRO? Aprenda, uma vez por todas, a comentar o que escrevo e não aquilo que o Sr. imagina que escrevo. Parafraseando o grande e já falecido José Sesinando, o Anónimo afigura-se-me pessoa de leitura vasta, porém confusa. Daqueles que confundem François Mauriac e André Maurois, transformando-os em François Maurois e André Mauriac. Varra essas teias de aranha que tem na cabeça e que confunde com cultura. E deixe-me sossegado, porque tenho mais e melhor que fazer. O senhor não é educável: está petrificado em crenças que costumam colidir com a realidade. E que o senhor pretende validar, citando os sempre mesmos autores, como se isso fosse maneira legítima de validar uma crença. Os dicionários de asneiras ditas por grandes homens são grossíssimos volumes, dignos de boa leitura. Sugiro-lha, porque talvez a ache edificante.

Anónimo disse...

O Sr. Eugénio Lisboa no texto que escreve confunde a estupidez (embrutecimento como lhe chama) com a falta de conhecimento.

Toda a gente sabe, menos o Sr. Eugénio Lisboa, que pode haver falta de conhecimento e haver inteligência.

Dito de outra forma, nem todos os que têm falta de conhecimento são embrutecidos e estupidos.

É por isso mesmo que é um texto que não tem ponta por onde se lhe pegue.

Custa muito pensar um pouco, e bem, Sr. Eugénio Lisboa!!!

Há quem veja num pobre um ladrão, é esta a formula de pensar que o Sr. Eugénio Lisboa emprega no texto.

Quanto aos generais, são um exemplo para perceber aqueles que pensam como o Sr. Eugénio Lisboa, e que têm igualmente a conviccão de que a maioria são "fornadas de imbecis e ignorantes" - de outra forma, não teriam a coragem para afirmar os seus disparates.

Carlos Ricardo Soares disse...

Ao tentar interpretar e compreender a citação de Joseph de Maistre, cruzei-me com o meu próprio pensamento, que exprime um sentimento de descrença na humanidade e de indignação e revolta contra todos aqueles que não sabem viver sem causar sofrimento, dano e humilhação aos outros.
O rumo que o mundo leva é a apoteose dos demónios sobre os mortais, num espetáculo degradante de humilhação e de ofensa.
O que nos embrutece é a glorificação do que nos esmaga e nos mata.
E quando nos dizem que é tudo para nosso benefício, quando encenam as tragédias como uma homenagem grandiosa que nos prestam, o pior que nos fazem sentir é vergonha de sermos humanos.

Anónimo disse...

Fica um disparate bárbaro do Eugénio, que em nada envergonharia alguns generais:

"E os que defendem o povo palestiniano, esquecendo-se de que faz parte deles o HAMAS" Eugénio Lisboa

Miguel disse...


O progresso que interessa e que emancipa é um processo através do qual se acrescentam novos saberes, conhecimentos e técnicas (sob exercemos pessoalmente controle) a tudo aquilo que de melhor e mais enriquecedor a Humanidade já produziu. É acrescentar; não é dar novos aparelhos com uma mão enquanto se rouba a riqueza que era nossa com a outra.

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