Por Eugénio Lisboa
Há escritores que não costumam ser tidos por “grandes escritores”. Chegam mesmo a não ser considerados como escritores respeitáveis. Não fica bem citá-los, a não ser, pedindo embaraçadas desculpas. E, no entanto, trata-se de autores que foram, para nós, importantes, porque nos propiciaram horas de leitura empolgante, nos fizeram boa companhia, quando vimos muitas das suas obras magistralmente adaptadas ao cinema, dirigidas por grandes realizadores e interpretadas por inesquecíveis actores e actrizes, e nos deixaram uma irresistível vontade de os reler, para revisitarmos emoções que nos abalaram.
Considero pois ingratidão e despropositada snobeira, fingir que os não lemos e que eles não têm um nicho muito especial no nosso panteão privado. No meu têm.
Uma das características que sempre admirei no grande escritor brasileiro, Lêdo Ivo, notável como poeta, novelista e, sobretudo, como ensaísta e cronista, foi a sua indefectível lealdade a certas admirações que lhe vinham da infância e adolescência e que, porque lhe tinham feito bem e dado momentos de grande emoção, nunca quis deixar “cair”.
Não ser snob, nos nossos amores, é a pedra de toque da autenticidade das nossas emoções.
Não me custa nada dizer – e teria vergonha de o esconder – que, um dos livros que mais emocionaram o começo da minha adolescência, foi o romance de Júlio Verne, intitulado FAMÍLIA SEM NOME. Outro foi O CONDE DE MONTECRISTO, que é, aliás, e sem desculpas, um grande romance. E também nunca me esquecerei de OS DRAMAS DA INTERNACIONAL, de Pierre Zaccone.
Vem tudo isto a propósito de um escritor americano, a quem devo muitas horas de leitura empolgante, de autêntico “suspense”, e de quem ando a ler, actualmente, algumas novelas que ainda não conhecia. Trata-se do escritor Cornell Woolrich, que também usou muito o pseudónimo de William Irish e, menos, o de George Hopley. Bicho solitário, automarginalizado, sombrio e maltratado pela vida, fez um casamento desastrado e efémero – era, afinal, homossexual – viveu o resto da vida com uma mãe, matriarca sanguessuga, procurando, na escrita, o único alívio para os seus infernos.
Ficou conhecido, e com razão, como o Edgar Poe do século XX, mas, ao contrário deste, teve grande êxito, na venda da sua vasta obra e nas 42 adaptações ao cinema dos seus livros. Notáveis realizadores como Hitchcock, Truffaut, Siodmak e Fassbinder ocuparam-se de obras suas. Alguns destes filmes ficaram na História de cinema, como A JANELA INDISCRETA (REAR WINDOW), de 1954, de Hitchcock, e os dois de Truffaut: LA MARIÉE ÉTAIT EN NOIR , de 1968, e LA SIRÈNE DU MISSISSIPI, de 1969.
Sempre pensei que estas duas adaptações do realizador francês foram o pagamento de uma dívida. Truffaut teve uma infância e adolescência como o pão que o diabo amassou e os contos e novelas de Irish devem ter-lhe feito boa companhia, nesses momentos amargos. As almas bem feitas costumam ser gratas e gostam de pagar o que devem.
Outro filme notável, baseado num dos mais famosos romances de Irish – PHANTOM LADY – teve, como realizador, Robert Siodmak, que já nos deixara o impressionante THE KILLERS, baseado no célebre conto de Hemingway.
A vida torturada deste notável escafandrista dos infernos da condição humana, vida envolta num espesso negrume sem saída, deixa-nos entrever um único raio de sol: a alegria da escrita, eficaz tintura para uma ferida dolorosa. Mas esta felizmente vastíssima obra não se limitou a servir de consolo para o seu criador: quantos leitores, por esse mundo fora, lhe não devem, se não a cura, pelo menos um decisivo alívio das aflições que os visitaram!
Eugénio Lisboa
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