quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

AS PRIMEIRAS LEITURAS QUE MARCARAM PROFUNDAMENTE A MINHA ADOLESCÊNCIA

Para os leitores que se tornam grandes leitores intensivos, mas não traga-livros, as primeiras leituras feitas na aurora da adolescência deixam uma marca profunda. Diria mesmo, uma marca inapagável e transcendente.

Quando estabeleço uma diferença entre leitores “intensivos” e “traga-livros”, quero dizer simplesmente isto: o leitor intensivo não é o consumidor apressado de livros, saltando, ofegantemente, de um para outro, sem se demorar em nenhum; o leitor intensivo lê muito, mas lê devagar e demora-se longamente dentro do livro, relê-o em sucessivas revisitas e nunca mais o larga de vista. Ao longo da vida, vai aprofundando o conhecimento do livro, dos seus personagens, percebendo melhor os motivos e matizando os juízos.

O leitor intensivo quase chega a pensar que foi ele que escreveu os livros que ficam, para sempre, consigo. E, de certo modo, assim foi. Para dar só um exemplo, a leitura, quando tinha catorze ou quinze anos, do belo romance de Stendhal, LE ROUGE ET LE NOIR, de tal maneira me marcou, que me pus logo a redigir o MEU romance, intitulado HISTÓRIA DE JULIÃO (o protagonista do romance de Stendhal chama-se Julien Sorel…).

Porque tanto entrou em mim a beleza acutilante e descascada daquele romance, que para sempre me apropriei dele. 

A grande leitura é uma apropriação. Ler a sério é roubar. Ladrão de livros é o que o grande leitor é. E rouba-os de diferentes maneiras: uma delas é entrar na narrativa e modificá-la a seu contento. Querem um exemplo? Passo a vida a dizer que a protagonista daquele romance de Stendhal, a Senhora de Rênal, de quem realmente gostava era de mim e não do ambicioso latinista, Julien Sorel…

Chamem-me o que quiserem: factos são factos. 

Vou agora dar uma lista das obras que mais profundamente me marcaram, lidas em Lourenço Marques, até aos 17 anos, altura em que vim para Lisboa, cursar engenharia.

Outro dia, farei alguns comentários sobre estes meus profundos “encontros”. 

POEMAS LÍRICOS e PASSAGENS DOS LUSÍADAS - Camões
O BOBO – de Alexandre Herculano
A MORGADINHA DOS CANAVIAIS – de Júlio Dinis
VIAGENS NA MINHA TERRA – Garrett
FREI LUIS DE SOUSA - Garrett
O ARCO DE SANT’ANA – Garrett
FAMÍLIA SEM NOME – Júlio Verne
QUO VADIS? – Henryk Sienkiewicz
O SARGENTO-MOR DE VILAR – Arnaldo Gama
AS VIAGENS DE TOM SAWYER – Mark Twain
AS AVENTURAS DE HUCKLEBERRY FINN – Mark Twain
VERMELHO E NEGRO – Stendhal
ARMANCE – Stendhal
RESSURREIÇÃO – Tolstoi
ASSIA – Ivan Turguenev
JANE EYRE – Charlotte Bronte
VILLETTE – Charlotte Bronte
CANDIDE – Voltaire
ZADIG – Voltaire
O LÍRIO VERMELHO – Anatole France
COÉFORAS – Ésquilo
REI ÉDIPO – Sófocles
NOITES BRANCAS – Dostoiewsky
ESTÁ MORTA! – Dostoiewsky
CORAÇÃO DÉBIL - Dostoiewsky
O ESCARAVELHO DE OURO – Edgar Poe
ARCO-ÍRIS – Wanda Wassilewska
ELECTRA E OS FANTASMAS – Eugene O´Neill
ANA CRISTINA – Eugene O’Neill
ALÉM DO HORIZONTE – Eugene O´Neill
NOSSA SENHORA DE PARIS – Victor Hugo
O DRAMA DE JOÃO BAROIS – Roger Martin du Gard
OS THIBAULT – Roger Martin du Gard
O TIO GORIOT – Balzac
UMA GOTA DE SANGUE – José Régio
POEMAS DE DEUS E DO DIABO – José Régio
FEL – José Duro
ESTES DIAS TUMULTUOSOS – Pierre Van Paassen
ADEUS ÀS ARMAS – Hemingway
POR QUEM OS SINOS DOBRAM – Hemingway
CONTOS – Hemingway
CONTOS – William Saroyan
AS VINHAS DA IRA – Steinbeck
RIKKI-TIKKI-TAVI – Rudyard Kipling
O HOMEM QUE MORREU - D. H. Lawrence
UMA MULHER FUGIU A CAVALO – D. H. Lawrence
CODINE – Panait Istrati
TONIO KROGER – Thomas Mann
CONTOS – O. Henry
A LOUCURA DE PEREDONOV – Fiodor Sologub
OS MENINOS DIABÓLICOS – Jean Cocteau
VIDAS PARALELAS – Plutarco
PÂNTANO – João Gaspar Simões
A SELVA – Ferreira de Castro
ETERNIDADE – Ferreira de Castro
CAMINHOS CRUZADOS – Erico Veríssimo
TERRAS DO SEM FIM – Jorge Amado
CAPITÃES DA AREIA – Jorge Amado
O ALIENISTA – Machado de Assis
A ARMADILHA E OUTROS CONTOS – Pirandello
TEATRO - Oscar Wilde
O RETRATO DE DORIAN GRAY – Oscar Wilde
CONTOS E NOVELAS – Oscar Wilde
TAMBÉM OS CISNES MORREM – Aldous Huxley
O SORRISO DA GIOCONDA – Aldous Huxley
SPARKENBROKE – Charles Morgan
O HOMEM, ESSE DESCONHECIDO – Alexis Carrel
AMOK – Stefan Zweig
HISTÓRIA DA FILOSOFIA – Will Durant

Eugénio Lisboa

8 comentários:

Alberto disse...

Na minha lista, não poderia faltar "A Relíquia" de Eça de Queirós. É um deleite para quem entenda o original escrito na língua portuguesa!

tempus fugit à pressa disse...

curioso também li o Bobo aos 12 anos, acho essa classificação de leitores intensivos e traga-livros há muitas cambiantes pelo meio, li mais de 20 mil livros em 40 e poucos anos e demorei-me mais nuns do que noutros não gostei por exemplo dos meninos diabólicos de cocteau já as vinhas da ira ou 1984 reli mais de 3 vezes ao longo dos anos ainda hoje me relembro de trechos de ambos

c.eliseu disse...

Surpreende não encontrar na lista o Henry de Montherlant, que tanto elogia a autobiografia do E. Lisboa.
(O Du Gard estava à minha disposição na biblioteca particular da casa que me hospedou no tempo liceal; só alguns livros contados por menos dos dedos da mão não podia eu tocar, p. ex. 'Nana' de E. Zola)

Anónimo disse...

Apreciável lista!
li quase todos os autores e quase todos títulos.
E tempos houve em que cheguei a estar convicto, veja-se a ingenuidade, de que o futuro ridente passaria pela cultura literária!
E não é que até me passou pela cachimónia que a internet iria servir para fornecer cultura ao povo, imagine-se tamanha idiotice...
Pois, embora muito me custe, já não estou tão convencido que o acesso universal à literatura (ou até simplesmente à escrita) seja um factor determinante do desenvolvimento humano
Paulo C

c.eliseu disse...

Nessa biblioteca havia um livro pouco convidativo que se destacava pela grossura, 'Zly, o Mau' do polaco Leopold Tyrmand.

Anónimo disse...

Não tem de se surpreender por não encontrar Henry de Montherlant, como não encontra Gide ou Montaigne ou uma data de outros. Falo SÓ dos livros que li até aos meus 17 anos, com os recursos que havia, naquela altura, em Lourenço Marques.
Eugénio Lisboa

Manuel M Pinto disse...

É estranho não figurar, na lista em apreço, uma única obra de Aquilino Ribeiro, dentre a "meia grosa" de livros escritos pelo "gigante das letras portuguesas" do século XX.

Anónimo disse...

Tanta coisa sendo tão jovem. Como eu sou ignorante!! Sou um quadrúpede é o que concluo quando recordo o que li nessa idade.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...