terça-feira, 3 de maio de 2022

GEOLOGIA E GEOGRAFIA NA TOPONÍMIA DE PORTUGAL


 

MEU PREFÁCIO AO NOVO LIVRO DE GALOPIM DE CARVALHO:

 

Já um dia chamei ao Professor António Galopim de Carvalho o «Mestre das Pedras e das Palavras», dado o seu enciclopédico conhecimento de tudo o que diz respeito a rochas e minerais e a sua comprovada habilidade do uso das palavras para transmitir o seu conhecimento. Mas, mais apropriadamente e de forma mais sumária, quero agora chamá-lo «Mestre da Terra», pois a Terra não tem apenas pedras, tem os resultados da desagregação das pedras pela prolongada força erosiva da água e dos ventos e tem, evidentemente, água – aliás a maior parte da sua superfície é coberto por água. Galopim de Carvalho conhece, como poucos, a Terra que pisamos, que é o resultado de um longuíssimo processo histórico. Para um geólogo o tempo mede-se em milhões de anos ou mesmo em milhares de milhões de anos, em nítido contraste com o nosso tempo histórico, que se estende apenas por milhares de anos. Assim, as palavras que criámos para designar os lugares da Terra não poderiam deixar de estar marcados pelos resultados das transformações que moldaram todas as paisagens. A história da Terra, estudada pelas Ciências da Terra, marca significativamente o nome das terras.

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Este livro  – como todos os outros que o Mestre nos tem generosamente dado – é feito de palavras que têm a ver com a Terra. Em Geologia e Geografia na Toponímia de Portugal estão reunidos, por ordem alfabética, nomes de terras portuguesas que, de uma maneira ou de outra, se relacionam  com o local particular da Terra onde se situam: ora são «bairros», porque têm argila, ora são «gândaras», por terem areias, ora são «montes», por serem elevados, ora são «vales», por estarem em depressões, ora são «pauis», por terem pântanos, ora são «penas», «penhas» ou «peras» (ou ainda «fragas», «rochas» ou «seixos») por terem pedras de vários feitios e tamanhos, ora são «portelas», por oferecerem passagem entre os montes. Nomes relacionados com a água também há uma enxurrada deles:  as «fontes», as «fozes», as «lagoas», as «pontas», as «rias», as  «ribeiras», etc. É toda uma multidão de topónimos portugueses que aqui está cuidadosamente catalogada pela mão do Mestre, com a indicação em numerosos casos da etimologia,  a mor das vezes do latim, mas por vezes do árabe.

 

Este livro não é apenas uma fonte documental, digna de figurar na colecção dos livros à mão de semear de um erudito ou simples curioso, por a sua consulta ser útil quando se lê ou escreve. É também uma valiosa contribuição para a cultura nacional, tratando de juntar letras e ciências, que teimam amiúde em aparecer separadas ou mesmo desavindas. E é ainda uma pedrada nas águas paradas do quotidiano das nossas vidas, por vezes demais  nos esquecermos que pertencemos à Terra, que somos, como dizia Camões, um «bicho da terra tão pequeno». Bicho da terra? Sim, e bicho da Terra!

 

Aprendi muito ao folhear este livro. Às vezes coisas que são óbvias, mas nas quais nunca tinha reparado, como, por exemplo, o facto de Belmonte, a terra de Pedro Álvares Cabral na Beira Alta, significar, como não podia deixar de ser, «belo monte». É tão óbvio como «Monsanto» significar «monte santo». Mas aprendi o mais das vezes coisas menos evidentes: por exemplo, que Cascais vem das cascas de bivalves que se apanham nas areias da praia ou que Algés vem do gesso que encontra numa mina local explorada em tempos ancestrais ou ainda, para não sair das cercanias de Lisboa, que Odivelas significa «rio escuro».  Os leitores poderão encontrar aqui o significado do nome da terra onde nasceram ou onde vivem.

 

Só podemos estar agradecidos ao Mestre por ele ter sedimentado neste livro uma parte muito interessante do seu vasto conhecimento da Terra, feito não só de leituras, mas de longa experiência com os pés bem assentes na terra e os olhos bem abertos. Bem haja!

 

Carlos Fiolhais

Coimbra, 14 de Fevereiro de 2022

3 comentários:

Manuel disse...

Senhor Professor Carlos Fiolhais

Peço desculpa pelo atrevimento, sou um curioso/estudioso (mais curioso que estudioso) da Toponímia, há dias ofereceram-me um livro do do Professor Galopim de Carvalho, com prefácio de sua autoria.
Daí lembrei-me imediatamente que o Professor Galopim de Carvalho, pelo seu passado, e pela idade que tem, bem merecia ter o seu nome na Toponímia de Évora.
Pelo que, e peço novamente desculpa pelo atrevimento gostava de pedir a sua ajuda para apadrinhar a proposta à Câmara Municipal de Évora no sentido de incluir o Professor Galopim de Carvalho na Toponímia.

Respeitosos Cumprmentos

Manuel Lopes

Carlos Fiolhais disse...

Claro que apadrinho! Carlos Fiolhais

Maria Isabel Frescata Montargil disse...

Desculpe ...apenas em "Évora" ? «Mestre da Terra»... da terra portuguesa. É sempre uma aventura vivermos as palavras por si escritas. por si ditas. Sentir o modelar no barro,o esculpir granítico de quem somos. Nós e a greda, as areias, penedos e fragas por palavras sábias ...

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