terça-feira, 12 de outubro de 2021

OS DIAS DA PESTE

 


Novo texto de Eugénio Lisboa:


Em resumo – disse Tarrou com sim-

plicidade - , o que me interessa é

saber como é que alguém consegue

                                                             ser santo.

                                                                                                   - Mas Você não acredita em Deus.

        - Justamente. Poder ser santo sem Deus

é o único problema que hoje me ocupa.

Albert Camus. La Peste

 

Assinalando o centenário do PEN Internacional, fundado em Londres, em 1921, em boa hora a Presidente do PEN Português, Teresa Martins Marques, resolveu publicar um livro intitulado OS DIAS DA PESTE, que desse forte destaque àquele centenário, centrando a celebração num tema que neste momento preocupa, de modo particularmente angustiante, a humanidade de todas as latitudes e longitudes, de todas as etnias, de todas as crenças religiosas (incluindo a ausência delas), de todas as ideologias (ou de nenhuma), de todas as idades, em guerra ou em paz: o COVID 19, uma das grandes pragas que têm avassalado o mundo. Glosadas em várias obras famosas, de Bocaccio e Daniel Defoe a Albert Camus, as grandes pandemias têm sido um dos mais mortíferos pesadelos que têm afligido a humanidade, dizimando ao acaso milhões de seres humanos, entre os quais se encontrariam provavelmente muitos talentos e até génios que para todo o sempre ficaram perdidos.

Destes medonhos flagelos – a morte totalmente descontrolada, ceifando a torto e a direito – ninguém deixou mais impressivo testemunho do que Camus, enorme escritor e grande consciência do nosso tempo, destemidamente em luta contra todas as opressões totalitárias e grande mestre de inteireza e de coragem. Como esquecer acutilantes cintilâncias como esta: “Nada é menos espectacular do que um flagelo e, pela sua própria duração, as grandes desgraças são monótonas”?

Este precioso e belo livro que Teresa Martins Marques e Rosa Maria Pina congeminaram e organizaram, com o título que indiquei – OS DIAS DA PESTE – constitui uma volumosa e generosa obra de 630 páginas, servidas por 272 autores de 58 países, todos assinalando, cada um à sua maneira, esta grande peste do século XXI. A qual só poderá ser completamente dominada pelo esforço contínuo, deliberado, teimoso e obstinadamente atento de governantes, médicos, enfermeiros e, também (ia dizer: sobretudo) de todos nós, sem excepção absolutamente nenhuma. Não pode haver a mais pequena distracção que nos desvie de um grande objectivo comum. Foi ainda Camus, no seu imortal romance – A PESTE – quem nos deixou este fundamental recado: “O que é natural é o micróbio. O resto – a saúde, a integridade, a pureza, se quiser – é um efeito da vontade, de uma vontade que não deve jamais deter-se. O homem direito, aquele que não infecta quase ninguém, é aquele que tem o menor número de distracções possível.”

Este livro que, para ser consumado, envolveu um gigantesco e obstinado esforço que não custa imaginar e que ficará como um marco a assinalar um dos mais negros períodos da história da vida humana, tem tido, curiosamente, pouca repercussão nos meios da comunicação social. É pena porque lê-lo é encontrar bom combustível para os que gostam de reflectir no que profundamente nos aflige.

Eugénio Lisboa

 

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