“Tudo o que sucede, sucede por alguma razão”
(Gabriel Garcia Marquez).
Neste país há o culto exagerado  da conjugação do verbo achar: “Eu acho, tu achas, ele acha”!
E logo surge da algibeira dos inúmeros “achistas” o milagroso “doutor Google” que com o simples carregar de teclas responde às mais complexas e simplórias perguntas da ciência, da cultura, das artes, do desporto como, por exemplo, ter chegado o dia  milagroso, que perante a “complexidade” de saber, de cor e salteado,  quem foi o primeiro Rei de Portugal se obtém  como resposta, um momento que vou ver.
Vai daí, sacando da algibeira o telemóvel, do mais elevado topo de gama, que substitui o cérebro de galinha, encontra-se a milagrosa e complexa resposta, a exemplo das personagens  dos filmes de cowboys americanos de antigamente que retiravam do coldre, com a rapidez de “Speedy Gonzalez”,  o  revólver para se defenderem   de inimigos que punham  em perigo a sua vida.
Ocorre-me ao caso, a picaresca  estória do indivíduo que sentado na bancada de um estádio de futebol sentindo algo a cair-lhe em cima da cabeça  levando a mão ao cocuruto, vira-se se para os amigos e diz: “Querem ver que parti a cabeça!” Falso alarme, não era massa sanguinolenta  mas dejecto de pombo  com  disenteria.
Outra história me bate à porta da memória, esta  que se contava na “Minerva” (Deusa da Sabedoria), conhecida livraria da antiga Lourenço Marques. Um tipo novo-rico pede para ver livros. Ao ser-lhe perguntado se tinha preferência por autores, responde que não, acrescentando quero tantos metros de livros de rica e vistosa encadernação para encher as prateleiras de uma luxuosa estante que mandei fazer.
Após me iniciar tardiamente no mundo imenso das novas tecnologias em que me sinto um náufrago de jangada na busca, com pouco ou nenhum êxito, que me leve a uma praia de “experiência de saber feito “ (Camões) em que possa trocar a minha tanga em farrapos  por um traje decente, já nem falo por uma casaca preta do tipo do grilo falante do Pinóquio, mas apenas por um terno de ir à missa aos domingos e dias santos. Mas porque ”burro velho não aprende línguas”, no dizer sábio do povo, nem isso consegui tendo-me que contentar com  a minha veste remendada   com que naveguei à deriva  em mares procelosos.
Se por acaso alguém souber,  por um  qualquer coscuvilheiro,  que tenho em casa  luxuosos volumes da Enciclopédia Portuguesa Brasileira, desde já esclareço que muitos dias e horas passei a folheá-la e a lê-la na busca esforçada  de encontrar resposta para as minhas inquietações no alcance de uma luz que alumiasse a minha ignorância, ou resguardasse  a minha memória  do estudo de anos a cargo  dos meus  neurónios que,  devido à minha idade avançada, tenho a obrigação de  fazer descansar de falhas que a minha idade avançada justifica, embora me possa considerar um privilegiado nesse aspecto. 
Aquilo que  sei, para além do conhecimento escolar, e até mesmo esse, devo-a, em grande parte, a minha mãe (na fotografia aqui publicada), senhora de notável cultura literária profunda conhecedora e admiradora dos grandes vultos de escritores portugueses, com predilecção por Eça, vírus queirosiano que me deixou em herança que muito prezo  e não só, como Émile Zola, de que me relatava  as dores horríveis de uma das suas personagens que padecida de gota.
Para além disso, dominava ela, perfeitamente, de forma oral e escrita, para além  da língua materna, francês, inglês, espanhol, italiano e russo. Da língua russa, conto o caso de um médico meu amigo de Lourenço Marques se me ter lamentado de aprender russo com a dificuldade de não encontrar nesta cidade  alguém com pudesse trocar uma palavras.
Tive uma ideia salvadora!  Como vais a Lisboa de graciosa (licença paga  pelo Estado a funcionários públicos do Ultramar para gozarem férias, de tantos em tantos anos, em Portugal continental) dou-te a morada de  minha mãe que sabe um pouco de russo. Regressado a Lourenço Marques,  logo ele me procurou para, com júbilo incontido,  me dizer: “Tua mãe não sabe um pouco de russo, sabe muito”!
Eu do pouco que sei,  sem a modéstia  do filósofo ateniense Sócrates,  “só sei que nada sei”, devo-o, em parte,  à minha progenitora com a exclusão das línguas estrangeiras de que sou um verdadeiro nabo com excepção do inglês e francês escritos que traduzo razoavelmente. Assim, por exemplo, sempre que lhe perguntava o significado de uma palavra mais esotérica, respondia-me vai ver ao dicionário a que eu contrapunha, agora não posso porque já vou atrasado para as aulas do liceu,  sem que a minha desculpa a demovesse. Mas “rien de rien”, escreve num papel e quando regressares a casa vai ver ao dicionário.
Era minha mãe para além da  sua cultura uma pedagoga de mão cheia, ensinando-me que o esforço compensa contrariando o princípio dos nossos dias de cotas para negros e brancos, homens e mulheres, inferiorizando  à partida ambos com se não existisse entre eles cidadãos ocupando, por mérito próprio, lugares de topo dentro da hierarquia social sem necessidade de serem levados ao colo de uma sociedade complacente em contraste com o âmbito  desportivo em que  os lugares do pódio são apenas três para aqueles que lutam noite e dia, quer faça sol ou chuva, seja verão  ou inverno para  ascenderem  a lugares de destaque e em que os negros têm um papel de grande relevo em corridas de velocidade no atletismo pelo facto do respectivo endomísio das fibras musculares  ter maior teor de viscosidade.
Claro que no domínio do conhecimento cognitivo as diferenças serão esbatidas, ou mesmo desaparecidas, quando for possível pôr “cheaps” nas crianças ao nascer sem se tonar um negócio rendoso só acessível a progenitores de maiores meios de riqueza. Como costumo dizer a expressão de que o sol quando nasce é para todos sofre tratos de polé por a generalidade dos cidadãos gozarem o sol à soleira dos casebres e  os  privilegiados em hotéis de 5 estrelas nas ilhas Bermudas.
Bem mais democrático é o desporto que obedece ao princípio a cada um segundo as suas possibilidades em que os melhores jogam  em clubes de futebol do topo mundial e outros em clubes da  distrital dos respectivos países.
O princípio marxista "a cada um conforme as suas necessidades" entrou em falência pelo facto imoral  da respectiva nomenklatura ter vários automóveis de luxo na garagem, luxuosas datchas e outros um simples pedaleira para se irem e virem do serviço com a algibeiras, no fim de um  mês, em trabalhos árduos, com uma centenas de rublos que pouco valem em termo de euros.
 
No caminho que tracei para a minha vida nunca  arredei, por maior que pudessem ter sido as vantagens, um milímetro que fosse da minha honra, porque acredito, como Jean-Jacques Rousseau, que “uma sociedade só é democrática quando ninguém  for tão rico que possa comprar alguém e ninguém  tão pobre que tenha de se vender a alguém”! É esta a sociedade que desejava para o meu país sem pretensões de educar o mundo,  sonhando, apenas, em ser cidadão de uma sociedade sem pulhas!
Que triste se torna  o meu acordar com o pesadelo da desgraçada realidade!
 
 
 
2 comentários:
Eu diria que tudo o que sucede e tudo o que não sucede, sucede por alguma razão. Até o acaso, se acaso existe, é por alguma razão. A razão também. E a falta de razão.
Um abraço grato pelo seu comentário. Breve, mas incisivo.
Enviar um comentário