quarta-feira, 26 de agosto de 2020

PORTUGAL, PAÍS DE ACHISMOS

“Tudo o que sucede, sucede por alguma razão”
(Gabriel Garcia Marquez).

Neste país há o culto exagerado da conjugação do verbo achar: “Eu acho, tu achas, ele acha”! E logo surge da algibeira dos inúmeros “achistas” o milagroso “doutor Google” que com o simples carregar de teclas responde às mais complexas e simplórias perguntas da ciência, da cultura, das artes, do desporto como, por exemplo, ter chegado o dia milagroso, que perante a “complexidade” de saber, de cor e salteado, quem foi o primeiro Rei de Portugal se obtém como resposta, um momento que vou ver.

Vai daí, sacando da algibeira o telemóvel, do mais elevado topo de gama, que substitui o cérebro de galinha, encontra-se a milagrosa e complexa resposta, a exemplo das personagens dos filmes de cowboys americanos de antigamente que retiravam do coldre, com a rapidez de “Speedy Gonzalez”,  o  revólver para se defenderem de inimigos que punham em perigo a sua vida. Ocorre-me ao caso, a picaresca estória do indivíduo que sentado na bancada de um estádio de futebol sentindo algo a cair-lhe em cima da cabeça levando a mão ao cocuruto, vira-se se para os amigos e diz: “Querem ver que parti a cabeça!” Falso alarme, não era massa sanguinolenta mas dejecto de pombo com disenteria.

Outra história me bate à porta da memória, esta que se contava na “Minerva” (Deusa da Sabedoria), conhecida livraria da antiga Lourenço Marques. Um tipo novo-rico pede para ver livros. Ao ser-lhe perguntado se tinha preferência por autores, responde que não, acrescentando quero tantos metros de livros de rica e vistosa encadernação para encher as prateleiras de uma luxuosa estante que mandei fazer.

Após me iniciar tardiamente no mundo imenso das novas tecnologias em que me sinto um náufrago de jangada na busca, com pouco ou nenhum êxito, que me leve a uma praia de “experiência de saber feito “ (Camões) em que possa trocar a minha tanga em farrapos por um traje decente, já nem falo por uma casaca preta do tipo do grilo falante do Pinóquio, mas apenas por um terno de ir à missa aos domingos e dias santos. Mas porque ”burro velho não aprende línguas”, no dizer sábio do povo, nem isso consegui tendo-me que contentar com a minha veste remendada com que naveguei à deriva em mares procelosos.

Se por acaso alguém souber, por um qualquer coscuvilheiro, que tenho em casa luxuosos volumes da Enciclopédia Portuguesa Brasileira, desde já esclareço que muitos dias e horas passei a folheá-la e a lê-la na busca esforçada de encontrar resposta para as minhas inquietações no alcance de uma luz que alumiasse a minha ignorância, ou resguardasse a minha memória do estudo de anos a cargo dos meus neurónios que, devido à minha idade avançada, tenho a obrigação de fazer descansar de falhas que a minha idade avançada justifica, embora me possa considerar um privilegiado nesse aspecto. 

Aquilo que sei, para além do conhecimento escolar, e até mesmo esse, devo-a, em grande parte, a minha mãe (na fotografia aqui publicada), senhora de notável cultura literária profunda conhecedora e admiradora dos grandes vultos de escritores portugueses, com predilecção por Eça, vírus queirosiano que me deixou em herança que muito prezo e não só, como Émile Zola, de que me relatava as dores horríveis de uma das suas personagens que padecida de gota.

Para além disso, dominava ela, perfeitamente, de forma oral e escrita, para além da língua materna, francês, inglês, espanhol, italiano e russo. Da língua russa, conto o caso de um médico meu amigo de Lourenço Marques se me ter lamentado de aprender russo com a dificuldade de não encontrar nesta cidade alguém com pudesse trocar uma palavras. Tive uma ideia salvadora! Como vais a Lisboa de graciosa (licença paga  pelo Estado a funcionários públicos do Ultramar para gozarem férias, de tantos em tantos anos, em Portugal continental) dou-te a morada de minha mãe que sabe um pouco de russo. Regressado a Lourenço Marques, logo ele me procurou para, com júbilo incontido, me dizer: “Tua mãe não sabe um pouco de russo, sabe muito”!

Eu do pouco que sei, sem a modéstia do filósofo ateniense Sócrates, “só sei que nada sei”, devo-o, em parte, à minha progenitora com a exclusão das línguas estrangeiras de que sou um verdadeiro nabo com excepção do inglês e francês escritos que traduzo razoavelmente. Assim, por exemplo, sempre que lhe perguntava o significado de uma palavra mais esotérica, respondia-me vai ver ao dicionário a que eu contrapunha, agora não posso porque já vou atrasado para as aulas do liceu, sem que a minha desculpa a demovesse. Mas “rien de rien”, escreve num papel e quando regressares a casa vai ver ao dicionário.

Era minha mãe para além da sua cultura uma pedagoga de mão cheia, ensinando-me que o esforço compensa contrariando o princípio dos nossos dias de cotas para negros e brancos, homens e mulheres, inferiorizando à partida ambos com se não existisse entre eles cidadãos ocupando, por mérito próprio, lugares de topo dentro da hierarquia social sem necessidade de serem levados ao colo de uma sociedade complacente em contraste com o âmbito desportivo em que os lugares do pódio são apenas três para aqueles que lutam noite e dia, quer faça sol ou chuva, seja verão ou inverno para ascenderem a lugares de destaque e em que os negros têm um papel de grande relevo em corridas de velocidade no atletismo pelo facto do respectivo endomísio das fibras musculares ter maior teor de viscosidade.

Claro que no domínio do conhecimento cognitivo as diferenças serão esbatidas, ou mesmo desaparecidas, quando for possível pôr “cheaps” nas crianças ao nascer sem se tonar um negócio rendoso só acessível a progenitores de maiores meios de riqueza. Como costumo dizer a expressão de que o sol quando nasce é para todos sofre tratos de polé por a generalidade dos cidadãos gozarem o sol à soleira dos casebres e os privilegiados em hotéis de 5 estrelas nas ilhas Bermudas. Bem mais democrático é o desporto que obedece ao princípio a cada um segundo as suas possibilidades em que os melhores jogam em clubes de futebol do topo mundial e outros em clubes da distrital dos respectivos países.

O princípio marxista "a cada um conforme as suas necessidades" entrou em falência pelo facto imoral da respectiva nomenklatura ter vários automóveis de luxo na garagem, luxuosas datchas e outros um simples pedaleira para se irem e virem do serviço com a algibeiras, no fim de um mês, em trabalhos árduos, com uma centenas de rublos que pouco valem em termo de euros.  

No caminho que tracei para a minha vida nunca arredei, por maior que pudessem ter sido as vantagens, um milímetro que fosse da minha honra, porque acredito, como Jean-Jacques Rousseau, que “uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém tão pobre que tenha de se vender a alguém”! É esta a sociedade que desejava para o meu país sem pretensões de educar o mundo, sonhando, apenas, em ser cidadão de uma sociedade sem pulhas!

Que triste se torna o meu acordar com o pesadelo da desgraçada realidade!

2 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Eu diria que tudo o que sucede e tudo o que não sucede, sucede por alguma razão. Até o acaso, se acaso existe, é por alguma razão. A razão também. E a falta de razão.

Rui Baptista disse...

Um abraço grato pelo seu comentário. Breve, mas incisivo.


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