quarta-feira, 13 de maio de 2020

OUTRO SONETO À LÍNGUA PORTUGUESA

 Um "Outro soneto" do ensaísta e crítico literário Eugénio Lisboa que publico com o maior prazer:


Com a língua portuguesa me caso,

com ela vivo quando é preciso;

a língua portuguesa não tem prazo

e veste-se de luxo e conciso.



Vive de tristeza e de alegria,

sossega, como sabe, os aflitos

e sabe matizar a euforia,

apaziguando, suave, os altos gritos!



Enfeita-se com cores e buzinas,

desperta, com clamores bem sentidos

e seus ares de grande dançarina,



aqueles que andando adormecidos

acordam àquele toque de alerta:

a língua é clamor e é oferta!

Eugénio Lisboa



Nota: Chamo-lhe “Outro soneto”, porque há, pelo menos, mais dois sonetos à língua portuguesa: os de António Ferreira e de Olavo Bilac.

10 comentários:

L íngua disse...

Teoria de tudo

O verbo se fez língua no princípio
Serpente da árvore, pensamento
No meio do Jardim, Adão vazio
Comeu da maçã, conhecimento

Povoou de palavras toda a Terra
Multiplicou pães, peixes e rosas
Expulso do Éden, p´ra sempre erra
Entre restos de poemas e prosas

Vestiu-se de vento e de folhagem
Tragou-se de voz e de voragem
Esqueceu-se do silêncio e de ser

Palavra moída no tempo do fim
Adão vazio no meio do Jardim
Língua sem verbo, sem nada a dizer

F.C.

Humildade disse...

Professor, os meus poemas são melhores do que os do Eugénio Lisboa.

Rui Baptista disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rui Baptista disse...

“ Caro Rui Baptista, gostei, realmente, de ler os dois comentários do dia 13. O primeiro é muito original: o autor comenta o meu soneto, publicando um soneto dele. O segundo, publicado um minuto depois, procura elucidar o público que não tenha percebido a intenção do primeiro, a qual intenção era dizer: “Reparem que o meu poema até é melhor do que o do Eugénio Lisboa”. O meu comentário só pode ser sucinto: “Gaba-te cesto!” Caro Rui, publica lá os poemas do rapaz! Senão ainda morre de paixão…

Eu génio disse...

Algo que aprecio no adversário: reconhecimento da derrota e abandono da arena.

Rui Baptista disse...

Pede-me Eugénio Lisboa para fazer esta adenda a este comentário por mim publicado em seu nome (14/05/2020, às !7:18):

“Caro Rui, na pressa de enviar o meu comentário ao comentador do dia 13, esqueci-me do essencial: é que a oficina poética do autor do soneto-comentário é ainda um bocadinho tosca.

Dos catorze versos canónicos do soneto, o dele só acerta oito. Os outros seis não têm dez sílabas, como mandam as regras. Assim, o quarto, sexto e décimo versos têm nove sílabas e o décimo primeiro, o décimo segundo e décimo terceiro têm onze sílabas.

Caso o sonetista não saiba contar pelos dedos, sugiro-lhe que compre um ábaco. Até lá não pense que vai ultrapassar Camões…”

Credo da plenitude disse...

Passo a explicar, Professor: sei que o decassílabo é um dos espartilhos do soneto, mas há um ritmo interno que não se pode perder e que emerge do profundo da língua invocada que é plena e una. Um ir ou ficar para além de... reflexo do próprio Homem: a sílaba da ausência, a sílaba do excesso. O tempo poemático é absoluto, não dividido, fatiado, fragmentado e recuso-me à exatidão do compromisso silábico. Porque a genialidade ultrapassa limites e fronteiras e cria singularidades de evolução e de dignidade humana que não se deixam aprisionar em palavras de oprimida cadência.

Dizia Sophia:
Porque os outros vão na sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
(Mar Novo)

(Claro que o "tu" se refere a mim.)

Carlos Ricardo Soares disse...

Pódio de ti mesmo

Sobe ao pódio dos teus pés
Que o prémio te sinta
Mesmo que não sejas vencedor
Te diga que o és
Canta o hino
Que aprenderes
A olhar para longe
Do que fores
Capaz
Que o silêncio
No fim
Seja murmúrio
De paz.

Carlos Ricardo Soares

Rui Baptista disse...

“No dia 15 de Maio, o comentarista do meu soneto à língua portuguesa, que aliás não tem a frontalidade e nobreza de se identificar, voltou à carga, com um charabiá desprovido de qualquer sentido e a roçar o reino inquietante da megalomania (quando fala de genialidade, fica-se com a fundamentada impressão de que se refere a si próprio).

Os grandes sonetistas da língua portuguesa – Camões, António Ferreira, Bocage, Florbela, Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro, José Régio – nunca precisaram do recurso pífio ao “ritmo interno” (não há ritmo interno ou externo, há só ritmo) e nunca fugiram ao colete das dez sílabas para poderem levantar o mais ousado e eficaz dos voos. Mais: sentiram que o desafio desse colete poderia servir não para os oprimir mas, antes, para lhes aguçar o engenho, encontrando soluções originais, que talvez não tivessem encontrado sem essa “prisão”. José Régio chegou mesmo a pensar escrever um ensaio a este respeito.

E o grande André Gide, pensando em todas estas coisas, escreveu um dia este aforismo célebre: “A arte vive de constrangimento e morre de liberdade”. Não se referia, claro, a nenhum constrangimento político, mas sim a um constrangimento originado em regras livremente aceites pelo artista.

Se o comentarista não quer aceitar as regras do soneto, é livre de o fazer, mas, nesse caso, não escreva sonetos. Mas aviso-o, desde já, que o verso livre tem grandes armadilhas, porque se trata de liberdade e não de libertinagem…

Finalmente, aquele achado de vir dizer que o “tu” do segundo verso citado da Sophia se refere a ele, comentarista, já não se limita a roçar pela megalomania, entra por ela dentro a pés juntos.”

Indefensável disse...

Ritmo é diferente de pulsação... Vários ritmos numa pulsação. Não discuto o batimento do decassílabo, mas a essência do soneto que não perde identidade (4, 4, 3, 3) por arritmia. O clássico sempre sofreu do “garbo teso e aprumado da perpendicular” (parafraseando Eça) gravata enforcada de pescoço. No jazz, o excesso de sílabas de uma frase pode ser compensado com pausas de silêncio noutra, conferindo imprevisíveis e fantásticas significações rítmicas nunca permitidas pelo preenchimento certinho de todos os espaços. Mais umas teclas pretas de indeterminado, de indefinível, de semitonal e o poema encontra a sua unidade original num sucessivo irreprimível de versos. Porque é um ditado... em plena plasticidade da impermanência onde a forma perde os seus distintos contornos e se funde de natureza humana, nesse emaranhado de arabescos e significados sem coletes hierárquicos e dogmáticas razões. A técnica deve permitir a incerteza, a esperança, a pausa, o erro, libertando-se da repetição de forças e do jugo linguístico da medida.
Do poema, quero ver o monstro, o mar ou as estrelas e não me importo que o harmónio da janela esteja empenado, desde que consiga espreitar a saudade, o desconhecido e o eterno e, às vezes, é por essa fresta de ar na voz, agramatical, excessiva ou inaudível que o diapasão se eleva às notas mais altas.

Soneto

Num estrangulado movimento
Sufocado na língua presa
Sintomático, azul e lento
O poema nem canta nem reza

Vomita-se morto, sabotado
Na pontuação finalizada
Espírito sem luz, apagado
O poema já não sente nada

A prender a alma obrigado
À grade da esferográfica
Sujeita o ser ao martelado

Compasso de farsa silábica
Conta até dez e é acabado
Escrita pétrea, seráfica

F.C.

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