domingo, 3 de maio de 2020

O QUE VOU FAZER QUANDO VOLTAR UMA ESPÉCIE DE NORMALIDADE


O Expresso perguntou-me e eu respondi (a resposta saiu no jornal em papel e no sítio do Expresso de ontem: https://expresso.pt/coronavirus/2020-05-02-Fomos-perguntar-qual-e-a-primeira-coisa-que-as-pessoas-querem-fazer-quando-sairem-de-casa-e-as-respostas-sao-um-espanto ):

O que me tem feito mais falta? O que vou fazer mal me possa desconfinar?

Fazem-me falta as rotineiras visitas às livrarias e aos alfarrabistas. Não é a mesma coisa comprar pela Internet ou "ao postigo"  ou aceder de repente, por incrível serendipidade, a uma obra que julgava inacessível.  Eu sou da cultura do papel  e gosto de encontrar e guardar escritos mais ou menos antigos que só o papel sabe guardar.

Faz-me falta o diálogo directo com as pessoas no meu trabalho de cultura científica. Não é a mesma coisa falar com  alguém no Skype ou no Zoom  ou ao vivo, a cores e em três dimensões. A espontaneidade, o intercâmbio e o fulgor são outros. Costumava  correr o país de lés-a-lés e, num instante, o meu carro viu-se, na garagem. em inércia prolongada. Tenho saudades da cirandagem em nome da ciência.

Fazem-me também falta os jantares fora com a família e com os amigos. Eu vou-me restaurar  logo que a restauração reabra,  prosseguindo os colóquios e os projectos de uma maneira que só a mesa comum permite.

Por último - quiçá a maior falta - faz-me falta o mar, pois da minha janela ele não se enxerga. O horizonte do mar é precisamente o oposto  do horizonte doméstico, no qual o malfadado vírus me aprisionou. O mar encerra grandeza e mistério e, por isso, é inspirador,  convida-nos à demanda. Foi Isaac Newton que, numa bela metáfora, se comparou "a um rapazinho que se diverte a descobrir uma pedrinha  mais lisa ou uma concha mais bonita, enquanto o imenso oceano da verdade continua misterioso diante de meus olhos."

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