O papel dos filósofos é absolutamente fundamental na tarefa de pensar a existência no mundo e de guiar esse pensar. Claro que esta declaração nada tem de novo, além de que é por de mais evidente, mas é preciso recordá-la e... pensá-la.
A flexibilidade que invade os vários domínios da vida ganha rigidez e direcção: se por um lado, linguagens como a publicitária e a de "aconselhamento", que ocupam o espaço público, nos impelem para uma "liberdade" cujo limite é o próprio umbigo, por outro lado, espera-se que obedeçamos a incontáveis regras e normas veiculadas nessas linguagens, a que se juntam as múltiplas possibilidades de monitorização que as tecnologias facultam.
Assim, é de valorizar o trabalho de divulgação filosófica, como faz Gilles Lipovetsky. De uma recente entrevista que deu, publicada no jornal El país (aqui), retirámos as seguintes passagens relacionadas directamente com a educação.
Maria Helena Damião e Isaltina Martins
A escola pública não é uma despesa, é um investimento para o futuro. É preciso pagar bem aos professores e ensinar o aluno a respeitá-los. Não sou eu quem diz isso, hein. Platão já dizia. Se acreditamos que computadores e tablets resolverão todos os problemas, estamos em um erro grave. O professor é imprescindível (...)
(...) é preciso dar muito mais importância à arte e à cultura. Caso contrário, só nos restará o shopping! (...)
O hiperindividualismo, um assunto sobre o qual escrevi, não é apenas uma retração egoísta. É também um desejo de expressão de si. O hiperindivíduo quer gostar do que faz. E que o que faz lhe agrade (...).
Uma sociedade cujos eixos exclusivos são as telas, o trabalho e a proteção social é uma sociedade deprimente. É preciso investir em educação. E as possibilidades de investimento em assuntos educacionais são infinitas.
Um dos maiores fracassos nas sociedades ocidentais do pós-guerra foi a "democratização da cultura". Pensou-se que, ao abrir muitos museus por muitas horas e com grandes obras, graças ao dinheiro do Estado, muita gente nova se juntaria às visitas, mas não foi assim. Quando se presta atenção, ao longo do tempo as pessoas que vão aos museus são as mesmas de sempre: gente de um certo nível educacional. Os camponeses e os operários da construção em geral vão pouco. É uma questão de educação (...).
É indispensável que o professor recupere a autoridade. Há alunos que insultam o professor, e isso é inadmissível. Educar não é seduzir. Há obrigações. Em um dado momento, é preciso obrigar a fazer coisas. Nem tudo pode ser flexível, agradável, discutível. É preciso trabalhar duro, e forçar a trabalhar. O homem é Homo faber, é preciso ensinar a fazer. E é preciso recuperar a retórica, ensinar as crianças a se expressarem e a raciocinar, porque o computador não vai fazer isso por eles. O homem é Homo loquens, o ser que fala.
14 comentários:
Fico-me pelo último parágrafo que, em suma, e objectivamente, é uma lástima. O professor não tem que recuperar autoridade, porque o professor não é, nem tem que ser autoridade, para além de autoridade científico-pedagógica. O que tem vindo a acontecer crescentemente é que vão transformando o professor numa espécie de autoridade disciplinar e coerciva, sem medidas sancionadoras efectivas, revertendo sempre contra ele, e apenas contra ele, qualquer medida disciplinar que tome contra o aluno. O professor tem que ser desonerado e liberto dessa função humilhante de disciplinador impotente que o obriga muitas vezes a ter que se defender e se justificar, não só perante o aluno, mas também perante a Direcção, que não tem soluções, nem para o professor, nem para o aluno.
Depois, o facto de haver alunos que insultam o professor não enquadra na questão da autoridade ou falta dela, do professor e tem de ser visto na devida escala, porque a esmagadora maioria dos alunos não o fazem. E sempre haverá alunos que insultam professores. Aposto que nenhuma autoridade que o professor pudesse ter, mas nunca terá, resolveria este problema.
Quanto a educar não ser seduzir, mas obrigar a fazer coisas, forçar a trabalhar, é preciso ter em vista que, na realidade, ninguém pode ser forçado a nada. Normalmente, as pessoas compreendem e aceitam que o esforço faz parte da vida e das aprendizagens porque são, em geral e de algum modo, compensados. Muitas pessoas acreditaram demasiado nas virtudes do sacrifício e do esforço e morreram cansadas, desiludidas, oprimidas e pobres. Muitas delas até deixaram de falar por sentirem que não valia a pena.
Em Portugal, a escolaridade é obrigatória até aos dezoito anos de idade, por força da lei. Mesmo que o cidadão estudante tenha um comportamento de delinquente dentro da sala de aula, não se livra do regime de frequência obrigatória da escola pública. Um aluno, hoje, insulta ou agride gravemente um professor e sabe que, amanhã, tem direito a assistir à aula completa do mesmo professor! O pior que lhe pode acontecer é ser mandado para casa durante quatro ou cinco dias, ao fim dos quais regressa novamente à escola, que é obrigada, por força da lei, a recebê-lo, tantas vezes quantas forem necessárias. O caso é diferente quando o estudante delinquente frequenta um colégio privado. Nesse caso, o estabelecimento escolar pode expulsá-lo, permitindo assim que os professores tenham direito a ensinar e os alunos tenham direito a aprender.
Manos do que isto, para resolver o problema da indisciplina escolar, é andar a chover no molhado!
Em vez de chorarem sobre leite da autoridade derramada, valia mais começar a olhar para o que se passa nas creches que faltam, da Pré-primária de miragem e conteúdos da Primária.
Faz sentido massacrarem crianças com escrita de números (que só irão usar, talvez, quando passarem o cheque da compra do carro ou da casa, mas isso agora é feito por transferência bancária), e não lhes ensinarem a os prefixos, etc da língua, a relação soma, multiplicação, potenciação, etc e principalmente a total ausência de inculturação de hábitos (às crianças e aos pais) que lhes sejam úteis no futuro.
Têm consciência, que as crianças basicamente fazem o que querem, e só se a bronca for grande (com direito a Comunicação Social) é que se faz alguma coisa, e que os pais/encarregados de educação começam na creche a treinarem o hábito de descarregarem os filhos na escola e se ausentarem de quaisquer reuniões a que sejam convocados pela escola.
Depois chegam ao 5º ano, perfeitamente indisciplinado/as, com "relações pessoais" com o professores demasiado "carente de afectividade", o que prejudica a transmissão de conhecimentos.
O problema é que as más raízes estão nesta fase estabelecidas, e de correcção problemática para a maioria dos casos.
Sim, caros Prof's Universitários, a falta de qualidade, de que se queixam, dos vossos alunos, começou a ser gerada na creche..... (para a qual não olham do altíssimo da vossa Cátedra), e isso se propaga para o resto da Sociedade.
Concluindo:
. o professor não tem autoridade disciplinar nem deverá tê-la, apesar de ser insultado;
. ninguém pode ser forçado a aprender, ainda que a escola force a frequência do aluno até tarde, muito tarde.
"e não lhes ensinarem a os prefixos, etc da língua, a relação soma, multiplicação, potenciação, etc e principalmente a total ausência de inculturação de hábitos (às crianças e aos pais) que lhes sejam úteis no futuro."
Isto faz-se na primária, no âmbito do currículo. Antes de falar, verificar...
Caro Barrigas,
Verificou mesmo se é assim, especialmente na prática?
É que que os relatos que me têm chegado, revelam uma "santa ignorância" sobre o tema dos sufixos, prefixos e afins e o seu significado e uso prático.
Quanto à Potenciação (que não é dada na primária), o que quis indicar é que, mais importante que impinar a Tabuada (saber usa-la são outros quinhentos...) é estabelecer a relação e jogo que há entre os Números e Operações.
Acha que Professores assoberbados com problemas disciplinares, e não havendo sanções quanto ao mau comportamento neste nível (pelo que informaram), podem desenvolver convenientemente estes temas?
Quanto ao resto, veja o que disse sobre Encarregados de Educação.
Pancinha,
não sei quem é o seu relator, mas talvez revele uma "santa ignorância".
Programa do 4º ano em vigor (acessível na Net):
Morfologia e lexicologia – Lá estão os radicais, prefixos e sufixos. Se não os sabem, talvez seja porque não os estudam ou os esqueçam.
Quanto à potenciação, todos os pré-requisitos necessários são trabalhados: soma de frações com denominadores diferentes; multiplicação de frações; operações com números decimais... Não se dá a potenciação propriamente dita porque os alunos não têm capacidade de abstração a esse nível nesta faixa etária, como é óbvio.
Há sanções para mau comportamento, perfeitamente legisladas. Qualquer Regulamento Interno de Agrupamento remete ou deveria remeter para as mesmas.
Mal dos professores que, por causa de comportamentos sistemáticos e diários, fiquem impedidos de trabalharem os temas a que são obrigados...
Caro Barrigas,
Para si está tudo perfeito e bem feito, e se está mal é por "Mal dos professores".
Nesse seu mundo, não dá para perceber as queixinhas dos Doutos Catedráticos sobre a falta de preparação dos alunos que lhes chegam à Faculdade, a não ser que sejam "más-línguas de comadres", porque com programas tão excelentes os alunos só podem estar bem formados.
Ok! esqueci-me do "Mal dos professores".
Vejamos, qual o interesse educativo em escrever por extenso, digamos o Número de Avogrado, na Primária? ou o preço do carro do papá?
Se acha que estou errado, proponho que vá dar uma aula às piores Escolas do famoso Ranking, sem fazer a batota de ir às melhores, que é o que fazem quando querem fazer aprovar como óptima, uma qualquer ideia pedagógica.
Já agora, não confundam o "Saber ensinar" com "com o Saber a matéria que se está a ensinar".
Caro Pancinha,
no meu mundo que, talvez, seja, globalmente, o seu, uma vez que, infelizmente, o cordão umbilical da causa-consequência nos liga a todos irremediavelmente, não se culpabiliza o pessoal da creche pela ignorância dos que estudam na faculdade. Concluir que todo o percurso estudantil até à desdentada velhice se resume ao que se aprende no jardim de infância e no 1º ciclo... dá-me algum desonesto gozo profissional.
Também não se culpam os professores catedráticos pelo mal do país e suas políticas aprendidas na cadeira de filosofia com Maquiavel, na Economia com a história dos 40 ladrões e no Direito com a Arte de Guerrear e fugir à polícia, mas seria compreensível...
Já dei aulas em Institutos de Reinserção Social com população escolhida a dedo pelos tribunais de menores, bem piores do que a escolinha mais recôndita do subúrbio mais grafitado do país e o sucesso escolar era merecedor de ser publicado nas revistas de Infância e Juventude com as palminhas do Ministro da Justiça da altura que, de vez em quando, ia às nossas festas da elite da escumalha comer uns pastéis de nata meio azedos. Melhor ranking do que este? Aquilo mantinha e mantém o emprego de muita gente (diretores, subdiretores, professores, psicólogos, malta do serviço social, cozinheiras, pessoal da limpeza, monitores e muitos outros... fora as despesas de manutenção logística) ainda que a população escolar, depois dos 16 anos, invariavelmente, fosse e vá parar à choldra por continuação de mau comportamento impossível de corrigir pelo sistema criado para o efeito altamente sustentado pelos erários públicos. Uma ideia brilhantemente pedagógica como tantas outras. Percebe a analogia? Como vê, há por aí muitas aberrações iguais às outras. Cada buraco, cada minhoca.
O interesse educativo em escrever o número de Amedeo na Primária é fundamental, pois claro que é. Número puro como só as crianças. Saber o que são gases, pressão, temperatura, moléculas e suas interações, átomos, unidades básicas de SI. Mui relevante e essencial. Pois se é só isso que eles vão aprender na vida inteira! O preço do carro do papá também. Fazer contas à vida e saber o que custa não andar a pé – consciência de sustentabilidade e poupança... tanta coisa que se aprende na primária, neste mundinho que só se valoriza quando o aluno, já velhinho, falha.
Claro que não confundo saber a matéria com saber ensinar. Eu, por exemplo, sei a matéria, mas não sei ensinar quem não quer aprender e esses são mais do que as mães. Também acredito que, com seis anos de vida e, condicionalmente, com cinco, não apeteça saber a diferença escrita dos sons s, ss, ç, c (e/i) e o porquê da existência da escola, do pai e do universo. Sempre foi esta a minha dúvida desde a primária...
Barriga,
Que grande indigestão vai nela, talvez produzida por "comer uns pastéis de nata meio azedos" ...
E obrigado por me dar Razão, senão vejamos:
Trabalhou na Reinserção Social de delinquentes (o que com a indigestão que tem nessa Barriga, não me augura nada de bom, mas enfim...), com uma População Juvenil de recuperação social difícil (Aí concordo), produzida, em parte, nas tais Creches & Primárias, que eu clamo que têm ser vistas com olhos de ver e como base duma Formação de sucesso (percebeu?), e que, à força do desprezo prático que lhes vota (Ministro incluído?), terminaram nessa triste situação em que as encontrou.
Ora isto é precisamente que eu, como a minha humilde chamada de atenção, pretendo evitar.
Já agora, essa população precisa, no mínimo de planos de recuperação específicos, que estão muito para além do simples Ensinar, e que, de não serve de modo algum de modelo, para testes de "ideias pedagógicas" ministeriais, QUE NUNCA SÃO TESTADOS E AVALIADOS, PARA IMPLEMENTAÇÃO GERAL, EM ESCOLAS DO FUNDO DAS TABELAS DOS RANKINGS.
É confundir alhos com bugalhos, o baralhar e dar de novo, como é usual e geral neste Tunga País.
" Sempre foi esta a minha dúvida desde a primária...".
Pois, mas não foi só essa, pois uma ideia que lhe podia ter sido incutida era a de "UNIVERSO", para perceber que o Estudo Estatístico dum "Método pedagógico" tem resultados diferentes consoante é testada no "Universo dos Delinquentes" ou "Universo duma Escola", mesmo do fundo do Ranking, ou outro.
Bastava pensar, no Universo dos Brinquedos da (sua) Sala da Creche, dos conjuntos dos dados a cada menino/a, dos partilhados, dos reunidos entre 2 ou mais ...
Na Sala dos Brinquedos, com Pança
A contemplação do vazio é, de facto, trágica.
Discutir a complexidade do monstro, com uma só luneta desfocada, custa-me a artificial inteligência.
Como professora, recuso-me a carregar o fardo de todas as estruturas apocalípticas do mundo, principalmente a da família e, com toda a certeza, não quero assumir projetos e programas psicológicos de salvação de procriações mal geridas geradoras de inadaptados emocionais, crianças com necessidades educativas especiais [as quais crescem em número de uma forma desconfiadamente descontrolada) e delinquentes.
Compreendo o universo/UNIVERSO das coisas, as estatísticas não sei de quê, as validações por não sei quem e as políticas educativas implementadas por cegos, mas compreendo ainda melhor que a escola não seja o superman de ninguém. Há uma multidão de “outros” que poderá ser ativada para os cuidados mentais, deixando à escola a função de ensinar, promover curiosidade e conhecimento. Não há nada mais cansativo do que gerir as crises comportamentais de má educação dos alunos como motor motivacional do trabalho diário e repetir até à exaustão as regras principais do saber estar em sala de aula. Coisinhas simples aparentemente dificílimas de aprender, que o caminho do Senhor é infinito...
Ainda por cima... o investigativo Estado deve-me sete anos e alguns meses que não recuperarei até aos 67 ou 68 anos exigidos para a reforma, a qual atingirei após 45 anos de serviço sem conseguir ascender ao 10º escalão. Isto com cargos superlativos não remunerados quase todos os anos. A exigência da excelência é abusiva da sua parte. Percebeu agora?
O que ensinar, então, aos alunos? A sindicância, o empenho narrativo da anarquia e o universo sonoro inexplorado da bateria num ringue de gelo, isto é, filosofia subversiva. Um método pedagógico pragmático adaptado à realidade.
Cara D. Quixote,
Antes de mais um esclarecimento: Quando me referi ao Universo, referia-me ao conceito da Teoria de Conjuntos que engloba TODOS os elementos que podemos "manipular" dum dado contexto.
Por exemplo, se estamos no Universo dos Frutos, não podemos evocar, vacas, lápis, etc, ou o quer que seja que não seja um fruto.
No caso destas respostas, evocar projectos (louváveis) de "Recuperação de Delinquentes", quando se está a opinar sobre "Ensino Normal".
Quanto ao resto, descreveu melhor que eu, o desgaste do que é ser professor, o tempo perdido a "gerir as crises comportamentais de má educação dos alunos" em detrimento da transmissão de Conhecimentos, a falta de reconhecimento da Sociedade e, por arrasto, do Estado sobre o trabalho realizado.
Daí que no meu primeiro post, tenha referido a necessidade dos Encarregados de Educação, estejam presentes na Escola OBRIGATORIAMENTE nas Reuniões de Período e sempre que se justifique.
Há muito que compreendi. Talvez pense que não tenha compreendido por ser professora primária...
Lamento que não tenha compreendido a analogia do universo das vacas ao universo dos frutos.
Fico-me por aqui de esterilidades discursivas.
Desculpe, eu que não percebi a sua alegoria.
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