segunda-feira, 17 de junho de 2019

VOLTAR A LER´




Meu artigo saída há cerca de duas semanas no Público:

Fui buscar o título a um livro recente de António Carlos Cortez, professor de Português, ensaísta e poeta, que reúne um conjunto de escritos críticos, alguns dos quais saídos no PÚBLICO, sobre literatura e educação.
Cito-o: “Em tempo de amnésia e relativismo cultural é imperioso voltar a ler”. E, noutro passo, “voltar a ler para reaprender e para sublinhar o que não se pode esquecer.” 
Com coragem, aponta o dedo à responsabilidade da escola na falta da leitura. Cada vez se lê menos entre nós, pelo menos sob a forma de livros em papel. Chora-se Agustina, mas ninguém a lê. Em 2008 publicaram-se em Portugal 17.800 novos títulos, cerca de um em cada meia hora, mas desde então ocorreu uma queda de 10 por cento. Nas vendas é pior: em 2009 venderam-se 14,2 milhões de livros (não incluindo manuais escolares) e a queda numa década foi de 22 por cento, isto é, cada português só compra um livro por ano. Se o lê ou não é uma outra questão: calcula-se que só 40 por cento dos portugueses leiam pelo menos um livro por ano. Basta ver o desaparecimento das livrarias para reconhecer a crise do livro (mesmo as que permaneceram, tornaram-se em bazares, com tops dominados pela f-word). A escola não ajuda: desde 2008 o investimento nas bibliotecas escolares caiu para um décimo. Ao contrário do que acontece nos estados mais desenvolvidos o nosso quase não compra livros para as bibliotecas.

É preciso voltar a ler. Contrariando o pessimismo para que as estatísticas nos remetem aí está de novo a Feira do Livro de Lisboa, a maior de sempre. Deixo algumas sugestões de leitura, reunindo títulos recentes tanto de literatura como de ciências, porque “isto anda tudo ligado”. Ainda agora morreu Murray Gell-Mann, o físico que nomeou partículas elementares  usando uma palavra – quarks – de  um romance de James Joyce.

Na literatura nacional destaco: a nova edição de Terras do Demo (Bertrand), de Aquilino Ribeiro, na data em que a obra faz cem anos, reedição apoiada pelos municípios das Terras do Demo; Tríptico da Salvação (D. Quixote), de Mário Cláudio, que assinala os 50 anos de vida literária do autor, levando os leitores aos tempos de Lutero e Cranach, há 500 anos; a 16.ª edição do romance Alma (D. Quixote), de Manuel Alegre, original de de 1995, um tocante testemunho da sua infância; O Café de Lenine (D. Quixote), uma novela de Nuno Júdice, talvez mais conhecido como poeta, que, partindo de uma citação de Aquilino, combina ficção, crónica e memórias. Da literatura internacional ando a ler: Serotonina (Alfaguara), o novo título de Michel Houellebecq, o enfant terrible das letras francesas; Máquinas como Eu (Gradiva), de Ian McEwan, sobre o tema premente da inteligência artificial; e O Escândalo do Século (Dom Quixote), textos de  imprensa de Gabriel Garcia Márquez. Na poesia chamo a atenção, para além das obras de Sophia e de Jorge de Sena (os dois fariam cem anos em Novembro), para O Tempo Avança por Sílabas (Quetzal), poemas escolhidos de João Luís Barreto Guimarães, e para Fósforo e Metal sobre Imitação de Ser Humano (Assírio & Alvim), de Filipa Leal. Escolho também, traduzidos do alemão por António Castro Caeiro, os Poemas  (Abysmo), de Georg Trakl, um poeta que caiu no abismo.

Na ciência saliento três biografias: Um Neurocientista em Construção (Gradiva), de João Lobo Antunes, memórias de um dos nossos mais brilhantes ensaístas;  O Primeiro Homem. A Vida de Neil Armstrong (Objectiva), de James Hansen, leitura apropriada quando passam 50 anos da chegada do homem à Lua; e Leonardo da Vinci (Porto Editora), a biografia do génio amplamente celebrado este ano, de Walter Isaacson, o biógrafo de Einstein e Jobs. Acrescento: A Parábola de Galileu (Gradiva), de Jorge Dias de Deus, o conhecido divulgador de ciência que, na senda de Rómulo de Carvalho, ensaia aqui uma “Física para o povo”; Da Redondeza da Terra e outras Histórias da Ciência e da Cartografia (Público e Gradiva), uma colectânea de textos de vários autores sobre a história da ciência em Portugal, com ênfase no tempo dos Descobrimentos;  e Os Fins do Mundo (Bizâncio), de Peter Brannen, sobre extinções em massa (não estamos livres doutras).

Há muitos mais livros para ler. O país não se desenvolve? Há um bom remédio: ler mais, ler melhor.

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