domingo, 12 de maio de 2019

Em Plutão aproxima-se o inverno, e a atmosfera desaparece na forma de geada

Informação que nos foi enviada relativa a um estudo sobre a atmosfera de Plutão em que participou o investigador Pedro Machado, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço.

Atmosfera de Plutão, observada pela sonda New Horizons, da NASA, em julho de 2015.
Os cientistas pensam que o nevoeiro azulado se deve à ação da luz solar sobre o metano e outras moléculas
da atmosfera de Plutão, produzindo uma mistura de hidrocarbonetos, como acetileno e etileno. 
Créditos: NASA/JHUAPL/SwRI
10 de maio de 2019 – Com menos de um quinto da massa da Lua, Plutão consegue porém ter uma atmosfera, ainda que evanescente, um ténue envelope de gás, produzido pela sublimação periódica dos gelos de azoto. Um estudo que acompanhou a evolução da atmosfera de Plutão durante quatorze anos, evidencia a sua natureza sazonal, e prevê que agora se começará a condensar e a desaparecer na forma de geada. Este estudo1 foi publicado hoje na revista Astronomy and Astrophysics e teve a participação de Pedro Machado, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA2) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). 
Os autores analisaram dados da atmosfera deste planeta anão entre os 5 e os 380 quilómetros de altitude obtidos entre 2002 e 2016. Este período coincidiu com o verão no hemisfério norte de Plutão3, onde predominam os reservatórios de gelo de azoto, que sublimam pela exposição e proximidade ao Sol. Os dados indicam que a pressão atmosférica à superfície aumentou em cerca de duas vezes e meia desde 1988 até ao seu máximo em 2015, ainda assim cem mil vezes mais ténue do que a pressão atmosférica média ao nível do mar na Terra. 
“Cada vez mais olhamos para a atmosfera sazonal de Plutão como uma atividade cometária”, diz Pedro Machado. “Como é um corpo de pequena massa, as moléculas de azoto atingem a velocidade de escape com muita facilidade, e Plutão perde atmosfera, como os cometas. O que irá acontecer agora é que as temperaturas estão a baixar e as moléculas de azoto começam de novo a formar cristais perto da superfície”, acrescenta Machado, “num processo semelhante à geada de água aqui na Terra.” 
Os dados provém de observações de onze vezes em que Plutão passou diante de estrelas no céu. Nestas ocasiões, a luz da estrela, embora escondida da Terra pelo corpo sólido, é desviada pela atmosfera na nossa direção. Esta técnica, conhecida por ocultação estelar, permite utilizar a luz da estrela, que passou através da atmosfera, para inferir as suas características. Por exemplo, a luz é defletida em maior ou menor grau conforme a densidade a diferentes altitudes, permitindo determinar a variação da pressão e temperatura atmosféricas em função da distância ao solo. 
A equipa de Pedro Machado contribuiu com duas observações realizadas a partir do Observatório do Centro Ciência Viva de Constância, e também com a sua experiência no processamento e análise dos dados. “O nosso grupo de observação de ocultações estelares já existe há quase seis anos. Pertencemos a uma rede internacional e recebemos os alertas internacionais para ocultações visíveis a partir de Portugal.” 
O segundo autor do artigo hoje publicado, Bruno Sicardy, é orientador de doutoramento, no Observatório de Paris, de Joana Oliveira, membro do grupo de estudo do Sistema Solar do IA. Joana Oliveira está a aplicar o método das ocultações estelares ao estudo de Tritão, uma das luas de Neptuno. Outro membro do grupo, João Ferreira, no Observatório de Nice e coorientado por Pedro Machado, está a utilizar os dados de posições de estrelas publicados pela missão Gaia4, da ESA, para aumentar o rigor na previsão de futuras ocultações estelares. 
Pedro Machado sublinha a ligação entre esta área e o estudo de exoplanetas. “Estamos a aprender na prática uma técnica similar à usada para detetar e caraterizar a atmosfera de exoplanetas. Há uma sinergia direta entre os estudos que estamos a fazer no Sistema Solar e os estudos que o IA está a fazer, ou irá fazer, por exemplo, com a futura missão Ariel5, da ESA, uma missão na qual nós lideramos um dos objetivos, que assenta precisamente nessa sinergia.” 
NOTAS:
1. O artigo “Pluto's lower atmosphere and pressure evolution from ground-based stellar occultations, 1988-2016”, por E. Meza, B. Sicardy, et al., foi publicado hoje na revista científica Astronomy and Astrophysics (DOI: https://doi.org/10.1051/0004-6361/201834281).
2. O Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) é a instituição de referência na área em Portugal, integrando investigadores da Universidade de Lisboa e da Universidade do Porto, e englobando a maioria da produção científica nacional na área. Foi avaliado como “Excelente” na última avaliação que a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) encomendou à European Science Foundation (ESF). A atividade do IA é financiada por fundos nacionais e internacionais, incluindo pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (UID/FIS/04434/2019).
3. Como o eixo de rotação de Plutão é muito inclinado, este roda quase deitado na sua órbita. Isto faz com que exponha permanentemente ao Sol as latitudes setentrionais durante uma fração dos mais de dois séculos que demora a sua volta completa ao Sol. Este tempo coincide também com a passagem pelo ponto da órbita mais perto do Sol (o periélio), que aconteceu em 1989. Plutão tem uma órbita muito excêntrica, variando a sua distância ao Sol entre cerca de 30 e 49 vezes a distância média da Terra ao Sol.
4. O satélite Gaia, lançado a 19 de dezembro de 2013, tem por objetivo criar o maior e mais preciso catálogo de posições, distâncias, movimentos e outras características de cerca de um por cento do total de estrelas da Via Láctea.
5. Ver comunicado de imprensa do IA de 23 de março de 2018, “Portugal no grande salto para os exoplanetas”.

1 comentário:

É e não é disse...

A ciência é mesmo assim. Primeiro, descobriu que Plutão era um planeta. Depois, descobriu que, afinal, é um planetóide. E Plutão continuou igual a si próprio, lá em cima, indiferente à pequenez do rótulo.

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