quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Uma nota que faz toda a diferença: os manuais escolares são apenas manuais escolares

No mundo hiper-conectado em que vivemos, o estado de sobressalto é constante: ora é isto, ora é aquilo... Hoje, vá lá, nesta semana, muita discussão, muita oposição, muita acusação a propósito de uma coisa, na próxima semana o que encheu jornais, televisões, internet será uma vaga lembrança, e na seguinte já passou, submergido por discussões, oposições, acusações sobre outra coisa e mais outra e ainda uma outra... E, de repente, volta uma coisa antiga para a qual olhamos como se fosse novidade...

Foi neste cenário que li a recente notícia sobre a supressão, num manual de português, de uma passagem de um poema emblemático (não interessa qual é) de um escritor maior da nossa Literatura (não interessa quem é) da responsabilidade de uma editora (não interessa qual é). E não interessam aqui nomes porque isto não é novidade nenhuma, é frequente. Falo apenas no presente.

Sim, as editoras de manuais escolares fazem supressões de passagens de textos literários e também fazem alterações nesses textos. Fiquemo-nos pelas supressões que têm, pelo menos, dois sentidos:
- economizar: apercebo-me da tendência de integrar as obras a estudar nos manuais, dispensando os alunos de as terem, de lhe mexerem, de as anotarem, de as lerem ou de só lhe passarem os olhos... Evidentemente que essa integração implica uma selecção, pois nenhum manual pode suportar todas as obras a estudar;
- evitar problemas: as obras literárias têm passagens difíceis e contestáveis, diz-se, logo devem ser retiradas frases e palavras que os alunos desconhecem para não os desmotivar, defendem alguns, ou que sejam "politicamente incorrectas" mantendo ou acentuando preconceitos e estereótipos, defendem outros.
Penso que o caso a que me refiro, cujo brado chegou à "Bola", jornal especializado em desporto, é enquadrável neste segundo sentido: a tentativa da empresa não arranjar problemas, o que acabou por lhe arranjar problemas.

Não estou a culpar nem a desculpar a editora: tratando-se de uma empresa, é a partir desse estatuto que a sua decisão deve ser entendida. O que acontece é que o sistema de ensino se tem tornado cada vez mais dependente dos manuais escolares (para professores e alunos) a que acresce uma panóplia sempre em crescimento de "recursos pedagógicos", que lhes são anexos, como se tudo isto fosse o currículo (programas, metas, aprendizagens essenciais, planificação disciplinar, etc.). Não é. Proporcionar os textos originais e integrais aos alunos é, em grande medida, responsabilidade das escolas e dos professores.

Dirá o leitor, sobretudo se for professor, que as múltiplas tarefas burocráticas, o ambiente escolar, o desalento que envolve a docência... não lhe permite fazer esse trabalho. Compreendo, sei que é assim. É assim mas não pode continuar assim. Os professores como profissionais, como intelectuais, que são têm o dever de fazer chegar o conhecimento aos seus alunos, sem as limitações dos manuais e sem as amarras que grupos de pressão consolidam.

Posto isto, esta grande celeuma vai-se esquecer por agora e daqui a uns temos tê-la-emos de volta.

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