sexta-feira, 25 de maio de 2018

O NEORREALISMO DE JÚLIO POMAR (1926-2018)


É percorrer o Facebook ver a quantidade de evocações do Cidadão que ontem nos deixou e tomar consciência do seu admirável legado. Considerado o mais destacado dos cultores do neorrealismo nacional, foi autor de uma vasta e diversificada obra, em termos de estilos ou correntes (expressionismo abstrato, surrealismo e outros), revelou-se na pintura, no desenho, na cerâmica na gravura e na escrita.

Na modesta homenagem que é meu impulso prestar-lhe, limito-me a lembrar algo de muito breve e simples sobre a sua fase dita neorrelista.

Nesta fase, a primeira de muitas outras que explorou no decurso da sua longa vida, Júlio Pomar, referenciado na história como pintor pós-modernista, retomou a atitude, a um tempo, estética e social do Realismo, o movimento artístico iniciado em França, a meados do século XIX, visando, sobretudo, os problemas das classes média e baixa. Diga-se que este movimento, rapidamente alastrado ao campo da literatura (Eça de Queirós. Honoré de Balzac, Charles Dickens, entre outros), surgiu em plena Revolução Industrial, aquando das primeiras lutas sociais contra o capitalismo, então em franco desenvolvimento.

Impulsionado pela militância de contestação política ao regime do Estado Novo, o jovem Pomar procurou, nas décadas de 1940 e 1950, denunciar a realidade social e política que então se vivia em Portugal. E fê-lo em parte da obra que nos deixou.

Recordo que, em 1946, tinha eu 15 anos, Júlio Pomar iniciou um grande mural no Cine-Teatro Batalha, no Porto, mural que foi estupidamente destruído, no ano seguinte, por imposição de Salazar. Uma das suas pinturas, exibida em 1947, numa das Exposições Gerais de Artes Plásticas, realizadas na Sociedade Nacional de Belas Artes, foi apreendida pela polícia política. Por essa altura foi preso pela PIDE e, em 1949, foi destituído do lugar de professor de desenho, no ensino técnico, na sequência da sua participação na candidatura Norton de Matos à Presidência da República.

Foi esta realidade que a minha geração sentiu na pele e que os jovens, os homens e as mulheres hoje na casa dos 50 anos, felizmente, desconhecem.

A. Galopim de Carvalho

2 comentários:

Anónimo disse...

Júlio Pomar foi porventura o nosso maior pintor neo-realista. A pintura "O almoço do trolha", à primeira vista um estudo vulgar sobre as difíceis e miseráveis condições de vida dos trabalhadores braçais em Portugal, nos tempos da ditadura do Doutor Salazar e seus capangas, adquire após uma observação mais atenta contornos de obra-prima, transfigurando-se num hino à Família, dado o paralelismo óbvio com um retrato da Sagrada Família, onde o filho ocupa o lugar central do menino Jesus, iluminando os rostos rudes dos seus pais com a luz da esperança num mundo melhor, que viria a ser, como hoje já sabemos, o Portugal de Abril, livre do nefando dinheiro, onde todos os trabalhadores, braçais e intelectuais, se sentem felizes como nunca!...

O luxo, 1979 disse...

Hoje em dia, só não há miserabilismo porque o povinho deve tudo e a elite rouba o que pode. Óleo sobre aglomerado...
Ao menos, o Pomar transfigurava o determinismo do ADN agigantando o trolha, o gadanheiro, o carpinteiro, o ceifeiro... Admirável em alguém que nasceu em Lisboa, filho de um engenheiro e de uma secretária com dinheiro suficientemente supérfluo para um menino de 8 anos frequentar aulas de desenho na Escola de Arte Aplicada António Arroio e, mais tarde, a escola de Belas-Artes de Lisboa.
Admirável também o seu combate ao salazarismo, colocando a arte ao serviço do seu compromisso ideológico. "Não se tratava apenas de pintar, mas também de abrir os olhos, de agir".

Feliz como nunca é esta atual aristocracia escanzelada e trabalhista, de boquinha pequena enfatizada de talheres e copos, mas sem um tusto para mandar cantar um cego ao ponto andar à boleia e esquecer-se de pagar o café que bebe, sempre às costas dos amigos.
Mas nada a dizer dos estéticos D. Quixotes de La Mancha. Cada um avança na barriga com o serviçal e o cavalo que tem.

O corpo e a mente

 Por A. Galopim de Carvalho   Eu não quero acreditar que sou velho, mas o espelho, todas as manhãs, diz-me que sim. Quando dou uma aula, ai...